domingo, 29 de abril de 2012

Reuniões Mediúnicas Espíritas (Fanatismo, rituais e a comunhão de pensamentos)


Por Iso Jorge Teixeira

Disse JESUS: "Em verdade ainda vos digo: se dois de vós estiverem de acordo na terra sobre quaisquer coisas que quiserem pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus. Pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles." (Mt 18,19-20).
 

Como realizar uma reunião mediúnica? Há diferença entre uma reunião mediúnica de uma seita religiosa qualquer e uma reunião mediúnica espírita? Uma reunião mediúnica deve obedecer a regras, humanas, para que não se torne uma reunião frívola; entretanto, devemos ter o cuidado para não transformarmos tais regras em dogmas para o Espiritismo, pois este não é UMA religião...


Reuniões mediúnicas espíritas e religião.
Apesar dos resultados da pesquisa neste site, acreditamos que muitos responderam sem conhecimento de causa e alguns com o conceito genérico de religião. A pergunta "O Espiritismo é uma religião?" foi tema de um discurso de ALLAN KARDEC numa Sessão comemorativa do dia dos mortos em 1.º/11/1868 na Sociedade de Paris, tal discurso foi publicado na Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos de dezembro de 1868. Nele, vemos claramente que o Espiritismo tem conseqüências religiosas mas, repetimos, não é UMA religião.


Enfim, as regras para uma reunião mediúnica espírita como dia(s) da semana, horário, número de participantes, objetivos, etc. são humanas e flexíveis, servem basicamente para disciplinar, mas não para dogmatizar...


Não temos nada contra as seitas religiosas que realizam suas reuniões mediúnicas de tal ou qual maneira; entretanto, tais seitas religiosas muitas vezes intitulam-se espíritas. Ora, o Espiritismo não é uma religião e, muito menos ainda, uma seita religiosa... A questão não é simplesmente de palavras, mas de método. As palavras Espiritismo, espírita ou espiritista surgiram em 1857 com a publicação de O Livro dos Espíritos de ALLAN KARDEC, aliás já escrevemos um artigo mostrando as diferenças do Espiritismo em relação a outras crenças espiritualistas (no site millenium news)...  A confusão feita com estes termos gera, muitas vezes, discussões que poderiam ser evitadas se houvesse um mínimo de estudo pelas pessoas...


Condições para a realização de reuniões mediúnicas espíritas.
Nosso propósito neste artigo é tentar esclarecer os pontos fundamentais que devem ser levados em conta quando realizamos uma reunião mediúnica espírita com objetivos sérios. Em primeiro lugar para que tal reunião se realize é preciso que haja médiuns ; todos o somos, mas é necessário que haja mediunato na maioria das pessoas participantes; a propósito, leia-se o nosso artigo Mediunidade, Mediunato e evolução espiritual [Jornal O SEMEADOR (Órgão da FEESP) - abril / 02, p. 8 e 9]; assim, somos de opinião de que obsidiados e doentes mentais não devem participar de reuniões mediúnicas, pois não há neles o mediunato.


Outro aspecto importante é que haja evocação dos Espíritos Superiores para presidirem espiritualmente os trabalhos, contudo, devemos fazer a nossa parte, não devemos achar que eles tudo fazem, por isso é necessário que os médiuns tenham conhecimento doutrinário, principalmente aquele(s) designado(s) para ser(em) o(s) doutrinador(es). Ressaltamos este ponto, embora óbvio, porque temos conhecimento de reuniões mediúnicas, ditas espíritas, em que o doutrinador tem um conhecimento muito superficial de O Livro dos Espíritos (OLE) de KARDEC e que nunca leram a Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos; consideramos isso um absurdo, pois é querer brincar com fogo e esperar que os Espíritos Superiores ajudem e tudo façam, levando-se tudo na base da "intuição". E, enfim, o mais importante, é que haja uma comunhão de pensamentos bons durante a reunião mediúnica; bem, disso falaremos mais adiante.


Fanatismo nos Centros espíritas.
No dia 21/12/01 recebemos email de um leitor do jornal espírita, que nos fez várias perguntas, todas respondidas, que merecerão um artigo no JE, no final disse o confrade: "(...) Futuramente pode nos brindar com um artigo sobre o fanatismo na Casa Espírita?" ANDRÉ LUIZ P.S. São Paulo - SP


Vamos tentar satisfazer aqui o pedido do leitor... Há pessoas que superestimam uma idéia ou grupos de idéias com tal passionalidade que nem ouvem ou não entendem o que outros indivíduos dizem ou escrevem, contrariamente às suas idéias; negam-se a admitir idéias por mais racionais que sejam; são pessoas fanáticas.


O adágio popular brasileiro diz que religião e futebol não se discute, exatamente porque as pessoas polarizam sua afetividade para uma seita religiosa ou para o clube de seu coração e, consequentemente, as discussões religiosas são improfícuas e, algumas vezes, perigosas, tal a irracionalidade com que as pessoas defendem seus pontos de vistas sem enxergar ou ouvir o ponto de vista do outro e podem chegar à agressão física...


Infelizmente, algumas pessoas que se dizem espíritas estão seguindo o mesmo caminho das seitas religiosas e tornam-se fanáticas. Basta que se questione idéias de um Espírito, seu preferido, tornam-se extremamente agressivas, embora sem perder a pose e a linguagem melíflua, pseudo-evangélica e, curiosamente, rotulam as pessoas que delas discordam de obsidiadas, num claro mecanismo que os psicanalistas chamam de projeção, isto é, projetam no outro aquilo que é dele próprio...


Em um Centro, que se diz espírita, do Rio de Janeiro, tivemos conhecimento de uma pessoa que orava por seus parentes doentes, ajoelhada diante de uma foto de BEZERRA DE MENEZES !!... De uma certa feita levou o seu neto (deficiente mental) para uma sessão de psicometria (??) no tal Centro - realizada por uma Sra. que se dizia psicóloga - e, em dado momento da sessão, o rapaz entrou em intensa agitação psicomotora. A atitude da tal que se dizia psicóloga foi chamar a Polícia, que imediatamente levou o paciente para internação psiquiátrica... Quando questionamos a falta de cientificidade da psicometria, a tal que se dizia psicóloga, ficou extremamente irritada, irada mesmo, dizendo que aquele "trabalho" era uma "caridade", uma "mediunidade com JESUS"!!... Em resumo, não admitiu discussão sobre o seu método, como sempre fazem os fanáticos, agredindo verbalmente as pessoas "em nome de JESUS", exatamente como faziam os fanáticos da Idade Média que, inclusive, levaram pessoas para a fogueira, rotulando-as de feiticeiras, tudo "em nome de JESUS".


Enfim, os exemplos multiplicar-se-iam no mesmo estilo, ficaria cansativo citá-los. O Espiritismo é uma Doutrina, com bases científicas e conseqüências religiosas, mas não é uma religião como opinamos. A excelência da Doutrina Espírita é que ela é racional e, por isso mesmo, não aceita dogmas, só admite como doutrinário aquilo que passe pelo crivo da razão e pelo criterium da concordância. Portanto, é inconcebível o fanatismo em um adepto do Espiritismo, mas desgraçadamente ele existe em alguns que se intitulam espíritas !...


Há vários tipos de fanáticos nos Centros Espíritas: aquele que procura o Centro unicamente para receber passes e acredita que eles lhes são benéficos, no entanto, não se observa nele nenhuma transformação íntima; muitas vezes, continuam sendo pessoas egoístas, rancorosas, agressivas, apesar dos passes. Julgam que indo ao Centro regularmente, sem faltar um só dia, e recebendo seus passes, estariam quites com DEUS e ponto final !...


Outro tipo de fanático é aquele que procura o Centro unicamente para levar "água fluidificada" para casa e alguns mesmo, pasme-se, levam seus familiares para um "banho de ervas" aconselhado por um dirigente "espírita". Ora, nada temos contra quem é adepto da Umbanda, Candomblé, etc., mas confundir-se Espiritismo com tais denominações é, no mínimo, ignorância das obras básicas do Espiritismo...


Outros, ainda, que se dizem espíritas, colocam defumadores em suas casas, querendo com isso afastar os maus espíritos; seria a "fumacinha" quem afastaria os maus espíritos. Ora, um espírito inferior, mas inteligente, desencarnado, acreditará que uma "fumacinha" lhe fará mal?! Certamente que não, inclusive tais espíritos estimularão a crendice das pessoas que se utilizam de tais rituais para se divertirem. Neste aspecto é trágico vermos homens inteligentes admitirem que a "fumacinha" funciona, porque os Espíritos inferiores assim o acreditariam!!...


Outra crença cega é a de que nos Centros Espíritas haveria uma "barreira fluídica", "eletromagnética", dizem os sabichões, para impedir a penetração de maus espíritos; isto é dito como verdade transitada em julgado, somente porque alguns Espíritos, idolatrados entre nós, o afirmaram para demonstrar que o Centro Espírita é um "templo", um "santuário". Ora, o que traz bons ou maus fluidos para o interior de um Centro Espírita são os pensamentos daqueles envolvidos no trabalho.


Se, por exemplo, o Presidente de um Centro Espírita é hipócrita, corrupto e só vive com o nome de JESUS nos lábios, no interior do Centro; mas seu comportamento diário, fora dele, é dissoluto, que tipo de espíritos ele atrairá para o interior do Centro? Se não há "barreira fluídica" para impedir a entrada de um Espírito encarnado deste tipo, por que os desencarnados seriam impedidos de entrar? Seria uma injustiça de DEUS: o desencarnado inferior leva choque elétrico se tentar entrar no Centro e o encarnado inferior entraria em conluio com os Espíritos Superiores para enganar a boa fé alheia? Seria absurdo, pois quando os Espíritos Superiores percebem a sintonia de espíritos inferiores em determinados Centros, eles se afastam e, neste caso, a conseqüência é uma verdadeira obsessão coletiva...


Dispersão e a "falta danada de um ritualzinho" - A comunhão de pensamentos. Em longo mail de 13/04/02, disse uma internauta, estudante de Psicologia, dentre outras coisas: "(...) Quanto ao ritual que a Doutrina alerta-nos para que dele prescindamos, eu, para lhe dizer a verdade, sinto uma falta danada de um ritualzinho. Hoje, como estudante de Psicologia, vejo o quanto ele tem sido importante para ajudar e manter a mente mais aglutinada, promovendo força mental. Vejo nos Centros como as pessoas ficam dispersas e o quanto tem sido difícil para nós, estressados de ultimamente, 'sacarmos' a importância do nosso templo e mantermo-nos condignamente no ambiente, dele aproveitando o melhor possível. (...) Não que eu pense que devamos incluir rituais em nossas casa, mas o que fazermos para que nós espíritas consigamos nos concentrar mais para orarmos, meditarmos etc., sem uma velinha, um mantrasinho, etc ?." R.P.S. Cuiabá - MT


A leitora, estudante de Psicologia, portanto, com bom nível intelectual, sente a necessidade de "uma velinha, um mantrasinho" e a "falta danada de um ritualzinho" para se concentrar e reclama da dispersão de pensamentos nos Centros Espíritas; imagine-se o que acontece com as pessoas não intelectualizadas!...


Ainda somos inferiores, pois sentimos uma "falta danada de um ritualzinho", e neste sentido pronunciaram-se os Espíritos Superiores num trecho da resposta da questão 554 de OLE: " (...) Ora, é difícil que aquele que é tão simplório para crer na virtude de um talismã não tenha um objetivo mais material que moral. Qualquer que seja o caso, isso indica estreiteza e fraqueza de idéias, que dão azo aos espíritos imperfeitos e zombadores". No entanto, cabe-nos combater essa inferioridade através do estudo da Doutrina dos Espíritos e através da prática da caridade bem compreendida.


Obviamente, sentimos nosso pensamento disperso algumas vezes, mas se houvesse verdadeira educação mediúnica nos Centros Espíritas, com certeza tais fatos lamentáveis de fanatismo e necessidade de fetiches desapareceriam, pois seríamos médiuns prontos e saberíamos concentrar-nos efetivamente, sem necessidade de velinhas, mantrasinhos e outros objetos de qualquer tipo, pois o importante é o pensamento e não o objeto.


Certa vez disseram-me que 'médiuns videntes" tinham observado num Centro Espírita a entrada de Benfeitores Espirituais, que teriam derramado seus fluidos espirituais nas garrafinhas d'água colocadas pelos adeptos e que, inclusive "viram fluidos de várias colorações, etéreas, belíssimas". Apesar disso ser uma crença generalizada, vejamos a opinião do astrônomo CAMILLE FLAMMARION - aquele mesmo que ao pé do túmulo de KARDEC disse que este era "o bom senso encarnado" : - "(...) Tendo o sensitivo bebido, em estado de vigília, um copo de água, com sugestão mental de ser um copo de kirsch, manifestou todos os sintomas de embriaguez durante vários dias. Foram os fenômenos deste gênero que fizeram crer aos magnetizadores poderem eles, magnetizando um copo de água ou um outro objeto, impregnar seus fluidos de diferentes qualidades físicas ou químicas (...)" - os grifos são do autor - (CAMILLE FLAMMARION. O Desconhecido e os problemas psíquicos. Vol. II. 3 ed. FEB, Rio, 1980, p. 24).


E conclui o grande cientista espírita: - "(...) A magnetização é neste caso inútil, pois que é o pensamento que age sobre o cérebro do paciente e não sobre o objeto" - o grifo é do autor -(op. cit., p. 24). As palavras de FLAMMARION não são meras palavras, são fruto de pesquisas rigorosas...


Vejamos o que nos diz ALLAN KARDEC sobre a comunhão de pensamentos: - "Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; é aí, com efeito, que podem e devem exercer toda a sua força, porque o objetivo deve ser o desligamento do pensamento do domínio da matéria. Infelizmente a maioria se afasta deste princípio, à medida que tornam a religião uma questão de forma. Disto resulta que, cada um, fazendo seu dever consistir na realização da forma, se julga quites com Deus e com os homens, desde que praticou uma fórmula. Resulta ainda que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por conta própria e, na maioria das vezes, sem nenhum sentimento de confraternidade, em relação aos outros assistentes: isola-se em meio à multidão e só pensa no céu para si próprio." (o grifo é nosso).


E prossegue O Codificador: - "Certamente não era assim que o entendia Jesus, quando disse: Quando estiverdes diversos, reunidos em meu nome, eu estarei em vosso meio. Mas não se pode estar reunido em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios, a sua doutrina. Ora, qual é o princípio fundamental da doutrina de Jesus? A caridade em pensamentos, palavras e ação. Os egoístas e os orgulhosos mentem quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus não os conhece por seus discípulos" (ALLAN KARDEC. Revista Espírita- Jornal de estudos psicológicos. Ano VII,1864, EDICEL,São Paulo, p. 354-355).


Portanto, o pensamento é tudo a forma quase nada ou nada. As reuniões mediúnicas espíritas tem de ser realizadas com médiuns verdadeiros e estes não são reconhecidos por nenhum sinal exterior, como foi o caso, absurdo, de uma pessoa que dizia reconhecer o médium através das manchas das unhas das mãos. Uma tal pessoa numa reunião mediúnica conseguiria que JESUS estivesse entre eles reunidos?...
 
 
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/iso-jorge/


Práticas estranhas nos Centros Espíritas

Jornal Mundo Espírita de Março de 2001
 
Espiritismo é a Doutrina dos Espíritos dirigida aos homens e codificada por Allan Kardec, que se encontra exarada nas cinco obras fundamentais, também conhecidas como obras básicas: O Livro dos Espíritos, O Livros dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e a Gênese.


Movimento Espírita é o resultado do labor dos homens em prol da divulgação do Espiritismo. Assim sendo, deduz-se com facilidade, que o Movimento espírita tem de estar consubstanciado na Doutrina Espírita, pois é em razão dela que existe.

Como célula essencial do Movimento espírita, encontramos a Casa Espírita, Instituição com funções bem definidas e, portanto, totalmente vinculada aos fundamentos doutrinários, junto da qual congregam-se os adeptos do Espiritismo para integrarem-se ao espírito da Doutrina, promovendo aprofundamento intelectual no conteúdo da informação espírita de modo a poder corporificá-la conscientemente no seu comportamento moral e social, na jornada diária.


No entanto, o "Movimento Espírita cresce e se propaga, mas a Doutrina Espírita permanece ignorada, quando não adulterada em muitos dos seus postulados", relembra o preclaro Espírito Vianna de Carvalho. Tal se dando, em decorrência daqueles que assumem responsabilidades diretivas, sem os necessários recursos culturais e doutrinários indispensáveis, por negligência ou até omissão de muitos de seus membros, o que licencia a vigência em vários núcleos espiritistas de práticas estranhas e alheias aos objetivos e propostas do Espiritismo e das Casas Espíritas, dentre as quais citamos: CROMOTERAPIA, PSICOTERAPIA, MUSICOTERAPIA, HIDROTERAPIA, CRISTALTERAPIA, FITOTERAPIA, etc.


Não se entra no mérito da eficiência e bases científicas de tais terapias, algumas das quais vêm lutando por um reconhecimento acadêmico, profissional e social. Agora, inseri-las nas instituições espíritas como se prática espírita fossem, é medida de alto risco que desconsidera a grandeza indimensional do Espiritismo ao querer reduzi-lo à estreiteza de pontos de vista pessoais.


Quando se desejar trabalhar com CROMOTERAPIA, MUSICOTERAPIA e outras, que se faça dentro dos moldes legais, pagando os impostos, disputando com lealdade e abertamente os pacientes interessados no mercado profissional, mas, sem envolver as Casas Espíritas, utilizando-se das suas dependências, instalações, recursos financeiros da contribuição dos associados para a manutenção da casa, desviando os interesses daqueles corações que para ali vão em busca do que a Doutrina Espírita, e tão somente ela, lhes pode oferecer.


O espiritismo é Doutrina de educação integral, de higiene mental e moral. É o retorno do Cristo ao atormentado homem do século ciclópico da tecnologia, através dos seus emissários, renovando a Terra e multiplicando a esperança e a paz nas mentes e nos corações que lhe permaneçam fiéis.


A Casa Espírita é bendita escola de almas, ensinando-as a viver. Espiritismo tem por objetivo a reforma moral do Homem. Casa Espírita é um celeiro de esperanças na inquietude da noite das aflições, por ofertar a luz do Consolador.



 
(Jornal Mundo Espírita de Março de 2001)

terça-feira, 24 de abril de 2012

As crianças índigo e o movimento espírita

Como explicar a adesão de lideranças e instituições em uma tese tão absurda.

Por Dora Incontri
 
A entrada livre do movimento índigo dentro do movimento espírita brasileiro revela apenas o que os espíritas conscientes já sabem (e estes infelizmente são em muito pequeno número): nosso movimento anda longe da trilha proposta por Kardec. Entenda-se que não tomamos aqui essa trilha como um conjunto de dogmas fixos, como um sistema fechado de pensamento. O espiritismo – como queria Kardec – deve estar inserido no mundo, na cultura de seu tempo, deve dialogar com outras correntes de pensamento, deve continuar seu caminho de ciência e de pesquisa.


Mas para isto é preciso um método. A principal contribuição de Kardec foi a criação de um método de abordagem da realidade, que inclui a observação científica, a reflexão filosófica e a revelação espiritual. Esses três caminhos convergem na busca da verdade e um elemento controla o outro. Não se pode aceitar cegamente o que vem pela revelação mediúnica – é preciso passá-la pelo crivo da razão e pela análise do método científico. Aliás, somos nós, encarnados, que fazemos a ciência, e não os Espíritos, que vêm apenas nos intuir, nos ajudar, sobretudo no plano moral. Uma ciência que supostamente nos viesse pronta do Além já deveria ser motivo de desconfiança e é própria de Espíritos pseudo-sábios.


No caso de Lee Carrol, Jan Tober e o Espírito de Kryon (que a tradução brasileira mudou para médium Kryon, quando se trata de um Espírito que se afirma extra-terrestre e o Espírito mais próximo de Deus!), defrontamo-nos com uma grande mistificação, com fins comerciais, sem nenhuma racionalidade, sem nenhum critério científico... e os espíritas embarcaram gostosamente na idéia. Por quê?


Alguns certamente o fizeram de boa-fé, outros com claros interesses financeiros, porque se trata de um tema vendável, na linha de auto-ajuda descompromissada, aquela que agrada ao leitor, por trazer receitinhas prontas de como tratar um filho índigo – e muitos podem se iludir no orgulho de ter um filho de aura azul, predestinado a mudar o mundo, um mutante genético!


Os que aceitaram a idéia de boa-fé não são menos desculpáveis, principalmente em se tratando de lideranças, formadoras de opinião, que publicam livros, fazem palestras, porque deveriam ter a responsabilidade ética e intelectual de falar apenas sobre aquilo que pesquisaram em profundidade e manifestarem uma opinião abalizada sobre o assunto. Aos que fazem publicações com fins comerciais, não temos o que dizer. Kardec advertia que contra interesses não há fatos que prevaleçam.


É preciso esclarecer bem o que criticamos na questão de fins comerciais, pois temos também uma editora e podemos ser mal interpretados. É óbvio que o setor editorial espírita precisa ser profissional, movimentar dinheiro, contratar pessoas, trabalhar na base do profissionalismo e não do amadorismo. Isto também vale para uma escola, uma universidade, um empreendimento qualquer que leve o nome de espírita. Ou seja, temos pleno direito ético de vender um livro espírita (porque senão não podemos publicar outros), de cobrar um curso ou um congresso, para cobrir os custos e, inclusive, para reinvestirmos na própria divulgação do espiritismo. O que criticamos, que é próprio da mentalidade capitalista, é quando passamos o lucro na frente do ideal. Ou seja, quando traímos os princípios da doutrina espírita, publicamos qualquer coisa, para ganhar dinheiro, fazemos qualquer negócio, para obter dividendos e buscamos com isso enriquecimento pessoal.


É isso o que o capitalismo preconiza: lucro acima de tudo e princípios éticos totalmente descartáveis e secundários. A qualidade de um produto, as responsabilidades social, ideológica, moral ficam subordinadas ao desejo de venda fácil. As editoras espíritas que trabalham seriamente, com cultura e livros de conteúdo, sabem o quanto é preciso se sacrificar para manter bem alto o ideal!

A falta do espírito crítico
O outro aspecto comprometedor que afasta o movimento espírita do rumo de Kardec é a ausência de criticidade, debates e exame livre das questões. Quando surgem às vezes alguns críticos, cometem o deslize que discutir pessoas, ao invés de discutir idéias. Mas a grande maioria, acostumada à cultura do “brasileiro cordial”, acrescida pelo estereótipo de “espírita caridoso”, não está habituada a nenhum exercício de crítica construtiva. Considera-se que crítica é falta de caridade.


Ora, Kardec, nos 12 volumes da Revista Espírita, estabelecia um debate eloqüente, ardido e, muitas vezes, usando aquele fino espírito francês de ironia, para colocar-se ante adversários e para esclarecer questões polêmicas. Não que transformasse as páginas da Revista em arena de combate, mas não deixava de exercitar o saudável espírito da análise crítica, inclusive como instrumento de construção do conhecimento espírita.


Todos os grandes pensadores agiram assim. Basta lembrar Sócrates, com sua fina ironia, debatendo com os sofistas; basta rememorar Descartes, com seu método racionalista, desmontando a teologia jesuítica. Toda a história do pensamento humano constitui-se no debate de idéias.


Quando a discussão é implicitamente proibida, cria-se o autoritarismo disfarçado, a idolatria por líderes, que passam a pontificar sem nenhum questionamento, dominando as consciências, e não há progresso e nem liberdade de pensamento.


É isso o que se vê no meio espírita atualmente. Qualquer pessoa pode publicar, falar, pontificar o que for, e ninguém rebate uma vírgula, ninguém faz uma objeção. Por isso, multiplicam-se os absurdos e estamos imersos numa avalanche de frivolidades.


Enquanto não aprendermos a debater sem melindres, a discutir idéias sem paixões pessoais, a criticar construtivamente e a exercitar o livre-exame (que já Lutero propunha há 500 anos), não teremos um movimento espírita esclarecido e progressista, que não engula mistificações tão grosseiras como essa das crianças índigo. Obviamente que só é possível criticar construtivamente a partir de um conhecimento aprofundado das questões. Para isso, é preciso estudar Kardec e procurar sempre ampliar o horizonte cultural.

domingo, 22 de abril de 2012

Tirando a máscara dos enganadores

Por Nazareno Tourinho


No artigo precedente fizemos alusão ao recurso empregado por J. B. Roustaing para tornar digerível, em nosso meio doutrinário, sua obra indigesta: plagiar Kardec, copiando-lhe algumas idéias e as oferecendo ao público como se fossem suas. Demos como exemplo dessa deplorável conduta apenas um trecho de O Livro dos Espíritos, mas poderíamos ter acrescentado outros, pois Roustaing surrupiou ideias de Kardec retirando-as até de O Evangelho Segundo o Espiritismo – neste livro o Codificador explica, uma por uma, as frases da prece conhecida como Pai Nosso, ensinada por Jesus; o antigo bastonário da Corte Imperial de Bordeaux não deixou de imitá-lo também quanto a isso, e quem duvidar consulte as páginas 447/449 do Volume 1 de Os Quatro Evangelhos, de sua autoria (6ª edição da FEB).


Contudo desprezemos essas “superfluidades” porque no Volume 2 da referida obra há coisas muito piores. Não somente heresias científicas (“A paralisia é um resfriamento dos fluidos animalizados que circulam no organismo humano.” – página 76), mas principalmente religiosas.


O que Roustaing e seus “guias” pretendem, já salientamos nos escritos anteriores, é nos intoxicar filosoficamente, temperando o Espiritismo com Catolicismo. Na página 143 do mencionado Volume 2, lemos:

“A igreja que os homens fizeram tem que ser transformada, vós o sabeis. Preparai, pois, espíritas, os materiais que hão de servir para a reedificação, a fim de que os obreiros do Senhor encontrem talhadas as pedras, quando for tempo de levantar o edifício.”

Neste tópico Roustaing e seus “guias” ainda estão preparando o terreno para plantar suas venenosas sementes. Na página 169 eles avançam um pouco mais, garantindo:

“A igreja, porém, despertará; o sonho em que ainda se compraz, dissipar-se-á ao clarão da nova aurora.” (Os grifos são dos autores, não nossos).

Na página seguinte, 170, começam a tirar a máscara:

“Coragem, filhos da nossa igreja, da Igreja do Senhor, aproximam-se os tempos em que os discípulos e o Mestre aparecerão de novo entre vós, em que vossos olhos desvendados verão o Justo nas nuvens do céu, em que os anjos, isto é, os Espíritos purificados, descerão à Terra para mais eficazmente vos estenderem seus braços fraternais.” (Todos os grifos até aqui, e daqui para a frente, destacando em negrito algumas palavras, são dos autores.)


Na página 254 vão além, assumindo a linguagem que lhes é própria:


“De contínuo incentivando em vós, igualmente, as aspirações pela perfeição, não levantamos também uma ponta do véu que ocultava o futuro, para vos mostrarmos o vosso Deus no seu trono imutável, esperando que, arrependidos, seus filhos venham acabar junto desse trono a obra que ele lhes confiou?”.

Depois de colocarem DEUS em um trono, soltam mais a língua à página 277:
“Inclinai-vos com respeito, reconhecimento e amor diante desse Salvador cheio de devotamento que, desde o instante em que o vosso globo saiu dos fluidos espalhados na imensidade, em que esses fluidos, para formarem um mundo, se reuniram pela ação de sua vontade divina, divina no sentido de ser ele órgão de Deus, velou sempre por vós...”

Na página 297 Jesus é denominado Redentor. Na 308 temos este primor de argumento católico:
“Referindo-nos a Jesus, acabamos de usar das expressões – filho único do pai. Ele o era e é, no sentido de ser, pela sua elevação espiritual, única relativamente à de todos os Espíritos que se acham ligados ao vosso planeta, quem lhe preside os destinos.”

Finalmente, na página 440, somos presenteados com a grande “Revelação” da obra de Roustaing, que a atual diretoria da FEB, a esta altura talvez mais por capricho, teima em aceitar e divulgar. Ei-la, sem qualquer comentário, em respeito à inteligência dos verdadeiros espíritas, os fiéis seguidores da doutrina codificada por Allan Kardec.
“Quando o cetro do “príncipe da igreja” houver cedido lugar ao cajado do viajor, quando a púrpura houver caído e o burel cobrir os ombros daquele a quem os homens chamam de “O Santo Padre” e os dos “príncipes da igreja”, o que sucederá, depois que todos hão de voltar à humildade de que jamais se deveriam ter apartado, então a fé, evolando-se dos vossos corações, se elevará grande e forte, para dominar ainda na igreja do Cristo, e o “sucessor de São Pedro” estenderá sua santa mão para abençoar o universo.”
 



Fonte: TOURINHO, Nazareno. As Tolices e Pieguices da Obra de Roustaing – Nazareno Tourinho; ensaio crítico-doutrinário; 1ª edição, Edições Correio Fraterno, São Bernardo do Campo, SP, 1999.

O “Courrier de Paris” publicou artigo sobre “O Livro dos Espíritos”

O Editor Dentu acaba de publicar uma obra deveras notável; diríamos mesmo bastante curiosa, mas há coisas que repelem toda qualificação banal. O Livro dos Espíritos, do Sr. Allan Kardec, é uma página nova do grande livro do infinito, e estamos persuadidos de que um marcador assinalará essa página. Ficaríamos desolados se pensassem que acabamos de fazer aqui um anúncio bibliográfico; se pudéssemos supor que assim fora, quebraríamos nossa pena imediatamente. Não conhecemos absolutamente o autor, mas confessamos abertamente que ficaríamos felizes em conhecê-lo. Aquele que escreveu a introdução que inicia O Livro dos Espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres.



Aliás, para que não se possa suspeitar de nossa boa-fé e nos acusar de tomar partido, diremos com toda sinceridade que jamais fizemos um estudo aprofundado das questões sobrenaturais. Apenas, se os fatos que se produziram nos causaram admiração, pelo menos jamais nos levaram a dar de ombros. Somos um pouco dessas pessoas que se chamam de sonhadores, porque não pensamos absolutamente como todo o mundo. A vinte léguas de Paris, à noite sob as grandes árvores, quando não tínhamos em torno de nós senão choupanas esparsas, pensávamos naturalmente em qualquer coisa, menos na Bolsa, no macadame dos bulevares ou nas corridas de Longchamp. Diversas vezes nos interrogamos, e isto muito tempo antes de ter ouvido falar em médiuns, o que haveria de passar no que se convencionou chamar o Alto. Outrora chegamos mesmo a esboçar uma teoria sobre os mundos invisíveis, guardando-a cuidadosamente para nós, e ficamos muito felizes de reencontrá-la quase por inteiro no livro do Sr. Allan Kardec.

 

A todos os deserdados da Terra, a todos os que caminham e caem, regando com suas lágrimas o pó da estrada, diremos: Lede O Livro dos Espíritos; isso vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que pelos caminhos só encontram os aplausos da multidão ou os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o; ele vos tornará melhores.

 

O corpo da obra, diz o Sr. Allan Kardec, deve ser reivindicado inteiramente pelos Espíritos que o ditaram. Está admiravelmente classificado por perguntas e por respostas. Algumas vezes, estas últimas são sublimes, e isto não nos surpreende; mas, não foi preciso um grande mérito a quem as soube provocar? Desafiamos a rir os mais incrédulos quando lerem este livro, no silêncio e na solidão. Todos honrarão o homem que lhe escreveu o prefácio.

 

A doutrina se resume em duas palavras: Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fizessem. Lamentamos que o Sr. Allan Kardec não tenha acrescentado: e fazei aos outros o que gostaríeis que vos fosse feito. O livro, aliás, o diz claramente e a doutrina, sem isto, não estaria completa. Não basta não fazer o mal; é preciso também fazer o bem. Se apenas sois um homem de bem, não tereis cumprido senão a metade do vosso dever. Sois um átomo imperceptível desta grande máquina que se chama mundo, onde nada deve ser inútil. Sobretudo, não nos digais que se pode ser útil sem fazer o bem; ver-nos-íamos forçados de vos replicar por um volume.

 

Lendo as admiráveis respostas dos Espíritos na obra do Sr. Kardec, dissemos a nós mesmos que haveria um belo livro a escrever. Bem depressa reconhecemos que nos havíamos enganado: o livro já está escrito. Apenas o estragaríamos se tentássemos completá-lo.

 

Sois homem de estudo e possuís a boa-fé, que não pede senão para se instruir? Lede o Livro Primeiro sobre a Doutrina Espírita. Estais colocado na classe dos que só se ocupam consigo mesmos e que, como se diz, fazem os seus pequenos negócios muito tranqüilamente, nada vendo além dos próprios interesses? Lede as Leis Morais.

 

A desgraça vos persegue com furor, e a dúvida vos envolve, por vezes, com o seu abraço gelado? Estudai o Livro Terceiro: Esperanças e Consolações. Todos vós que abrigais nobres pensamentos no coração e que acreditais no bem, lede o livro do começo ao fim. Se alguém nele encontrasse matéria para zombaria, nós o lamentaríamos sinceramente.


G. du Chalard

Revista Espírita - janeiro de 1858


Fonte: http://espiritismohistoria.blogspot.com.br/

domingo, 15 de abril de 2012

Sobre André Luiz

Por Sérgio Aleixo


 
1. O CRITÉRIO ESPÍRITA


Por ser a boa moral, sobretudo a cristã, de inegociável importância ao progresso da alma, nem por isso é o único aspecto a considerar nos ditados mediúnicos. Esta boa moral constitui, aliás, o que mais facilmente pode neles ser julgado e, claro, aceito; todos a aclamam, e só espíritos nada sutis a contrariam abertamente, razão pela qual nos ensinou Kardec: “[...] fora das questões morais, não se deve acolher o que vem dos espíritos senão com reservas e, em todos os casos, jamais aceitá-las sem exame”. (1) Temerário, pois, acolher tudo que um espírito diga simplesmente por ser pura a moral que aconselhe, até porque, segundo ainda o mestre: Há espíritos obsessores sem maldade, que são até mesmo bons, mas dominados pelo orgulho do falso saber. [...] São os mais perigosos porque não vacilam em sofismar e podem impor as mais ridículas utopias. [...] Procuram fascinar por uma linguagem empolada, mais pretensiosa do que profunda, cheia de termos técnicos e enfeitada de palavras grandiosas, como Caridade e Moral. Evitam os maus conselhos, porque sabem que seriam repelidos, de maneira que os enganados os defendem sempre, afirmando: bem vês que nada dizem de mau. Mas a moral é para eles apenas um passaporte, é o de que menos cuidam. O que desejam antes de mais nada é dominar e impor as suas idéias, por mais absurdas que sejam. (2)


Todo cuidado, então, será pouco no que toca aos ditados dos espíritos; com mais forte motivo, quando não se limitam a comunicados concisos, vazados em poucas laudas, e sim, produzem obras de fôlego, de numerosos volumes, recebidos, ao demais, por um único médium, em linguagem pouco acessível e, ao Espiritismo, muito imprópria. Kardec nos avisou: No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores, mas os bons são raros. Tal espírito é apto a ditar uma boa comunicação isolada, a dar excelente conselho particular, mas incapaz de produzir um trabalho de conjunto completo, passível de suportar um exame [...]. (3)


Este é o caso não só de André Luiz, mas de boa parte da “literatura” mediúnica que se acotovela nas estantes de muitas casas espíritas e livrarias leigas, oriunda de espíritos que podem dar excelentes conselhos particulares, mas são incapazes de produzir um trabalho de conjunto completo, passível de suportar um exame.


Herculano Pires, em parceria com o médium Chico Xavier publicou alguns dos seus melhores títulos, não titubeou: André Luiz refere-se a ovóides, espíritos que perderam o seu corpo espiritual e se vêem fechados em si mesmos, envoltos numa espécie de membrana. [...] A ação vampiresca desses ovóides é aceita por muitos espíritas amantes de novidades. Mas essa novidade não tem condições científicas nem respaldo metodológico para ser integrada na Doutrina. Não passa de uma informação isolada de um espírito. Nenhuma pesquisa séria, por pesquisadores competentes, provou a realidade dessa teoria. Não basta o conceito do médium para validá-la. As exigências doutrinárias são muito mais rigorosas no tocante à aceitação de novidades. O Espiritismo estaria sujeito à mais completa deformação, se os espíritas se entregassem ao delírio dos caçadores de novidades. André Luiz manifesta-se como um neófito empolgado pela doutrina, empregando às vezes termos que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que nem sempre se ajustam aos princípios espíritas. A ampla liberdade que o Espiritismo faculta aos adeptos tem os seus limites rigorosamente fixados na metodologia kardeciana. (4)


Com efeito, no Diário de São Paulo, antes de se haver constituído, como vimos acima, num crítico mais rigoroso de André Luiz, já dissera o mesmo Herculano Pires, em resposta a Salvador Gentile (1969) e sua “quarta revelação”, ou tese da “revelação luizina”: A obra de André Luiz é ilustrativa da revelação espírita e não propriamente complementar, no sentido de superação que o articulista pretende. É uma grande e bela contribuição nos estudos espíritas, mas sua pedra de toque é a Codificação. O que mais impressionou a Gentile foi a ‘revelação’ de cidades espirituais no espaço. Mas a Bíblia já nos falava da Jerusalém Celeste e as revelações antigas estão cheias de ideias semelhantes. Trata-se de planos ainda materializados da vida espiritual e não dos planos superiores. A Revista Espírita apresenta numerosos relatos dessa vida que se assemelha à terrena. [...] Não há nenhuma razão para se falar em revelação luizina [...]. Antes de pensar em ‘novas revelações’, o de que precisamos com urgência é de estudo sistemático e mais aprofundado da obra de Kardec, incluindo não só os tomos da Codificação mas também a Revista Espírita, por ele mesmo indicada como indispensável ao bom conhecimento da doutrina”. (5) 


De fato, o espírito manifesta-se com a empolgação dos iniciantes. Sobretudo, faz uso de um emaranhado de termos: aura, corpo mental, corpo astral, corpo vital, ou etérico, psicossoma, corpo fisiopsicossomático, além do clássico corpo espiritual, corpo fluídico, ou perispírito, onde localizou, porém, centros de força, por duvidosa analogia aos chacras hindus, e a respeito do qual diz que certos espíritos o “gastaram”, assumindo, por isso, “formas ovoides”, mas que teriam sido imperceptíveis aos olhos de André Luiz caso não desenvolvesse, ali, todo o seu potencial de atenção. (6) Uma definição sua de fluido cósmico é “força nervosa do Todo-Sábio”. (7) Não esqueceu a palavra sânscrita “carma”, alheia ao Espiritismo, tanto quanto os termos ectoplasma, materialização, ideoplastia, etc., importados à Metapsíquica, embora não sejam peculiares apenas a André Luiz; impregnam quase todo o pós-Kardec, empenhado na demonstração de que a verdade espírita persistia, apesar do “novo traje” que lhe davam. Isso, contudo, fez pouco bem ao Espiritismo, que sempre emergiu mais racional e consistente de sua própria Codificação do que de certos intercâmbios posteriores, a que desnecessariamente o submeteu a sucessão kardeciana, algumas vezes de todo desatenta aos critérios do mestre que aclamava. (8) 


2. ASPECTOS TERRENAIS DO ALÉM-TÚMULO 
Muitos criticam, em nome da Codificação, as descrições terrenais das ambiências de além-túmulo nas obras de André Luiz. No entanto, disse Kardec: Independentemente da diversidade dos mundos, essas palavras [‘há muitas moradas na casa do Pai’] podem também ser interpretadas pelo estado feliz ou infeliz dos espíritos na erraticidade. Conforme for ele mais ou menos puro e liberto das atrações materiais, o meio em que estiver, o aspecto das coisas, as sensações que experimentar, as percepções que possuir, tudo isso varia ao infinito (varient à l'infini ). (9)


Trata-se, pois, de uma variação por demais incomensurável para que nela não caibam ambientes deveras assemelhados à Terra, apesar de serem o post-mortem. Nem sempre este há de ser tão abstrato que nos seja indescritível, como o foi ao Sr. Sanson, ex-membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, de situação “bem feliz” no além-túmulo, e que afirmou não existirem palavras nas línguas humanas para explicar o que ali viu. Cercado de todos os “sorridentes” protetores da Sociedade fundada por Kardec, concluiu que a felicidade, como a entendemos aqui, “é apenas uma ficção”. (10) Todavia, nessa mesma obra de sua magna Codificação, Kardec ponderou acerca da objetividade e da concretude no mundo espírita: Poder-se-ia perguntar como é que os espíritos se podem evitar no mundo espiritual, uma vez que aí não existem obstáculos materiais nem refúgios impenetráveis à vista. Tudo é, porém, relativo nesse mundo e conforme a natureza fluídica dos seres que o habitam. Só os espíritos superiores têm percepções indefinidas, que nos inferiores são limitadas. Para estes, os obstáculos fluídicos equivalem a obstáculos materiais. Os espíritos furtam-se às vistas dos semelhantes por efeito [da vontade], que atua sobre o envoltório perispiritual e fluidos ambientes. (11)


Tudo, portanto, se explica na medida da relatividade da natureza fluídica mais ou menos compacta dos espíritos. Para os inferiores, há, sim, obstáculos fluídicos, assim como, para nós, os há materiais. Nem tudo, pois, nessa vida de mais além, paira nas brisas do abstrato. Em A Gênese, XIV, 12, o mestre disse também algo soberbo: [...] tudo se liga, tudo se encadeia no Universo; tudo está submetido à grande e harmoniosa lei de unidade, desde a materialidade mais compacta até a mais pura espiritualidade. A Terra é como um vaso de onde escapa uma fumaça densa que vai se aclarando, à medida que ela se eleva, e cujas partes rarefeitas (parcelles raréfiées) se perdem no espaço infinito.


Integram-se, pois, à Terra, por analogia, mas de forma bem significativa, aquelas que seriam suas “partes rarefeitas”, ou seja, seu meio ambiente post-mortem. Decerto, por essas “partes rarefeitas” do planeta é que se espalham o que São Luís chamou, em 23-05-1862, “mundos intermediários”, “viveiros da vida eterna”, nos quais, segundo ele, agrupados em “grandes tribos”, conforme seu grau evolutivo, os espíritos aguardam nova encarnação. Eis o texto, aceito e publicado por Kardec em resposta a uma dúvida de um leitor da Revista: Os mundos intermediários são povoados de espíritos esperando a prova da encarnação, ou aí se preparando de novo, segundo seu grau de adiantamento. Os espíritos, nesses viveiros da vida eterna, estão agrupados e divididos em grandes tribos, uns adiante, outros em atraso no progresso [...]. (12)


Ambiências de além-túmulo com estruturas fluídicas abrigando vida humana de feição bem terrena não colide, pois, com os princípios kardecianos. Aliás, O Livro dos Espíritos, 402, já revelara a existência dessas “sociedades”: O sono liberta parcialmente a alma do corpo. Quando o homem dorme, momentaneamente se encontra no estado em que estará de maneira permanente após a morte. Os espíritos que logo se desprendem da matéria, ao morrerem, tiveram sonhos inteligentes. Esses espíritos, quando dormem, procuram a sociedade dos que lhes são superiores: viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham mesmo em obras que encontram concluídas, ao morrer. Destes fatos deveis aprender, uma vez mais, a não ter medo da morte, pois morreis todos os dias, segundo a expressão de um santo. Isto, para os espíritos elevados; pois a massa dos homens que, com a morte, devem permanecer longas horas nessa perturbação, nessa incerteza de que vos têm falado, vão, [enquanto dormem,] seja a mundos inferiores à Terra, onde antigas afeições os chamam, seja à procura de prazeres talvez ainda mais baixos do que [têm] aqui; vão beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as que [professam] entre vós. (13)


Como entender que espíritos encarnados na Terra, ao dormirem seus corpos, atendam ao chamado de antigas afeições ou busquem prazeres ainda mais baixos nesses tais mundos inferiores? Iriam a outros planetas, mundos transitórios, que são fisicamente inabitados e nos quais não estão decerto encarnados? (14) Não creio. Penso tratar-se, aqui, dos mundos intermediários mencionados por São Luís acima, ou seja, como viveiros da vida eterna; desta vez, não outros planetas, mas partes rarefeitas da própria Terra e, por isso, frequentadas também por encarnados durante o sono corporal.


Erasto vem igualmente ao encontro deste entendimento quando assegura que a cegueira moral dos incrédulos os pode aprisionar mais aos laços da matéria, e “impedir que se afastem das regiões terrestres ou similares à Terra”. (15) Ora, neste caso, por que um desencarnado se aprisionaria a outro planeta em detrimento daquele que acabou de deixar? Claro que essas regiões similares à Terra são, portanto, partes rarefeitas dela mesma, em que ainda se ambientam seus espíritos mais atrasados, o que não implica, absolutamente, que lá possam fruir a vida espiritual como se material fosse. André Luiz chega ao extremo de que “persistiam as necessidades fisiológicas, sem modificação”. (16)


3. EXORBITÂNCIAS 

3.1. Lei da afinidade dos fluidos
Convidado há pouco para realizar uma exposição acerca de Os Mensageiros, deparei-me, numa releitura após bons 15 anos, com francas assimetrias em relação a Kardec, nunca por mim antes identificadas. Os estudos prolongados da Revista e da Codificação, sem dúvida, me fizeram leitor mais prevenido. A certa altura, então, li que, por “estrada ampla” entre “Nosso Lar” e “os círculos da carne”: [...] os que se dirigem da esfera superior à reencarnação devem seguir com a harmonia possível, sem contato direto com as expressões dos círculos mais baixos. A absorção de elementos inferiores determinaria sérios desequilíbrios no renascimentos deles. Há que evitar semelhantes distúrbios. (17)


Mas como pode alguém vir de esfera superior e absorver elementos inferiores? Outra estranheza é que, uma vez declarada a Segunda Guerra, “avançados núcleos de espiritualidade superior, dos planetas vizinhos, determinaram providências de máxima vigilância nas fronteiras vibratórias mantidas conosco”, isto é, com a Terra. (18) De novo, resta esquecida a lei das afinidades: “Os fluidos se unem pela semelhança de suas naturezas, os fluidos dessemelhantes se repelem; há incompatibilidade entre os bons e os maus fluidos, como entre o óleo e a água”. (19) O que temiam, então, aqueles “núcleos avançados de espiritualidade superior” em suas “fronteiras vibratórias” com a Terra?


3.2. “Nosso Lar” e o Espiritismo
Segundo Os Mensageiros, teriam sido enviadas ao Espiritismo turmas de colaboradores vindos de “Nosso Lar”. Será que essa cidade espiritual carioca, “antiga fundação de portugueses distintos, desencarnados no Brasil, no século XVI (20) ajudou Kardec no séc. XIX? O difícil é imaginar a “distinção” desses portugueses no Brasil Colônia do séc. XVI... Eis o texto: “Desde as primeiras tarefas do Espiritismo renovador, ‘Nosso Lar’ tem enviado diversas turmas ao trabalho de disseminação de valores educativos”. (21)


Não creio. Afinal, o governador da cidade “se apoiava num cajado”, ainda que “de substância luminosa”; meteu alguns em “calabouços” por causa de “intercâmbio clandestino, em virtude dos vícios de alimentação”; a turma por lá tem “Sala de Banho”; acredita em “almas gêmeas”; paga “ingresso” em eventos locais, etc. (22) Muitos deles teriam dado a Kardec o ensejo de observar que há espíritos no além que ainda conservam seus gostos puramente terrenos, mas isso não seria, da parte deles, uma exata disseminação de valores educativos.


Estes valores, ao contrário, foi o mestre lionês quem os ventilou, determinando a absoluta ilusão em que se encontram as entidades nesse estado, necessitadas antes de esclarecimento, não de estímulos à manutenção de um tal quadro alucinatório. (23) É assustador o fato de “alimento físico”, em “Nosso Lar”, ser consumido mesmo pelos mais elevados espíritos da colônia, sob a cínica desculpa de ser isso um “simples problema de materialidade transitória”. (Cap. 18.)


Reflita-se, por exemplo, sobre o caso do mendigo Max; (24) extenuado e com “sede ardente” devorando-o, viu sua situação espiritual modificar-se inteiramente por meio de simples transformação das disposições íntimas. Em momento nenhum houve qualquer estímulo a uma impossível satisfação daquelas necessidades puramente imaginárias, e que eram, aliás, parte da punição de anterior vida terrena em que fora rico proprietário, opressor e dissoluto.


3.3. Boa presença? Ou nem tanto?
André Luiz conta, no cap. 1 de Os Mensageiros: “Regressava frequentemente ao círculo doméstico e aí trabalhava pelo bem de todos, mas sem qualquer estímulo”. Entretanto, já no cap. 14, Aniceto lhe revela que ele, André, “ainda não pôde auxiliar os amigos encarnados porque ainda não adquiriu a devida capacidade para ver.” Parece que o autor espiritual só pensava que estava trabalhando pelo bem de todos, embora isso não correspondesse à verdade, segundo Aniceto. Nem um nem outro esclarece definitivamente o leitor, que fica à deriva.


3.4. O médico ambicioso
Resta igualmente perdido o leitor de Os Mensageiros no estranho caso do médico ambicioso que se desconcentrava durante as cirurgias, por força de transações financeiras que lhe ocupavam a mente, a ponto de “sua colaboração tornar-se quase nula”. Conta-se ali, no cap. 13, que a atitude invigilante do médico teria “comprometido as oportunidades vitais de muita gente, se não fosse a proteção espiritual”. Porém, alguns que terminaram morrendo-lhe na mesa de cirurgia lhe imputavam a culpa do fato e o obsedavam, ainda que se afirme na obra que o médico não tivera culpa nesses casos.


Natural é, contudo, que se duvide, porque morrer nas mãos de um desastrado assim pode constituir, para a vítima, seu adequado gênero de morte, contra o que não há “proteção espiritual” possível. Trata-se de uma questão fundamental da Filosofia Espírita e que Os Mensageiros não puderam ou não quiseram enfrentar; (25) até porque, salvo melhor juízo e a despeito de um ou outro frontispício com fugidias frases kardecianas, nunca se viu nenhum deles abrir ou mencionar uma obra sequer de Allan Kardec nos episódios narrados nos livros, apenas a Bíblia, essa, sim, mais de uma vez.


3.5. O sono dos ateus
Os descrentes, niilistas, materialistas, mesmo ligados a cultos religiosos, segundo Os Mensageiros, cap. 22, literalmente dormem de olhos abertos, vitrificados pelo pavor da morte, com palidez cadavérica, a modo de múmias perfeitas, “magnetizados pelas próprias concepções negativistas”. Mas nem por isso deixam de ter “calor orgânico” e “pulsação regular”. Isso contrasta com os casos de ateus e materialistas entrevistados por Kardec. De qualquer forma, o livro, quando se refere ao número desses dorminhocos, mais uma vez abandona órfão o leitor atento. André Luiz tem uma impressão inicial de centenas. O “chefe do Posto” revela a Aniceto que são 1.980, entre os quais separara os 400 mais suscetíveis de acordar. Por fim, Aniceto fala de “alguns milhões”. Nem com calculadora.


3.6. Círculos elevados
Emmanuel, no prefácio de Os Messageiros, diz que, nos “círculos elevados do Invisível”, onde está André Luiz, há apenas “vida humana sublimada”, em que “grande número de problemas, referentes à Espiritualidade superior, aí espera a criatura, desafiando-lhe o conhecimento para a ascensão sublime aos domínios iluminados da vida”. Sublimada? Com salas de banho, festividades matrimoniais, pagamento de ingressos em eventos locais, crença em almas gêmeas, prisão de alguns em calabouços, alimento físico? Como quer que seja, André Luiz não é um espírito superior, signatário da “quarta revelação”, de um subsídio, uma contribuição, um complemento indispensável à Codificação Espírita. Quem complementa não contradiz!


De um modo que bem lembraria o rustenismo febiano, Lísias explica a André Luiz que há espíritos que “seguem por linhas retas” e outros que “caminham descrevendo grandes curvas”; ensina-lhe que, “em qualquer lugar, o espírito pode precipitar-se nas furnas do mal”, mesmo “nas esferas superiores”, onde “as defesas são mais fortes”; André se admira e usa um termo típico de Roustaing: “[...] a queda sempre me pareceu impossível nas regiões estranhas ao corpo terreno”. (26)


E para que “Nosso Lar” ressalte como lugar de relativa elevação de forma mais convincente ao leitor, chega-se ao cúmulo de classificar “a profundeza dos mares” e “o âmago da Terra” como “zona de Trevas”, “lugar de sofrimento e pavor”, pior que o “Umbral”, que ficaria “da superfície do globo para cima”, não fazendo parte “do nível para baixo”. É a ressurreição do Inferno católico e do Hades pagão! (27)


A coisa toda é muito sutil. Desde o prefácio de “Nosso Lar”, o juízo do “leitor amigo” fora anestesiado pela seguinte conclamação: “[...] em nosso campo doutrinário, precisamos, em verdade, do ESPIRITISMO e do ESPIRITUALISMO, mas, muito mais, de ESPIRITUALIDADE”. Minimizada, assim, a importância superlativa da Doutrina Espírita para a análise das comunicações mediúnicas, a forçosa consequência é uma leitura completamente emocional, onde o leitor, já desarmado, obedece docilmente ao primeiro imperativo do prefaciador: “Guarde a experiência dele [de André Luiz] no livro d’alma”. Perdido de vista o único farol capaz de revelar a natureza encapelada do mar tempestuoso dos ditados de André Luiz, o “leitor amigo” passa a aceitá-los na íntegra, apenas porque encerram lições da mais pura moral. Naufrágio certo à vista.


Sabe-se que Kardec não considerava merecedoras de publicidade nem dez por cento das comunicações de “moralidade irreprochável” que lhe eram enviadas, e destas, apenas a um terço ele atribuía “mérito fora do comum”. Quanto a “manuscritos e trabalhos de fôlego”, não conferia “real valor” senão a uma quinta ou sexta parte do que lhe remetiam. (28) Ao mestre não se afigurava, pois, que ensinar o bem fosse a senha da infalibilidade, nem a condição única para ditados mediúnicos constituírem “Doutrina Espírita”. Bem longe disso.


3.7. Casamentos no além-túmulo
Lendo Os Mensageiros, cap. 30, logo se verifica que a “vida humana” que ali transcorre não é tão “sublimada” como a pretende seu prefaciador jesuíta, pois o texto atribui ao “exclusivismo pernicioso a que nos entregamos no plano carnal” o fato de se estranhar que haja “uniões matrimoniais”, “festividades dessa natureza” no post-mortem. Justifica-se o fato de essas literais festas por lá ocorrerem, imaginem, porque já são belas na Terra. Diz-se ali: “[...] porque deixariam de existir aqui, onde a beleza é sempre mais quintessenciada e mais pura?”. Um dos que lá casaram, e é “funcionário dos Serviços de Investigação do Ministério do Esclarecimento”, manifesta incontida alegria: “E como são felizes os que se casam em nossos planos!”. Segundo André, o funcionário disse-o “denotando aspirações secretas do coração”.


A Codificação Espírita já não veria esses fatos tão benignamente, porquanto ensina que, “entre os espíritos inferiores, não desmaterializados, há muitos que ainda se acreditam na mesma condição terrena, conservando as suas antigas paixões e os seus desejos. Alguns ainda se consideram como homens ou mulheres”, (29) assim como leciona que “não existe união particular e fatal entre duas almas, a união existe entre todos os espíritos, mas em graus diferentes, segundo a ordem que ocupam, a perfeição que adquiriram: quanto mais perfeitos, tanto mais unidos”. (30)


3.8. Volitação e força centrípeta
A certa altura, estando nossos heróis próximos à esfera dos encarnados, Aniceto informa que, por estarem na “zona de influência direta da Crosta”, agora poderiam “praticar a volitação, utilizando conhecimentos de transformação da força centrípeta” (Cap. 33), ou seja, alterariam a força de gravidade do nosso planeta para vencer as suas distâncias. Sabe-se que o perispírito é “suficientemente vaporoso para que possa elevar-se na atmosfera e transportar-se para onde quiser”. (31) Mas isto está a depender de um “conhecimento” específico? Fazemos tantas coisas apenas por instinto, sem nada sabermos de como o fazemos. Os espíritos, da mesma forma. Tanto que, em O Livro dos Médiuns, 99, é relacionado o caso de um desencarnado que realizava transportes de objetos sem sequer suspeitar de como o fazia, o que foi explicado depois por Erasto, mais instruído do ponto de vista teórico. É assim que os espíritos podem elevar-se na nossa atmosfera sem necessariamente precisarem saber como desempenham isso.


De mais a mais, seria preciso um desencarnado “transformar” a força de gravidade para elevar-se na atmosfera da Terra? É a força da gravidade propriamente que resta “transformada” nesse ato de “volitação”? Mais ainda: a gravidade da Terra exerce influência real sobre os espíritos? Eles caem, tombam, por efeito da gravidade? Os espíritos que pensam sofrer a ação da gravidade devem estar na mesma situação dos que não conseguem atravessar paredes ou portas. Isto não se deve às forças da Física, mas a uma ilusão a que espíritos atrasados se entregam. A narrativa pondera a questão muito inadequadamente.


3.9. Criança “morta” mata uma flor “viva”
Os Mensageiros, cap. 37, deveras surpreende com o “assassinato” de um cravo perfumoso promovido por uma pequena carinhosa que o quis dar à sua mãe. A menina (espírito) resolve colher um cravo (matéria) para dá-lo a sua mãe (espírito). Resultado: colheu o “espírito” do cravo. André Luiz conta a façanha testemunhada: “Vi a menina colher a flor, retirá-la da haste, ao mesmo tempo em que a parte material do cravo emurchecia, quase de súbito”. A mãe da menina, desgostada com isso, repreendeu-a severamente, por julgar que a filhinha não tinha o direito de... “perturbar a ordem das coisas”. É este o novo paradigma espírita? A quarta revelação? Uma criança, símbolo da inocência, mata uma flor, símbolo da beleza. Ocorrência tão trágica quanto nossa ingenuidade no movimento espírita.


3.10. Esferas ovoides e segunda morte
Entre as observações e novidades relatadas por André Luiz nos capítulos sexto e sétimo de Libertação, a mais impactante é a perda do veículo perispiritual. Entre os espíritos elevados, seria celebrizada como segunda morte. Nessa ocasião, se desfariam do vaso perispirítico, rumo a esferas sublimes, conquistando planos mais altos. Em defesa, alega-se que Kardec se referiu à mudança de perispírito por ocasião da mudança de mundo; todavia, ao contrário do que acontece ao leitor kardeciano, o luizino não consegue chegar à conclusão imediata de que haverá sempre, mesmo após a suposta segunda morte, necessariamente outro perispírito para a alma. (32)


Poucos leitores de André Luiz vão preencher-lhe essa vaga quando fala, por exemplo, do desenvolvimento do nosso corpo glorioso, es­truturado em matéria sublimada e divina. Mas de quantas segundas mortes precisaremos para desenvolver esse corpo glorioso? Faz sentido, então, o conceito de segunda morte? E depois? A terceira? A quarta? A quinta? Tal como assinalara Herculano Pires: “André Luiz manifesta-se como um neófito empolgado pela doutrina, empregando às vezes termos que destoam da terminologia doutrinária e conceitos que nem sempre se ajustam aos princípios espíritas”. (33)


A própria concepção paulina do corpo espiritual foi algo distorcida na obra de André Luiz, para que ali se pudesse falar na perda do perispírito. O que Paulo escreveu foi que o corpo de carne de seus “imitadores” seria transfigurado, conformado ao “corpo glorioso” de Jesus, (34) bem como que, depois de morto o corpo animal, “é ressuscitado em glória” o corpo espiritual, (35) que Kardec explicou ser exatamente o perispírito, de cuja posse, por sinal, já se desfruta sem a segunda morte.


O Espiritismo experimental estudou as propriedades dos fluidos espirituais e a sua ação sobre a matéria. Demonstrou a existência do perispírito, da qual já se suspeitava desde a Antiguidade, e que foi designado por [São] Paulo pelo nome de corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma após a destruição do corpo tangível. Sabe-se atualmente que esse invólucro é inseparável da alma, que ele é um dos elementos que constituem o ser humano; que é o veículo da transmissão do pensamento e que, durante a vida do corpo, serve de elo entre o espírito e a matéria. (36)


Justificar em Kardec esta revelação sobre os espíritos elevados que “perderam o veículo perispiritual” seria uma temeridade. Até porque a didática luizina foi canhestra. Aprende-se no diálogo entre Jesus e Nicodemos que o iniciante deve entender, primeiramente, as coisas mais baixas; depois compreenderá as mais altas. Inútil fora, pois, tratar destas sem que o iniciante tenha prévio entendimento daquelas. Em André Luiz, contudo, o suposto fato da perda do perispírito entre os mais elevados é o ponto de partida da explicação de outro, análogo, mas no extremo oposto da escala...


Entre os inferiores, alguns se tornariam “formas indecisas, obscuras”, “esferas vivas”, “pequenas esferas ovoides, cada uma das quais pouco maior que um crânio humano”, com “movimento próprio, ao jeito de grandes amebas”, “fetos ou amebas mentais”, porque“gastaram o perispírito”. Não bastasse isso, os que se veem nesse pesadelo esférico seriam ainda “mobilizáveis por entidades perversas ou rebeladas”; e se diz ali, então, que “os ignorantes e os maus, os transviados e os criminosos também perdem, um dia, a forma perispiritual”.


Espíritos elevados também se tornam “pequenas esferas ovoides”? Desenvolver a “forma gloriosa”, depois de “profundos choques biológicos”, é, por fim, também revestir a aparência de “fetos ou amebas mentais”? Verdade que não se afirma isso em Libertação; entretanto, igualmente não se o nega. Bem razoável é a dúvida, em função do próprio roteiro escolhido para explicação do suposto fato entre os inferiores, ou seja, um fato semelhante entre os elevados.


Além do mais, como já ressaltei, a concepção paulina do corpo espiritual foi algo distorcida por André Luiz, a fim de que não restasse evidente sua antilógica em explicar as esferas ovoides entre os inferiores a partir da segunda morte nos superiores, e ainda, sobretudo, porque Paulo foi categórico nisto: “E, assim como trouxemos a imagem do terreno, traremos também a imagem do celestial”. (37) Não há espaço, pois, para ovoides inferiores ou eventuais ovoides superiores no pensamento paulino, já que, segundo ele, a imagem do corpo celestial será a mesma do corpo terreno.


O apóstolo da gentilidade também chega a afirmar ser “necessário que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é mortal se revista da imortalidade” para que se cumpra a palavra: “Tragada foi a morte na vitória”. (38) Os leitores luizinos aprendem, todavia, que não é bem assim, porquanto o perispírito também morre, seria “perecível”. Então, há que corrigir Paulo: “Tragada foi a primeira morte na vitória; mas vem aí a segunda, a terceira, a quarta; preparem-se!”. Sobre o assunto, ponderou Kardec sem ambiguidades: A forma humana, com algumas diferenças de detalhes e as modificações orgânicas exigidas pelo meio em que o ser tem de viver, é a mesma em todos os globos. É, pelo menos, o que dizem os espíritos. E é também a forma de todos os espíritos não encarnados, que possuem o perispírito. A mesma sob a qual em todos os tempos foram representados os anjos ou espíritos puros. De onde devemos concluir que a forma humana é a forma típica de todos os seres humanos, em qualquer grau a que pertençam. (39)


Para o mestre, como se vê, não há dúvida; da base ao topo da escala, os espíritos têm a forma humana. Adeptos mais aguerridos da revelação luizina podem socorrer-se do que o mestre afirma após o acima citado: Mas a matéria sutil do perispírito não tem a persistência e a rigidez da matéria compacta do corpo. Ela é, se assim podemos dizer, flexível e expansível. Por isso, a forma que ela toma, mesmo que decalcada do corpo, não é absoluta. Ela se molda à vontade do espírito, que pode lhe dar a aparência que quiser, enquanto que o invólucro material lhe ofereceria uma resistência invencível.


Ninguém, contudo, há de tornar-se esfera viva, feto ou ameba mental, por obra do querer de sua vontade; além disso, Kardec tenciona chegar somente ao que diz logo depois, que o espírito pode assumir, pela flexibilidade do perispírito, exatamente a aparência do corpo a que esteve ligado na Terra; com particularidades defeituosas apenas para efeito de identificação, inclusive. Aprende-se, ali, pois, que o perispírito é transformável, mas não que seja perecível, menos ainda pelas razões expostas em André Luiz: ignorância, maldade e crime. Eis a sequência imediata do pensamento do mestre: Desembaraçado do corpo que o comprimia, o perispírito se distende ou se contrai, se transforma, em uma palavra: presta-se a todas as modificações, segundo a vontade que o dirige. É graças a essa propriedade do seu invólucro fluídico que o espírito pode fazer-se reconhecer, quando necessário, tomando exatamente a aparência que tinha na vida física, e até mesmo com os defeitos que possam servir de sinais para o reconhecimento. Os espíritos, portanto, são seres semelhantes a nós, formando ao nosso redor toda uma população que é invisível no seu estado normal.


Desse modo, o leitor de André Luiz resta mais uma vez ao léu do próprio imaginário; e seu senso crítico, sempre anestesiado por insistentes lições de inatacável moral, mas que são estrategicamente intercaladas entre as observações e novidades, a fim de que estas venham a ser acolhidas sem reserva, como acontece em geral, conferindo às obras psicografadas o condão invencível da infalibilidade. [...]


Estas reticências querem ser a seguinte pergunta: quantos subitens poderiam ainda constar desta parte 3 se eu dispusesse, agora, de tempo hábil para uma releitura de fio a pavio da série André Luiz? O fato é que, independentemente dos subitens que ainda poderiam ser aqui relacionados a título de exorbitância em face de princípios espíritas, a conclusão, a parte 4, não mudará nunca.


4. NEM VIDA ESPIRITUAL, NEM VIDA MATERIAL
  
Uma comunicação aceita por Kardec descreve este quadro: Encontrei lá em cima muitos desses infelizes, mortos nas torturas da fome, ainda procurando em vão satisfazer a uma necessidade imaginária, lutando uns contra os outros para arrancar um pedaço de comida que se escondia em suas mãos, dilacerando-se mutuamente e, se posso dizer, se entredevorando; uma cena horrível, pavorosa, ultrapassando tudo quanto a imaginação humana pode conceber de mais desolador!... Muitos desses infelizes me reconheceram, e seu primeiro grito foi: “Pão!”.


Trata-se de uma alma abnegada e piedosa, morta entre os aflitos dos quais cuidava. (40) Entre outros aprovos de Kardec, lemos estes: A quem quer que não conheça a verdadeira constituição do mundo invisível, parecerá estranho que Espíritos, que segundo eles são seres abstratos, imateriais, indefinidos, sem corpo, sejam vítimas dos horrores da fome; mas o espanto cessa quando se sabe que esses mesmos Espíritos são seres como nós; que têm um corpo, fluídico é verdade, mas que não deixa de ser matéria; que, deixando seu invólucro carnal, certos Espíritos continuam a vida terrestre com as mesmas vicissitudes, durante um tempo mais ou menos longo. Isto parece singular, mas é, e a observação nos ensina que tal é a situação dos Espíritos que viveram mais a vida material do que a vida espiritual, situação por vezes terrível, porque a ilusão das necessidades da carne se faz sentir, e se tem todas as angústias de uma necessidade impossível de satisfazer. [...] Sim, legiões de espíritos continuam a vida corporal com suas torturas e suas angústias. Mas quais? Os que ainda estão muito avassalados à matéria para dela se desprenderem instantaneamente. É uma crueldade do Ser Supremo? Não; é uma lei da Natureza, inerente ao estado de inferioridade dos espíritos e necessária ao seu adiantamento; é uma prolongação mista da vida terrena durante alguns dias, alguns meses, alguns anos, conforme o estado moral dos indivíduos. [...] Aliás, não depende de cada um escapar a essa vida intermediária, que, francamente, nem é a vida material, nem a vida espiritual? Os espíritas a ela escapam naturalmente, porque, compreendendo o estado do mundo espiritual antes de nele entrar, imediatamente se dão conta de sua situação.


Anote-se que Kardec ratifica a realidade do cenário, mas não considera tal estado de coisas, mesmo já no além-túmulo, nem a vida material, claro, nem sequer a vida espiritual propriamente dita. E como tem sido vendida a “série” André Luiz? Não são, por excelência, os livros sobre “a vida no mundo espiritual”? “Prolongação mista da vida terrena” seria mais apropriado, não só a eles como à multidão de seus congêneres que, no dizer de Herculano Pires, findam por “desviar adeptos ingênuos da verdadeira compreensão doutrinária” (41) e, decerto, por deixá-los menos dignos do otimismo de Kardec. Efetivamente, não mais querem certos espíritas escapar a essa “vida intermediária” ainda impregnada de hábitos terrenos; já são maioria entre nós os que almejam, após a morte, santa e piamente, ir para um lugar como “Nosso Lar”, para lá encontrarem suas “almas gêmeas”, de preferência, em meio a construções nababescas, cercadas de jardins a perder de vista e mantidas por logística destinada à impossível satisfação de necessidades que, para o espírito, não podem ser senão imaginárias.


No cap. 26, lê-se: “Temos aqui as grandes fábricas de ‘Nosso Lar’. A preparação de sucos, de tecidos e artefatos em geral, dá trabalho a mais de cem mil criaturas, que se regeneram e se iluminam ao mesmo tempo”. (42) Meu Deus! A regeneração e iluminação espiritual obtida pelo trabalho em fábricas de suco, tecidos e artefatos em geral de além-túmulo. Kardec, no n. 908 de O Livro dos Espíritos, torna-se cada vez mais um eco distante que insiste em avisar: “Toda paixão que aproxima o homem da Natureza animal o afasta da Natureza espiritual. Todo sentimento que eleva o homem acima da Natureza animal anuncia o predomínio do Espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição”.


O mestre lionês instrui-nos à prévia libertação do apego a necessidades impossíveis de serem satisfeitas depois da morte, porquanto não poderão deixar de ser, para o espírito livre, senão a tortura de um estado ilusório, quando não alucinatório. A perspectiva andreluizina já não é esta. Os desencarnados comeriam, beberiam, atenderiam a necessidades fisiológicas, sem que haja nisso, porém, qualquer motivo de censura. Uma encruada moral vegetariana de fundo trata de legitimar a alimentação consumida pelos “mocinhos” da história, deixando aos “vilões” a condenação pelo interesse em alimentação menos elevada. Valha-nos o Espírito de Verdade!



1. Revista Espírita - Jul/1860. Observação Geral.

2. O Livro dos Médiuns, 246.

3. Revista Espírita -  Mai/1863. Exame das comunicações mediúnicas que nos são enviadas.

4. Vampirismo - II. Parasitas e vampiros. 4.ª ed., Paidéia, 1996, p. 15.

5. Cf. RIZZINI, Jorge. J. Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec. Cap. 19. São Paulo: Paideia, 2001, pp. 245/46.

6. Libertação, cap. 7.

7. Evolução em Dois Mundos, cap. I.

8. Cf. “Léon Denis, Emmanuel e as Almas Gêmeas”, “Liberdade e Consciência no Espiritismo”, “Espiritismo e Ética da Alteridade” e “O Credo Espírita”.

9. O Evangelho Segundo o Espiritismo, III, 2.

10. O Céu e o Inferno. 2.ª parte, cap. I, Sr. Sanson, II, n. 8.

11. O Céu e o Inferno. 2.ª parte, cap. V, Um Ateu, n. 19.

12. Revista Espírita - Jul/1862. Hereditariedade moral. Médium: Sra. Costel. 2.ª ed., I.D.E., 1993.

13. A tradução de Herculano Pires bem relaciona a palavra sociedade (société des autres êtres supérieurs); ousei aqui reparar tão só os tempos verbais, no presente do indicativo: “mais baixos do que os que eles têm aqui” (plus bas que ceux qu'ils ont ici) e “mais nocivas do que as que professam entre vós” (plus nuisibles que celles qu'ils professent au milieu de vous). A resposta continua se referindo às atividades dos espíritos durante o sono; ali, os feitos dos inferiores. A inserção sobre a perturbação e a incerteza que os aguarda depois da morte é que alonga o período e distancia o entendimento do leitor de que se fala dos momentos de sono corporal desses espíritos, não mais do post-mortem deles. A tradução dos 150 anos de O Livro dos Espíritos (FEB) tornou mais claro o texto, acrescendo as palavras “enquanto dormem” também a este parágrafo que se reporta aos inferiores, como há no anterior as palavras “quando dormem” (quand ils dorment), relativas aos superiores. Apenas não se registrou o vocábulo sociedade, aplicado aos “seres superiores” e que explicita aspecto importante da vida espiritual. Kardec, aliás, usou esta mesma palavra para os grupamentos inferiores de além-túmulo, quando disse que o espírito Feliciano declarou encontrar-se numa “sociedade assaz promíscua e, por conseguinte, de espíritos inferiores” (société très mélangée, et par conséquent d'esprits inférieurs). [O Céu e o Inferno, 2.ª parte, cap. V.]

14. Mozart afiançou que “há mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que lhes podem servir de habitação temporária, espécies de bivaques, de campos onde descansem de uma demasiado longa erraticidade, estado este sempre um tanto penoso”. Santo Agostinho o confirmou, dizendo que “eles são gradativos, isto é, entre os outros mundos ocupam posições intermédias, de acordo com a natureza dos espíritos que a eles podem ter acesso e onde gozam de maior ou menor bem-estar”, e que “os espíritos que se encontram nesses mundos podem deixá-los, a fim de irem para onde devam ir”, “como bandos de aves que pousam numa ilha, para aí aguardarem que se lhes refaçam as forças, a fim de seguirem seu destino”. São estes os mundos transitórios, ou intermediários. Tudo convergiria para que os entendêssemos como mundos espirituais. Porém, Santo Agostinho disse que, “sim”, eles “têm uma constituição semelhante à dos outros planetas”; “sim”, “estéril é neles a superfície”, pois “os que os habitam de nada precisam” e, sobretudo, disse que a Terra, “durante a sua formação”, “já pertenceu ao número deles”. Não se trata, pois, de mundos espirituais, menos ainda de “colônias” neles edificadas, e sim de planetas inabitados fisicamente, a despeito de habitarem-nos espíritos errantes. Santo Agostinho chegou a afirmar que “não há desses mundos em nosso sistema planetário”. (Cf. Revista Espírita. Mai/1859. F.E.B., 2007, 3.ª ed., pp. 190/93.)

15. Cf. Revista Espírita. Mai/1863. Questões e problemas. Espíritos incrédulos e materialistas. 3.ª ed., F.E.B., 2007. p. 224.

16. Nosso Lar, cap. 2.

17. Os Mensageiros, cap. 14.

18. Os Mensageiros, cap. 18.

19. KARDEC. A Gênese, XIV, 21.

20. Nosso Lar, cap. 8. 

21. Os Mensageiros, cap. 6.

22. Cf. Nosso Lar, caps. 3, 9, 17, 18 e 45.

23. KARDEC. O Céu e o Inferno, 2.ª parte, cap. VIII.

24. Em O Livros dos Espíritos, 872, disse Kardec: “É na morte que o homem é submetido, de uma maneira absoluta, à inexorável lei da fatalidade, porque ele não pode fugir ao decreto que fixa o termo de sua existência, nem ao gênero de morte que deve interromper-lhe o curso”.

25. Nosso Lar, cap. 44.

26. Nosso Lar, cap. 44.

27. Revista Espírita. Mai/1863. Exame das comunicações mediúnicas que nos são enviadas.

28. O Céu e o Inferno, 2.ª parte, cap. I, Sr. Sanson. III, n. 11.

29. O Livro dos Espíritos, 298.

30. O Livro dos Espíritos, 93.

31. Cf. “A Propósito do Perispírito”. 1.2. Pode o espírito perder seu perispírito?

32. Vampirismo. II. Parasitas e vampiros. 4.ª ed., Paidéia, 1996, p. 15.

33. Filipenses 3:21.

34. 1.ª Coríntios 15:43.

35. A Gênese, I, 39. Léon Denis Gráfica e Editora, 2008. Obs.: Se Kardec empregou o tratamento católico romano “saint Paul”, não há razão para que seja omitido por simples tradutores.

36. 1.ª Coríntios 15:49.

37. 1.ª Coríntios 15:53-54.

38. O Livro dos Médiuns, 56.

39. Revista Espírita. Jun/1868. A morte do Sr. Bizet, Cura de Sétif. A fome entre os espíritos. Sociedade de Paris, 14 de maio de 1868.

40. A Pedra e o Joio. Na Hora do Toque. As Normas de Kardec. 45.ª ed., FEB, 1996, p. 145.



terça-feira, 10 de abril de 2012

LÉON DENIS, EMMANUEL E AS ALMAS GÊMEAS

Por Sérgio Aleixo

Disse Kardec em O Livro dos Espíritos, 202: “Os espíritos encarnam-se homens ou mulheres, porque não têm sexo. Como devem progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, oferece-lhes provas e deveres especiais, e novas ocasiões de adquirir experiências. Aquele que fosse sempre homem, só saberia o que sabem os homens”. E mais, 303-a: “A teoria das metades eternas é uma imagem que representa a união de dois espíritos simpáticos. É uma expressão usada até mesmo na linguagem vulgar, e que não deve ser tomada ao pé da letra. Os espíritos que dela se servem não pertencem à ordem mais elevada. A esfera de suas ideias é necessariamente limitada, e exprimem o seu pensamento pelos termos de que se teriam servido na vida corpórea”.
 


Entretanto, Léon Denis e Emmanuel discordaram de Kardec e dos guias da humanidade. Em O Problema do Ser, do Destino e da Dor, XIII, aduziu o primeiro: “Cremos de preferência, de acordo com os nossos guias, que a mudança de sexo, sempre possível para o espírito, é, em princípio, inútil e perigosa. Os espíritos elevados reprovam-na. [...] Quando um espírito se afez a um sexo, é mau para ele sair do que se tornou a sua natureza”.
 


O druida da Lorena tentou justificar sua tese de que a mudança de sexo não seria uma necessidade (só a admite por expiação) alegando que essa troca prejudicaria as “almas-irmãs, criadas aos pares, destinadas a evoluírem juntas, unidas para sempre na alegria como na dor”, almas que, segundo ele, “realizam a forma mais completa, mais perfeita da vida e do sentimento e dão às outras almas o exemplo de um amor fiel, inalterável, profundo”. Léon Denis assegurou ainda que o número dessas “almas-irmãs” seria “mais considerável do que geralmente se crê”.
 


A tese das almas gêmeas, ou irmãs, é mera variante da teoria das metades eternas, por lhes ser ínsito o mesmo fatalismo da predestinação. Denis veiculou uma ideia injusta, além de haver incidido em mais uma doutrina contrária ao Espiritismo: almas seriam criadas aos pares, cujo amor serviria de exemplo a outras almas, portanto as últimas não teriam seus respectivos pares, já que o número das primeiras seria mais considerável do que geralmente se crê, ou seja, esse número, de uma forma ou de outra, não constituiria a totalidade das almas criadas, segundo Denis.


De outro lado, sem negar a necessidade da mudança de sexo para que os espíritos progridam em tudo, Emmanuel confirmou a doutrina das almas gêmeas, tão só com a diferença de havê-la generalizado, estendendo o número delas à totalidade das almas humanas (exceto Jesus). Assim, ensinou que “cada coração possui no Infinito a alma gêmea da sua, companheira divina para a viagem à gloriosa imortalidade”. Essas almas, segundo Emmanuel, foram “CRIADAS UMAS PARA AS OUTRAS”, no que só repete Denis.  [1]


Trata-se de mera variante da teoria das metades eternas. Inútil fora defendê-los com eufemismos que distorçam o que propalaram e façam supor que só se hajam reportado à intensa afinidade entre certas almas. Denis e Emmanuel afirmam uma predestinação desde sempre rejeitada pelo Espiritismo. Eis o fato!


Se não, vejamos ainda mais O Livro dos Espíritos, 298: “As almas que devem unir-se estão predestinadas a essa união, desde a sua origem, e cada um de nós tem, em alguma parte do universo, a sua metade, à qual um dia se unirá fatalmente? – Não; não existe união particular e fatal entre duas almas”. E arremata Kardec na obra-base, 303-a: “É necessário rejeitar esta ideia de que dois espíritos, CRIADOS UM PARA O OUTRO, devem um dia fatalmente reunir-se na eternidade, após terem permanecido separados durante um lapso de tempo mais ou menos longo”.


A concepção, portanto, de almas criadas pela metade, ou aos pares, mas sempre ou eventualmente umas para as outras, com a prévia finalidade de um dia se unirem eternamente, conservem ou não a individualidade após isso, não é aceita pelo Espiritismo. Não importa o viés lexical! Sejam metades eternas, ou almas gêmeas, subsiste em ambas as teses o mesmo vício de uma suposta predestinação mútua de dois seres desde a sua origem, o que foi repelido por O Livro dos Espíritos.


Emmanuel ainda foi mais além. Condicionou o amor que sentiremos um dia pela humanidade inteira à prévia realização desse amor de almas gêmeas, que define como uma união, uma dada integração no plano espiritual, em que, por fim, elas “se reúnem para sempre na mais sublime expressão de amor divino, finalidade profunda de todas as cogitações do ser, no dédalo do destino”.  [2]


O indagador da Federação Espírita Brasileira, menos preocupado com o fato de essa doutrina carecer de fundamento em Kardec do que por não ter base nem mesmo em Roustaing, perguntou, então, sobre a alma gêmea de Jesus. A resposta evasiva de Emmanuel foi que seria “injustificável” um paralelismo entre o Cristo e “os meios humanos”, porque “observamos em Jesus a finalidade sagrada dos gloriosos destinos do espírito”.  [3] Mas se é também essa a nossa própria destinação, por que seria injustificável o paralelismo entre Jesus e os meios humanos? Como Jesus chegou a ser quem é? Não foi por encarnações humanas, ainda que noutros mundos há muito preexistentes ao nosso?


Emmanuel advogou que o Mestre só teria enlaçado, “no seu coração magnânimo, com a mesma dedicação, a humanidade inteira, depois de realizar o amor supremo”.  [4] Todavia, que amor foi esse, depois da realização do qual Jesus passou a amar a humanidade inteira com a mesma dedicação? Como previsto no número 326 de O Consolador: “O amor das almas gêmeas é aquele que o espírito sentirá um dia pela humanidade inteira”.


Dir-se-ia que Emmanuel admitiu, assim, a prévia realização do amor de Jesus e de sua alma gêmea; depois disso, o Cristo passou a sentir esse amor pela humanidade toda. Mas não! O guia de Chico Xavier excepcionou Jesus de tal situação; entende que ele evoluiu “em linha reta” e, por isso, em meios não humanos, o que, indubitavelmente, faz parte do programa de crenças rustenistas.


Sobre o Cristo, o que diz a Doutrina Espírita? — l'Esprit pur par excellence: “o Espírito puro por excelência”, portanto, de “superioridade intelectual e moral absoluta, em relação aos espíritos das outras ordens”.  [5] Em Espiritismo, todos os seres têm o mesmo “ponto de origem” e o mesmo “destino”.[6] Jesus não foi exceção. Mas quem poderia saber se cometeu erros na estrada evolutiva? E que importância afinal teria agora isso, se os que chegam ao grau supremo, mesmo passando pelo mal, são contemplados com idêntico olhar por Deus, que a todos ama igualmente?[7] Possível é que o Mestre seja daqueles espíritos que, desde o princípio, seguiram o caminho do bem.[8] Mas O Livro dos Espíritos chama isso de evolução “EM LINHA RETA”? O que nos autoriza a supor que essa expressão equivale ao que ensinou a obra-base? O que quer dizer: “desde o princípio”?


Essa expressão usada por Emmanuel pertence a Os Quatro Evangelhos, de Roustaing: “avançar com passo firme e EM LINHA RETA para a perfeição”,  [9] o que ratifica a identidade do guia de Chico Xavier com essa obra defensora de uma progressão espiritual que dispensaria a vida na matéria aos que só fazem o bem nos mundos fluídicos próprios à humanização da alma, chamados ad-hoc. A encarnação não passaria de excepcional castigo aos culpados que por lá faliram: seria uma “queda”.


A Doutrina Espírita, porém, ensina que seguir “desde o princípio” o caminho do bem “não isenta os espíritos das penas da vida corporal”, porque “TODOS são criados simples e ignorantes e se instruem através das lutas e atribulações desta vida; Deus, que é justo, não podia fazer felizes a uns, sem penas e sem trabalhos, e por conseguinte sem mérito.”
[10] A palavra “princípio” não se refere, pois, só aos mundos materiais, antes da suposta queda do espírito, nem tampouco se distinguiria, por isso, de “origem”, como querem as ginásticas verborrágicas de alguns rustenistas fanatizados.


Kardec diz que “os espíritos, na sua ORIGEM, se assemelham a crianças, ignorantes e sem experiência”.  [11] Questiona como podem, “em sua ORIGEM, quando ainda não têm a consciência de si mesmos, ter a liberdade de escolher entre o bem e o mal”, e se lhe responde que “o livre-arbítrio se desenvolve à medida que o espírito adquire consciência de si mesmo”.[12] Neste ínterim, pergunta Kardec “por que Deus permitiu que os espíritos pudessem seguir o caminho do mal[13] e, sem solução de continuidade, indaga logo após: “Havendo espíritos que, desde o PRINCÍPIO, seguem o caminho do bem absoluto, e outros o do mal absoluto, haverá gradações, sem dúvida, entre esses dois extremos?”. Resposta: “Sim, por certo, e constituem a grande maioria”.


Princípio” e “origem” são utilizados como sinônimos, e relacionados, é claro, ao “início” da fase humana de evolução da alma. O Livro dos Espíritos, 133, repele, assim, a tese da queda, ao assegurar que seguir desde o princípio o caminho do bem não isenta os espíritos das penas da vida corporal, entendimento confirmado mais adiante, 634: “É necessário que o espírito adquira experiência, e para isso é necessário que ele conheça o bem e o mal; eis por que existe a união do espírito e do corpo”. Incluída aí está a dualidade espírito-matéria, sem a qual não se desenvolveria o livre-arbítrio e a consciência de si no espírito.


A doutrina de O Livro dos Espíritos, portanto, não abriga de nenhuma forma o conceito rustenista de evolução “em linha reta”, porque esse simplesmente dispensa a vida na matéria, razão pela qual teria sido meramente fluídico o corpo de Jesus, doutrina repelida por Kardec.  [14] Quando Emmanuel diz que o Cristo evoluiu em meios não humanos, nega, indubitavelmente, a materialidade do corpo que Jesus assumiu na Terra; trata-se de uma profissão de fé neodocetista e, portanto, rustenista.


Emmanuel também revela seu rustenismo quando diz que, exceto Jesus, somos “espíritos que se resgatam ou aprendem nas experiências humanas, após as quedas do passado”.
[15] As quedas pretéritas, assim atribuídas tanto aos que “aprendem”, como aos que “se resgatam”, é uma generalização errônea, pois “a expiação serve sempre de prova, mas a prova nem sempre é uma expiação”.[16] Nem todos os que aprendem em meio a provas têm, pois, erros a resgatar. Se Emmanuel advoga que todos os têm, confirma as quedas que precipitariam na matéria os falidos da concepção de Os Quatro Evangelhos. E isso mais se evidencia na sua ideia sobre provação: seria para o “rebelde” e “preguiçoso”, e a expiação, para o “malfeitor que comete um crime”.[17] Quanto à expiação, vá lá, que seja; mas se é impossível chegar à perfeição sem provas, seríamos, de antemão, rebeldes e preguiçosos pelo simples fato de sofrê-las?


Outra evidência do rustenismo de Emmanuel está na pergunta sobre a queda do espírito. Diz que a alma é “colocada por Deus no caminho da vida como discípulo que TERMINA os estudos básicos”.  [18] Como pode ser isso se O Livro dos Espíritos, 190, leciona que, em sua primeira encarnação, a alma “ensaia para a vida”? Trata-se, pois, do início dos estudos básicos da alma, não de seu término. Emmanuel, então, imagina que iniciamos nossos estudos básicos sem o concurso da matéria, nos mundos ad-hoc de Roustaing, nos quais falimos e, por essa razão, na matéria agora nos encontramos, só para terminá-los, como se isso fosse uma excepcionalidade punitiva.


Só o pressuposto rustenista da queda original do espírito na matéria, por castigo, explica certos ensinos de O Consolador. Como podem, assim, ter base em Kardec? Foi mesmo Emmanuel quem tanto discordou da codificação espírita? Mas é o nome dele, bem como o de Chico Xavier, que está nas capas dos livros. De mais a mais, se a evolução em linha reta e a queda são rustenismo, a existência de almas gêmeas,  [19] a procedência “capelina” do exílio espiritual que deu origem à raça adâmica “há muitos milênios”, a superioridade do planeta Marte sobre a Terra, etc., não foram ensinadas a Roustaing.[20]


Estranho é que se clame pela autoridade do mestre francês e se publiquem obras mediúnicas cujos conteúdos lhe subvertam acintosamente os princípios codificados. Extrema é a hora espírita neste mundo. Valha-nos O Espírito de Verdade!


Realmente, consta que Emmanuel teria dito a Chico Xavier que deveria permanecer com Jesus e Kardec caso lhe aconselhasse algo em desacordo com as palavras de ambos.  [21] Mas nenhum ensino contrário a Kardec deixou de ser publicado por essa razão. Eis o fato.[22] Como eu disse no Primado de Kardec, cap. 13, é de mais consistente lógica e de melhor proveito à clareza analítica que se atribua ao próprio Emmanuel tudo aquilo que dos seus livros conste. Só Chico Xavier teve o poder de dirimir as dúvidas, mas nunca o fez, nunca levantou uma suspeita sequer sobre a F.E.B.; ao contrário, não é difícil encontrar-lhe pronunciamentos com os mais efusivos aplausos à Casa do “Anjo” Ismael, assim como ao grande J. Herculano Pires, maior opositor do rustenismo febiano. O médium sempre aparece ao lado de todos os partidos.


Aprendizes em Espiritismo sabem que o primeiro critério da verdade é submeter as comunicações dos espíritos ao controle severo da razão, do bom-senso e da lógica. Só espíritos enganadores, que não podem senão perder com esse exame sério, é que evitam a discussão e querem ser acreditados sob palavra.  [23]


Aprendizes em Espiritismo igualmente sabem que o segundo critério da verdade está na concordância, na universalidade do ensinamento espiritual, no fato de um princípio ser ensinado em vários lugares, por diferentes espíritos e médiuns estranhos uns aos outros, “e que não estejam sob a mesma influência”.  [24]


A única expressão de universalidade desse ensino espiritual sempre foi a Obra de Kardec. Depois dela, tudo mais são opiniões isoladas. Na falta em que nos encontramos, desde 31/03/1869, de um foco legítimo de apuração e controle, tais opiniões devem sofrer detidas avaliações lógicas, firmemente amparadas nos ensinos codificados pelo mestre lionês.


Quanto às almas criadas umas para as outras, Emmanuel tentou em vão defender-se, dizendo que não se referiu a metades eternas; contudo, pediu para ser conservada no livro “a humilde exposição relativa à tese das almas gêmeas”, na qual assevera que os ascendentes do amor entre elas, por serem mais profundos, diferenciam-se daqueles entrosados nas humanas concepções, que se modificam na esteira evolutiva. Segundo Emmanuel, trata-se de “tese mais complexa do que parece ao primeiro exame”, que “sugere mais vasta meditação às tendências do século”, no que concerne ao “divorcismo”, ao “pansexualismo”, etc.


A verdade é que não basta modificar a terminologia “metades eternas”, para conservar, ainda assim, o núcleo vicioso de sua doutrina, que é a noção de predestinação mútua de duas almas desde a sua origem. Aprende-se na obra-base que “a simpatia que atrai um espírito para outro é resultado da perfeita concordância de suas tendências, de seus instintos, e da igualdade dos seus graus de elevação”,  [25] o que explica o entrosamento incomum entre certos casais e torna desnecessária a ideia das almas gêmeas, cujo erro não está em serem almas afinadas, mas em terem sido, segundo Emmanuel, “criadas umas para as outras”.[26] Quanto a isso ser um preventivo contra o divorcismo, o pansexualismo, etc., bastaria a compreensão das leis morais da Parte III de O Livro dos Espíritos.


A tese de que teríamos uma alma preposta à nossa, criada especialmente para nos acompanhar na jornada evolutiva, nada tem a ver, portanto, com os termos kardecianos do Espiritismo, e Deus nos acuda se os termos do Espiritismo não puderem mais ser os kardecianos! Léon Denis e Emmanuel, nesse caso, formularam hipóteses pessoais, meras opiniões sem qualquer fundamentação mais consistente e que não se enquadram, de forma nenhuma, na Doutrina Espírita.


Por essas e por outras é que Kardec não voltou mesmo; não pode ter voltado! Ao sairmos da leitura kardeciana para a de outros autores, encarnados ou não, o sentimento é de abismal queda. O gênio de Lyon não foi excedido por ninguém! Até “sucessores” desfiguraram noções espíritas as mais legítimas. Cumpre-nos distinguir esses pontos em nossas leituras, que não deixam, só por isso, de serem obrigatórias. A identidade doutrinária kardeciana do Espiritismo, porém, é a única hígida o suficiente para mantê-lo em certeira rota.


 

 
[1] O Consolador, 323.

[2]  O Consolador, 325.
[3] O Consolador, 327.
[4] O Consolador, 327.
[5] O Livro dos Médiuns. XXXI, IX. O Livro dos Espíritos, 112.

[6] A Gênese, I, 30.
[7] O Livro dos Espíritos, 126.
[8]  O Livro dos Espíritos, 133, 124.

[9]  ROUSTAING. Os Quatro Evangelhos. Tomo III, n. 255.

[10] O Livro dos Espíritos, 133.

[11]  O Livro dos Espíritos, 115-a.

[12]  O Livro dos Espíritos, 122.
[13]  O Livro dos Espíritos, 123.
[14]  A Gênese, XV, 66.
[15] O Consolador, 243.
[16] O Evangelho Segundo o Espiritismo. V, 9.
[17] O Consolador, 246.
[18] O Consolador, 248.
[19] Cf. O Consolador, 323 e nota à primeira edição.
[20] Cf. A Caminho da Luz. Cap. 3. Emmanuel. A Tarefa dos Guias Espirituais.
[21] Diálogo dos Vivos [em parceria com Herculano Pires], cap. 23: Permanecer com Jesus e Kardec.
[22] Vejam-se neste meu trabalho os textos Kardec e os Exilados; Sobre André Luiz; Chico Xavier: Definitivamente, Outra Religião! e Kardec Versus Emmanuel em 12 Passos.
[23] KARDEC. O Que é o Espiritismo, 99.
[24] KARDEC. O Que é o Espiritismo, 99.
[25] O Livro dos Espíritos, 301 e 302.
[26] O Consolador, 323.