terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A DOUTRINA ESPÍRITA TRATA DA HOMOSSEXUALIDADE?

Por Maria das Graças Cabral

A Doutrina Espírita trata da Homossexualidade? Esta foi a indagação feita por um amigo e a razão do desenvolvimento do presente artigo. Para alcançarmos a resposta do questionamento que foi lançado como tema, iniciarei fazendo uma breve digressão histórica da homossexualidade no tempo e no espaço. Isto porque, observa-se pelos relatos históricos, que desde os tempos mais remotos se dá notícia da prática homossexual, utilizada como ritual de transição em um determinado momento da vida do ente tribal.[1]

Na Grécia antiga por exemplo, considerando que as mulheres não ocupavam nenhum papel relevante nesta sociedade, a não ser as cortesãs que se relacionavam de igual para igual com os homens, não tinham elas nenhuma base para educar os filhos do sexo masculino. Daí, quando a criança entrava na adolescência, ditava o costume, que a família do adolescente elegesse um homem mais velho, ao qual era delegada a missão de educá-lo. Em razão desta relação de um educador (Erastes) e um educando (Erômenos), é que se deu surgimento à pederastia, que acabou por se difundir pelas demais ilhas gregas. [2]


Importante ressaltar, que a referida relação entre um jovem e um homem mais velho era abertamente aceita, o que não acontecia com as relações entre homens da mesma idade. Para os gregos, a postura passiva era própria das mulheres, jovens e escravos, pela sua condição inferior na escala social.

Já no Império Romano, a relação entre um romano e um jovem livre não era bem aceita, ainda que popular, sendo punida com multa. Contudo, o amor de um romano e um escravo não sofria nenhum tipo de restrição.

Também existia em Roma, a repulsa com relação ao homem romano que adotava a condição de passivo numa relação homossexual, mantendo-se a mesma concepção dos gregos à respeito da passividade, por ser condição própria das mulheres, jovens e escravos. Entretanto tal desaprovação não era absoluta, pois no primeiro século, os historiadores dão notícias de matrimônios entre homens, já que o casamento na sociedade romana, era um contrato de caráter privado.

Foi Teodósio I quem proclamou uma lei proibindo permanentemente todas as relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, tendo como punição a morte. Essa condenação permaneceria na legislação de Justiniano I que, passou a punir a homossexualidade com a fogueira e a castração, alegando ele que a prática homossexual não era um ato aceito por Deus. [4]
 
 Na Índia, que em razão dos deuses serem afetiva e sexualmente bissexuais, para os indianos, o sexo não era visto somente para procriação, mas para a obtenção de prazer e poder. De tal forma, a relação homossexual era aceita, já que a busca do prazer estava ligada ao misticismo. Entendiam os indianos, que através do orgasmo seria possível compreender os enigmas de seus deuses.[5]
 
 Na China, a homossexualidade era influenciada por seus imperadores, que tinham os seus “favoritos”, gerando uma grande disputa na corte, pois o favorito do imperador tinha riqueza e prestígio. O mesmo ocorria no Japão, que por seu turno, não tinha uma visão pecaminosa das relações homossexuais.
 
 Foi com o surgimento do “cristianismo”, que passou a haver a condenação de toda e qualquer forma de atividade sexual estéril, ou seja, que não fosse com a finalidade de procriar, estando a homossexualidade por conseguinte, inserida neste contexto.
 
 No Brasil Colonial e escravagista, semelhante ao período clássico, encontra-se esse tipo de comportamento, principalmente com relação a senhores/escravos. É fato, que sempre em que há submissão de uma categoria por outra através da força, esse tipo de abuso acontece.
 
 Observa-se portanto, que as diferenças nos direitos relativos à homossexualidade, sempre estiveram presentes ao longo da história das civilizações humanas, persistindo até os tempos atuais. Isto porque, hodiernamente ainda existem países que criminalizam a homossexualidade com a pena de morte, tais como, a Arábia Saudita, a Mauritânia ou o Iêmen, e outros que já legalizaram o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, como Países Baixos, Espanha ou Canadá.
 
 Já as principais organizações mundiais de saúde, incluindo muitas de psicologia, não mais consideram a homossexualidade uma doença, disturbio ou perversão. Desde 1973, a homossexualidade deixou de ser classificada como tal pela Associação Americana de Psiquiatria. Em 1975 a Associação Americana de Psicologia adotou o mesmo procedimento, deixando de considerar a homossexualidade como doença.

 No dia 17 de maio de 1990 a Assembléia-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da sua lista de doenças mentais, a Classificação Internacional de Doenças (CID). Por fim, em 1991, a Anistia Internacional passou a considerar a discriminação contra homossexuais uma violação aos  direitos humanos.

 E assim, ao longo da história da humanidade, os aspectos individuais da homossexualidade foram tolerados ou condenados, de acordo com as normas sexuais vigentes nas diversas culturas e épocas em que ocorreram. Ou seja, observa-se que a aceitação do comportamento homossexual nunca foi unanimidade em nenhuma sociedade, e em tempo algum.

Hodiernamente, observamos os homossexuais lutando mundo afora, na busca da aplicabilidade dos direitos humanos, pelo direito ao casamento civil e religioso, pelo direito à adoção de filhos. Isto porque, os conflitos e divergências continuam existindo no âmbito religioso, jurídico, e social.

  E a Doutrina Espírita? Trata objetivamente da homossexualidade, aprovando ou condenando tal prática? À esse respeito é importante ressaltar, que o Espiritismo não julga comportamentos nem escolhas. A Doutrina Espírita veio “revelar” ao Espírito humano, imortal e perfectível, através das Obras Básicas, os ensinamentos libertadores, que estudados e vivenciados, conduzirão a humanidade a melhores caminhos na senda da evolução.

 No tocante à questão de opção sexual, importante se faz nos reportarmos aos ensinamentos contidos em O Livro dos Espíritos, quando Allan Kardec indaga aos Espíritos da Codificação na questão 200, se os Espíritos têm sexo. Os Mestres Espirituais respondem: - “Não como o entendeis, porque os sexos dependem da constituição orgânica. Há entre eles amor e simpatia, mas baseados na afinidade de sentimentos.” Pode-se inferir pela resposta dada, que os Espíritos quando no plano espiritual, são atraídos apenas por afinidades e sentimentos, posto que, a atração sexual que leva à conjunção carnal é própria do corpo material com seu aparelho genésico.

Em seguida, na questão 201, é perguntado se o Espírito que animou o corpo de um homem pode animar o de uma mulher numa nova existência, e vice-versa. E a resposta é que “sim, pois são os mesmos Espíritos que animam os homens e as mulheres.” Constata-se diante das palavras dos Espíritos Superiores, que o Espírito não tem sexo.
 

Por fim, indaga Kardec na questão 202, se quando somos Espíritos, preferimos encarnar num corpo de homem ou de mulher. Respondem os Espírito Superiores que “isso pouco importa ao Espírito; depende das provas que ele tiver de sofrer.” Ou seja, a escolha do sexo condiz às possibilidades de aprendizado e evolução do Espírito reencarnante.
 

Face às indagações e respostas dadas pela Espiritualidade maior, Kardec arremata dizendo que “os Espíritos encarnam-se homens ou mulheres, porque não têm sexo. Como devem progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, oferece-lhes provas e deveres especiais, e novas ocasiões de adquirir experiências. Aquele que fosse sempre homem, só saberia o que sabem os homens.”
 

Pode-se concluir, diante dos esclarecimentos dados pelos Mestres Espirituais, que a questão do Espírito optar por reencarnar como homem ou mulher, tem um propósito definido no processo evolutivo do indivíduo.

 
No que tange à evolução humana, a Doutrina Espírita nos apresenta Jesus como modelo de moralidade e perfeição a ser seguido por todos. Daí, vale observar como se comportou o grande Mestre, diante de pessoas que viviam à margem da sociedade, por andarem em descompasso com os costumes e/ou convicções religiosas, ou por serem consideradas inimigas do povo judeu. Exemplificou, protegendo a prostituta da morte por apedrejamento; dedicando amizade ao publicano, que era odiado por trabalhar recolhendo os impostos cobrados pelo império romano - sendo tais tributos considerados indevidos por parte dos judeus; dialogando com a mulher samaritana, apesar do ódio separatista que reinava entre Samaria e Judéia. Sem falar nas amigas mulheres que o seguiam, quando estas não tinham nenhuma representatividade na sociedade judaica patriarcal.

Não obstante seu respeito pela fragilidade humana, o Mestre não se furtou em nos advertir assim se expressando: “Entrai pela porta estreita, porque a porta da perdição é larga, e o caminho que a ela conduz é espaçoso, e há muitos que por ela entram. Como a porta da vida é pequena! Como o caminho que a ela conduz é estreito! E como há poucos que a encontram!” (Mateus, cap. VII, 13 e 14)

 
À esse respeito, os Espíritos Superiores em O Evangelho Segundo o Espiritismo esclarecem que, “a porta da perdição é larga, porque as más paixões são numerosas, e o caminho do mal é freqüentado pela maioria. A da salvação é estreita, porque o homem que quer transpô-la deve fazer grandes esforços sobre si mesmo para vencer as suas más tendências, e poucos a isso se resignam.” (E.S.E., cap. XVIII, 5) Isto posto, fica claro que o trabalho de todo ser humano, deverá estar voltado para a superação dos vícios morais, que o arrastam a milhares de encarnações sofridas e difíceis. A passagem pela porta estreita o conduzirá ao “reino de Deus”, que é o estado de felicidade plena, tantas vezes preconizado por Jesus.

 
Vale ressaltar, que no momento solitário do retorno à verdadeira vida, quando estaremos às voltas com o nosso “Eu“, brotarão de forma impetuosa, milhares de questionamentos, dentre os quais: - O que fiz da minha vida? O que fiz pela minha vida? Cumpri a “missão” à qual me propus ao reencarnar? Quanto de bem ou de mal, semeei?

Quando iniciei o presente texto fazendo uma breve narrativa histórica da homossexualidade através do tempo e do espaço, objetivava demonstrar que são os homens e mulheres, através dos tempos, que vão dando os “tons” da sociedade na qual escolheram viver. São os preconceitos, crenças, interesses; como também, os desequilíbrios comportamentais e emocionais, que geram os grandes conflitos e dores, que acabam por adoecer o organismo social.
 
É fato que a Doutrina Espírita não faz apologia, nem condena as opções sexuais dos indivíduos. Entretanto, estabelece parâmetros comportamentais equilibrados, tendo como paradigma a moral evangélica. Somos livres para escolher as “portas“ que iremos atravessar. Em contrapartida, somos também individualmente responsáveis, diante de Deus e de nós mesmos por estas escolhas.

Finalizando, vale reiterar que a Doutrina dos Espíritos através de sua mensagem libertadora e consoladora, vem nos colocar na condição de Espíritos emancipados e responsáveis pela construção de nosso estado de felicidade ou infelicidade, nesta vida e na outra. A responsabilidade do Espírito é pessoal. Portanto, cada um responderá pelos seus pensamentos, sentimentos e atos - e pelo que causou a si mesmo, e às outras criaturas, de bem ou de mal. O alicerce sobre o qual se ergue a Doutrina Espírita, são princípios esclarecedores e libertadores, que levam o Espírito humano à busca do auto conhecimento, para que daí, trabalhe árdua e conscientemente por sua evolução moral e intelectual.

Entendamos portanto, que a homossexualidade é uma questão de foro íntimo de cada Espírito. Por conseguinte, com base na moral Espírita, ninguém tem a autoridade nem o direito de violentar a privacidade e/ou a integridade emocional e/ou moral de seu semelhante. Somos desrespeitosos e não caridosos, quando, agredimos, julgamos, criticamos, ridicularizamos, condenamos, ou discriminamos alguém em razão de sua opção sexual. Vale lembrar, que ainda estamos muito longe de alcançar a maturidade espiritual, que nos permitirá compreender com propriedade e profundidade a complexidade da alma humana.
  
 



REFERÊNCIA BIBLIGRÁFICA

[1] MADRID, Daniela Martins e MOREIRA FILHO, Francisco Carlos. A Homossexualidade e a sua História. In: intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/.../1569
[2] Idem
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Idem

8 comentários:

  1. Interrompi a rotina ordeira e corrida do meu trabalho para ler o seu texto, amiga. Que opção maravilhosa que me permiti. De longe, estou surpresa pelo conteudo rico.

    Finalmente, você surge no meio espírita de divulgação para clarear as mentes, com base científica irretocável.

    Obrigada pelos esclarecimentos. Um grande abraço e muita luz.

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  2. eu amei isso e me identifiquei bastante com esse artigo, parabéns!!

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  3. Homossexualidade não é uma opção e sim uma condição com que a pessoa nasce ou que se desenvolve nos primeiros anos de vida (isso ainda não está claro para a Ciência).

    Colocando as coisas em termos de "não vamos julgar, cada um sabe de si, homossexualidade é uma opção particular", cria-se uma posição de pena, que denota superioridade. Se tem pena e respeito cristãos para com as prostitutas, os doentes... e os gays?!

    O desenvolvimento moral e intelectual é o que importa e estes estão desvinculados da condição hetero ou homossexual.

    Assim como ser homem e mulher, rico e pobre, branco e negro etc. são experiências necessárias para evoluir no plano físico, assim o é ser hetero ou homoseexual. Recusar-se a admitir isso é resquício do preconceito e discriminação citados no texto.

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    1. Quer dizer que quem não acha bonito ver dois homens ou duas mulheres se amassando eh homofóbico? Desde quando ter opinião ou preservar a ordem natural das coisas eh homofobia? Acho que VC devia rever seus conceitos . Você está claramente equivocado. O que nos pessoas não podemos fazer eh impor as nossas preferencias a outras pessoas. Todos temos livre arbítrio e podemos fazer o que bem entendemos do nosso corpo. Fica claro que todos temos opção de escolher qual caminho queremos seguir. Não esquecendo que para cada escolha tem uma consequência.

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    2. Bem, a partir do momento que você sente repulsa por um comportamento, você está sendo preconceituoso. Se você acha que um beijo lésbico ou um beijo gay é nojento, você está, sim, sendo homofóbico, mesmo que não agrida ou ofenda os homossexuais/bissexuais ou expresse esse sentimento.
      Se você é indiferente a isso, então, não, não está sendo preconceituoso. Do mesmo jeito que é indiferente a um beijo entre um homem e uma mulher, você é indiferente a um beijo homossexual. Não acha bonito nem acha feio.

      Esse argumento de que a homossexualidade perturba a ordem natural das coisas é uma completa falta de embasamento científico. Em todas (sim. Todas.) as espécies animais do mundo há a prática homossexual. A única em que há a prática da homofobia e da intolerância (em qualquer uma de suas facetas) é a espécie humana.

      Aceitar a diversidade sexual não é intolerância de forma alguma. Intolerância é você achar que alguém está pecando só porque ela está sendo feliz e com alguém ela ama. E é exatamente por termos livre arbítrio e podermos fazer o que quisermos do nosso corpo que devemos respeitar os outros. Ninguém está forçando você a ser homossexual.

      Sim, cada escolha tem uma consequência. Não acho que ser preconceituoso vá fazer você ter algum privilégio, no plano espiritual ou no físico.

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    3. Falou, falou e falou, mas não respondeu a pergunta a qual se propôs. Deu mil voltas diplomáticas dizendo que a homossexualidade é um assunto intimo e não devemos julgar, mas deixou bastante confuso para qualquer um mais desatento ou com pouca capacidade ou pratica de interpretação, o que realmente acha.

      O texto, em resumo?:
      "A homossexualidade é uma 'atividade' e uma escolha anti-evolutivas do ponto de vista espiritual"

      Tente, da próxima vez, ser mais clara em suas colocações e, se possível, consiga melhores e mais diretas referencias nas obras base do espiritismo, ao invés de usar pedaços de texto tão genéricos para embasar uma opinião pessoal. E se acha que estou errado no que digo, perceba que as perguntas e respostas entre Kardec e os espíritos tratam somente da questão sexual fisiológica, sem se prender a questões de gênero, que é o tópico principal abordado. Identidade psicológica de homem ou mulher não são a mesma coisa que corpo de homem ou corpo de mulher. Olhando desse ponto de vista é obvia a generalidade dos textos citados e eu poderia usar os mesmo para basear as seguintes afirmações:

      "O espirito nasce no corpo de homem ou mulher pelas provas que tem que passar, mas os espíritos se unem por afinidade de interesses, logo espíritos encarnados em corpos de mesmo sexo podem, por afinidade, se juntarem como os heterossexuais, sendo a condição de gênero conflitante com o corpo mais um modo útil de viver as diferentes realidades humanas enquanto encarnado. Ser homossexual pode ser a melhor escolha para os espíritos viverem determinadas provas e aprenderem lições especificas enquanto encarnados."

      Isto que eu disse contradiz, em algum ponto, as citações utilizadas de Kardec e dos Espíritos da Codificação?

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    4. (re) nascer homem, mulher; (re)nascer hetero, homo, transsexual; (re) nascer rico, pobre, baixo, alto e por aí, seguindo uma série de rótulos criados por sermos, ainda,tão orgulhosos e egoístas, é condição necessária ao desenvolvmento do Espírito. E condição não se julga, não se avalia, não se justifica: somos como somos exatamente porque somos o que somos. O artigo é rico de história, mas na hora H, escapa pela via da piedade, da caridade (urght!). Se é homossexual pela mesma razão com que se é hetero. É isso que eu leio na linhas e nas entrelinhas de Kardec citadas e destacadas no presente artigo. Abraços!!!!

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    5. Cada caso e diferente do outro.A minha homossexualidade est´´a ligada ao mau uso da sexualidade em varias vidas.Eu tenho plena certeza disso,o sofrimento sempre foi terrivel,terrivel e terrivel.No mais,o texto e esclarecedor e inteligente.

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