segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Reflexões espíritas sobre a Tragédia de Santa Maria


Por Dora Incontri

A tragédia de Santa Maria me leva a algumas reflexões que considero importantes para o movimento espírita.

Recentemente participei de uma banca de doutorado na Universidade Metodista, em que o pesquisador José Carlos Rodrigues, examinou em ampla investigação de campo quais os principais motivos de “conversão”, eu diria, “migração” para o espiritismo, no Brasil. Ganhou disparado a “resposta racional” que a doutrina oferece para os problemas existenciais.

De fato, essa é grande novidade do espiritismo no domínio da espiritualidade: introduzir um parâmetro de racionalidade e distanciar-se dos mistérios insondáveis, que as religiões sempre mantiveram intactos e impenetráveis, sobretudo o mistério da morte.

Entretanto, essa racionalidade, que era realmente a proposta de Kardec, tem sido barateada em nosso meio, como tudo o mais, para tornar-se uma cartilha de respostinhas simples, fechadas e dogmáticas, que os adeptos retiram das mangas sempre que necessário, de maneira triunfante e apressada, muitas vezes, sem respeito pela dor do próximo e sem respeito pelas convicções do outro. Explico-me.

Por exemplo: existe na Filosofia espírita uma leitura de mundo de “causa e efeito”, que traduziram como “lei do karma”, conceito que vem do hinduísmo. Essa ideia é de que nossas ações presentes geram resultados, que colheremos mais adiante ou que nossas dores presentes podem ser explicadas à luz de nossas ações passadas. Mas há muitas variáveis nesse processo: por exemplo, estamos sempre agindo e portanto, sempre temos o poder de modificar efeitos do passado; as dores nem sempre são efeitos do passado, mas sempre são motivos de aprendizado. O sofrimento no mundo resulta das mais variadas causas: má organização social, egoísmo humano, imprevidência… Estamos num mundo de precário grau evolutivo, onde a dor é nossa mestra, companheira e o que muitas vezes entendemos como “punição” é aprendizado de evolução.

O assunto é complexo e pretendo escrever mais profundamente sobre isso. Aqui, apenas gostaria de afirmar que nós espíritas, temos sim algumas respostas racionais, mas elas são genéricas e não podem servir como camisas de força para toda a realidade. Que respostas baseadas em evidências e pesquisas temos, por exemplo, para essas famílias enlutadas com a tragédia de Santa Maria?

• que a morte não existe e que esses jovens continuam a viver e que poderão mais dia, menos dia, dar notícias de suas condições;

• que a morte traumática deixa marcas para quem fica e para quem foi e que todos precisam de amparo e oração;

• que o sofrimento deve ter algum significado existencial, que cada um precisa descobrir e transformá-lo em motivo de ascensão…

• que a fé, o contato com a Espiritualidade, seja ela qual for, dá forças ao indivíduo, para superar um trauma dessa magnitude.

Não podemos afirmar por que esses jovens morreram. Não devemos oferecer uma explicação pronta, acabada, porque não temos esses dados. Os espíritas devem se conformar com essa impotência momentânea: não alcançamos todas as variáveis de um fato como esse, para podermos oferecer uma explicação definitiva. Havia processos da lei de causa e efeito? Provavelmente sim. Houve falha humana, na segurança? Certamente sim. Qual o significado que essa tragédia terá? Cada pai, cada mãe, cada familiar, cada pessoa envolvida deverá achar o seu significado. Alguns talvez terão notícias de algum evento passado que terá desembocado nesse drama; outros extrairão dessa dor, um motivo de luta para mais segurança em locais de lazer; outros acharão novos valores e farão de seu sofrimento uma bandeira para ajudar outros que estejam no mesmo sofrimento e assim por diante.

Oremos por essas pessoas, ofereçamos nossas melhores vibrações para os que foram e para os que ficaram e ainda para os que se fizeram de alguma forma responsáveis por esse evento trágico. Mas tenhamos delicadeza ao tratar da dor do próximo! Não ofereçamos respostas fechadas, apressadas, categóricas, deterministas. Ofereçamos amor, respeito e àqueles que quiserem, um estudo aberto e não dogmático, da filosofia espírita.
 

Fonte: http://doraincontri.com/2013/01/28/reflexoes-espiritas-sobre-a-tragedia-de-santa-maria/

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O destino dos animais e a questão do "cão intercessor"



Por Artur Felipe Ferreira

 
O Espiritismo é uma doutrina espiritualista de caráter filosófico e, ao mesmo tempo, uma ciência experimental, segundo a definição de Allan Kardec. O objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual, seguindo-se daí que o conhecimento acerca dos princípios da matéria, estudados pelas ciências ordinárias, lhe serve de complemento, uma vez que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. Deste modo, Espiritismo e Ciência se completam reciprocamente.
 
Contrariamente a isso, certos simpatizantes da Doutrina Espírita preferem renegar os conhecimentos científicos e descambam para a tentativa de anexar ao conhecimento e práticas espíritas conceitos oriundos do Espiritualismo genérico, com o que intentam “enriquecer” o corpo doutrinário espírita. Desta forma, passam a disseminar, junto aos núcleos espíritas, ideias e conceitos que conflitam clara e diretamente com os mais básicos e elementares princípios espíritas, ocasionando, assim, grandes confusões entre os simpatizantes da Doutrina, conduzindo o Movimento, de maneira sub-reptícia, à perda de unidade e, consequentemente, provocando desinteligências entre os adeptos, o que facilita a formação e fortalecimento de redutos seitistas. Atuam, portanto, à feição de vírus perigosos, como já tratamos no artigo
Os Cavalos de Troia do Espiritismo”.
 

Uma dessas questões elementares a que nos referimos acima é aquela que trata do animal irracional e sua destinação após a morte, assim como o grau de evolução ao qual pertencem. Tal assunto é tratado de maneira clara na obra basilar da Doutrina Espírita, “O Livro dos Espíritos”. Da questão 592 até a de número 610, os Espíritos Superiores respondem às mais variadas perguntas formuladas pelo codificador Allan Kardec, onde chegamos às seguintes conclusões, que abaixo enumeramos:
 
1. Os animais possuem instinto, que é uma forma rudimentar de inteligência, e não são detentores de livre-arbítrio;
 
2. Os animais não podem analisar seus erros e acertos. Assim sendo, não podem sofrer penas nem gozos por não terem consciência de seus atos praticados no mundo físico. Não há neles senso moral, já que a inteligência não se encontra suficientemente desenvolvida para tal;

3. A alma dos animais, após a morte do corpo, é devolvida rapidamente ao mundo físico, seja em um planeta ou outro para que continuem sua evolução até chegarem ao estado hominal, donde daí para frente possuirão livre-arbítrio e sofrerão as penas e gozos do mundo espiritual.
 
Em “O Livro dos Médiuns”, cap. XXV, 283, itens 36 e 37, também podemos colher mais informações sobre a questão:
 
4. O princípio inteligente que anima o animal fica em estado latente após a morte, sendo que espíritos encarregados desse trabalho imediatamente o utilizam para animar outros seres. Não lhes sobra tempo disponível para se por em relação com outras criaturas. Sendo assim, não há espíritos errantes de animais, mas somente espíritos humanos.
 
5. Consequentemente, não há animais habitando o mundo espiritual, e nem é possível obter comunicações de animais por via mediúnica ou por quaisquer outros meios.

 
É isso, pois, resumidamente, o que ensina o Espiritismo sobre o destino da alma dos animais, assim como suas possibilidades e nível de adiantamento.


No entanto, volta e meia nos deparamos com declarações em evidente contraposição ao exposto acima sendo feitas em centros espíritas ou presentes em obras que dizem inspirar-se no Espiritismo. Decorrem, obviamente, de mera opinião pessoal de seus autores, mas que são consideradas, por certo número de desavisados, como autêntico ensinamento espírita. Isso ocorre mais comumente nos núcleos de orientação ramatisista, que se auto-intitulam “universalistas”, onde se pretende, a todo instante, “reformar” o Espiritismo a título de “modernidade” e “vanguardismo”. Porém, infelizmente, o que encontramos nesses redutos é um autêntico sincretismo, onde tudo se mistura, sem qualquer critério de aferição da Verdade. Opiniões individuais se mesclam a conceitos do orientalismo, cujas doutrinas jamais formaram um corpo uniforme, somadas a comunicações atribuídas a espíritos, que são logo cridas como autênticas e repositórios de verdades cristalinas, a título de contribuição ao corpo doutrinário espírita. Esquecem-se, contudo, que o critério espírita de aceitação das mensagens oriundas do mundo espiritual deve ser o da concordância universal, tendo como base a própria revelação espírita, toda ela consubstanciada nas obras da Codificação.


Um exemplo prático dessa triste realidade tem sido as mensagens atribuídas a um deus grego (!) pretensamente recebidas pelo “médium universalista” gaúcho Roger Bottini, que também diz psicografar Ramatis. Já realizamos uma abordagem crítica deste caso e assunto no artigo  "Médium universalista diz receber mensagens de deus grego" - 
o qual sugerimos a leitura para melhor entendimento do que agora escrevemos, sendo que, recentemente, causou-nos enorme perplexidade o comentário feito pelo Sr. Bottini sobre um suposto “cão intercessor” chamado Fiel. Segundo o médium supracitado, seus leitores estariam livres para orar ao cão e “pedir auxílio para seus ‘pets’ que estejam doentes ou tenham desencarnado.” Segundo o sr. Bottini, “Fiel é um cão do reino astral muito especial” e “vive junto a Hermes”, o deus da mitologia grega, e “atenderá aos pedidos feitos a ele com muito amor e carinho”. (...)
 
Desta feita, apelamos ao leitor que analise minimamente a declaração acima e compare com o que é ensinado pela Doutrina Espírita. Lembramos que o autor faz palestras em centros espíritas e se diz “espírita universalista” – uma maneira encontrada de não ter que divulgar fielmente os princípios espíritas e misturá-los a tudo que lhe venha na cabeça. O resultado disso é que, dentro em breve, certamente, teremos pessoas que se dizem “espíritas” declarando abertamente por aí que oram a um cão, que amorosamente atende aos seus pedidos. A impressão causada, com certeza, será a pior possível, passando o Espiritismo a alvo de chacota e desprestígio por parte daqueles com mínima capacidade de raciocínio e senso crítico.

Segundo as instruções dos Espíritos a Allan Kardec, principalmente as contidas na Introdução de “O Evangelho segundo o Espiritismo” e em “O Livro dos Médiuns”, faz-se necessário estarmos alerta a esses focos de grosseira mistificação e aplicarmos uma postura crítica que consiste em separar o verdadeiro do falso. É nosso dever submeter ao cadinho da razão e da lógica todas as comunicações, sobretudo aquelas que possuem um caráter exótico e exclusivista, geralmente advindas de indivíduos vaidosos que se auto-intitulam detentores de alguma missão especial ou conhecimento inacessível a maioria, que apresentam como verdades absolutas. Na mais das vezes, são vítimas de espíritos mistificadores ou pseudossábios, que se ornam com nomes pomposos para melhor enganar. O mal que tais entidades intentam causar é enorme, porque visam à desfiguração da mensagem espírita, expondo-a ao ridículo e ao vexame perante a opinião pública, enfraquecendo, assim, os magnos objetivos de esclarecimento e libertação da ignorância propostos pela Doutrina. A fim de atenuar a má impressão que causam, podem essas entidades espirituais até estimular seus medianeiros a erguerem alguma obra de caridade ou a desenvolverem alguma atividade de assistência social, intentando, assim, formar uma nuvem de fumaça em torno do médium e angariar a admiração dos incautos que lhes seguem os esdrúxulos ideários. Tais ideários, atualmente, estão geralmente ligados aos conceitos de salvação planetária, coletiva e/ou individual, onde se inserem “revelações” e previsões sobre futuras hecatombes apocalípticas, incutindo que seus seguidores serão salvos em função de suas crenças, preces ou ações determinadas pelo(s) líder(es) seitista(s). Tudo, obviamente, sugerindo muito amor, fraternidade e caridade em frases de efeito, que, na verdade, encobrem boas doses de presunção, e estímulo ao medo e ao misticismo.
 
O Espiritismo bem estudado e compreendido é seguramente o melhor antídoto contra tais ilusões e artimanhas, mas como cada vez mais se tem priorizado a leitura de obras romanceadas e as de abordagem superficial e simplista de pretenso caráter espírita, deixando-se de lado o estudo sério e metódico das obras kardecianas, tem crescido o número de adeptos que pouco ou nada sabem sobre a Doutrina, tornando-se, assim, presas fáceis dos espertalhões encarnados e desencarnados.

Já declarava Kardec em 1858, em “O Livro dos Médiuns”:


Os Espíritos são as almas dos homens, e como os homens não são perfeitos, há também Espíritos imperfeitos, cujo caráter se reflete nas comunicações. É incontestável que há Espíritos maus, astuciosos, profundamente hipócritas, contra os quais devemos nos prevenir.
 
Herculano Pires, em vista desses preciosos esclarecimentos, teceu comentários, tendo em mente o que vem ocorrendo no movimento espírita brasileiro:
 
“A malandragem dos Espíritos mistificadores ultrapassa às vezes tudo que se possa imaginar. A arte com que assestam as suas baterias e tramam os meios de persuadir seria digna de atenção, caso se limitassem a brincadeiras inocentes. Mas as mistificações podem ter consequências desagradáveis para os que não se previnam. Somos muito felizes por termos podido abrir os olhos a tempo a muitas pessoas que nos pediram conselhos, livrando-as de situações ridículas e comprometedoras.
 
(...) Devem também considerar desde logo suspeitas as predições com épocas marcadas e todas as indicações precisas referentes a interesses materiais. Toda cautela com as providências prescritas ou aconselhadas pelos Espíritos, quando os fins não forem claramente razoáveis. Jamais se deixar ofuscar pelos nomes usados pelos Espíritos para darem validade as suas palavras.


Desconfiar das teorias e sistemas científicos ousados. Enfim, desconfiar de tudo o que se afaste do objetivo moral das manifestações. Poderíamos escrever um volume dos mais curiosos com as estórias de todas as mistificações que têm chegado ao nosso conhecimento.


A falta de observação dessas instruções tem permitido a divulgação e aceitação de numerosas teorias pseudo-cientificas em nosso país e em todo o mundo, que contribuem para o descrédito do Espiritismo. A vaidade pessoal de médiuns, de estudiosos da doutrina e até mesmo de intelectuais de valor inegável, estes sempre dispostos a criticar e a superar Kardec, tem levado essas pessoas ao ridículo, inutilizando-as para o verdadeiro trabalho de divulgação e orientação. Essas instruções devem ser lidas e meditadas pelos que desejam realmente servir à causa espírita.”

 
Assim sendo, prezado leitor, se desejamos estar aptos a seguir a causa espírita, levemos em consideração tais instruções, precavendo-nos, assim, dos engodos que dão o ar da graça em nosso meio. Somente o estudo atento das obras kardecianas, somados ao desenvolvimento do senso crítico alicerçado na mais severa lógica, pode imunizar-nos desses vírus inoculados pelos inimigos secretos do Espiritismo e do bem geral. Amar ao próximo não é somente aliviar suas dores, mas preveni-las, e isso começa por libertá-lo de tudo que conduza ao erro e à ilusão, que, consequentemente, levará ao sofrimento. Na ignorância repousa a origem de todo o mal.

 
 
 
Fonte: http://espiritismoxramatisismo.blogspot.com.br/2013/01/o-destino-dos-animais-e-questao-do-cao.html?m=1

sábado, 12 de janeiro de 2013

Atualização de Cultura



Por Deolindo Amorim
 

Não é de hoje que nos preocupamos com este assunto no movimento espírita. Ainda há pouco tempo, em palestra proferida na “Mocidade Espírita do Estado de São Paulo”, cujo ambiente nos causou a melhor impressão possível, fizemos ver (e não dissemos com isto nenhuma novidade, bem o sabemos) que o Espiritismo é uma doutrina bastante arejada para nos fazer compreender certos fenômenos da nossa época.
 

Todavia, e nunca é demais insistir neste ponto, é indispensável que os responsáveis pela divulgação e apresentação da Doutrina procurem se atualizar, principalmente em relação às mais frisantes exigências do momento. A cultura desatualizada, ainda que tenha grande lastro de erudição, corre o risco de ficar estagnada diante de fatos novos. Muita gente pensa que a condição de espírita nos afasta do mundo ou nos põe completamente à margem das aquisições científicas e das descobertas do pensamento. Pensar assim é colocar-se em contraposição ao próprio espírito progressivo da Doutrina.


Se o Espiritismo não teme as descobertas da Ciência, como disse Allan Kardec, certamente os seus adeptos mais esclarecidos, os seus propagadores mais convictos devem acompanhar as atividades culturais, notadamente nos campos que ofereçam mais elementos de confronto com o Espiritismo. Não se deve, pois, abandonar a curiosidade intelectual, que é uma necessidade do espírito, é um meio de se ficar em dia, tanto quanto possível, com a evolução geral dos conhecimentos e das ideias.
 

Já se vê, portanto, que o Espiritismo, já pela sua estrutura, já pelas suas consequências, não pode ser limitado por uma concepção qualquer, como se realmente temesse os desafios da Ciência e do raciocínio claro. O Espiritismo é uma doutrina de natureza transitiva, porque procura comunicação com o mundo exterior a fim de interpretar os fenômenos da vida e da cultura em todos os seus aspectos. Não é, nem poderia ser uma doutrina hermética, nem muito menos devocional.


Todas as revoluções científicas, na Biologia como na Psicologia, na Astronomia como na Física, e assim por diante, interessam ao Espiritismo, uma vez que a sua doutrina estuda “um dos elementos constitutivos do Universo” e, por isso mesmo, “toca forçosamente na maior parte das ciências”. Quem o afirma é ainda Allan Kardec (“A Gênese”, cap. I, item 18). Estamos vendo, assim, que o Codificador encara o Espiritismo através de uma perspectiva universalista, sempre com o sentido de conjunto, pois a Verdade não é exclusivista nem se configura por inteiro dentro de um compartimento ou de um sistema de ideias. A Verdade manifesta-se em várias direções do espírito, e de vários modos, através de uma rede infindável de experiências e contribuições.
 

O Espiritismo tem, portanto, uma visão global do conhecimento. Dentro dessa concepção, que transcende a toda e qualquer posição unilateral, podemos muito bem considerar certos fenômenos à luz da Doutrina Espírita, ainda que esses fenômenos ocorram em searas estranhas. Não nos esqueçamos de que o Espiritismo tem relação com diversas ciências.


Se, por exemplo, surge um conceito novo de matéria, devido a uma pesquisa especial ou revolucionária, podemos e devemos testar esse conceito com o Espiritismo e verificar, depois disso, se há realmente alguma novidade ou se advém daí algum enriquecimento para a Doutrina. Há ocasiões em que certas novidades são apenas rótulos, mas também há ocasiões em que se colhe alguma coisa interessante para aumentar o cabedal que a doutrina já consagrou no tempo e no espaço; o que não está certo, o que não é atitude espírita é ignorar um fenômeno ou não tomar conhecimento de uma descoberta científica, seja lá onde for, venha por quem vier, desde que nesse fenômeno ou nessa descoberta haja um aspecto positivo, haja um ponto de interesse para o Espiritismo. Até mesmo no campo do materialismo — e nisto se vê a liberalidade e amplitude do Espiritismo — se aparecer uma verdade ou se alguém revelar um fato novo, essa verdade ou esse fato deve merecer a nossa atenção.


O Espiritismo não pode ignorar a desintegração atômica, como não pode ficar indiferente às viagens interplanetárias nem deve permanecer alheio às investigações da Parapsicologia ou de qualquer outra escola que estude o psiquismo humano, apesar das divergências de interpretação.


Cabe ao Espiritismo, nesta mesma ordem de ideias, mostrar os exageros e os equívocos da Psicanálise, mas não deve tomar atitude hostil ou repelir a investigação psicanalítica, a não ser quando essa investigação se desgarra do verdadeiro espírito científico, Enveredando pela desonestidade ou pelos recursos interesseiros. Fora disto, no terreno elevado ou imparcial da perquirição científica, o Espiritismo não pretende condenar coisa alguma, porque lhe cumpre observar e analisar sempre. Este, na realidade, é o espírito da Doutrina. Cabe, agora, aos seus adeptos a parte de execução, que é nada mais nada menos, a afirmação desse espírito em seus comportamentos perante as solicitações da cultura e as circunstâncias da vida.
 

Se aparece uma teoria nova, por mais discrepante que ela se nos afigure, o que devemos fazer é examiná-la, criticá-la se for necessário, mas nunca devemos chegar ao extremo das reprovações inquisitoriais, pois o Espiritismo também não receia a luz de nenhuma teoria ou ideia renovadora. Em nenhum caso, fosse qual fosse o pretexto, seria admissível o imprimatur no meio espírita.
 

O campo das ideias deve ser livre, tanto quanto é livre o campo da crítica e da discordância. Não importa que uma obra venha do Alto ou tenha origem terrena, pois todas as ideias, qualquer que seja a fonte ou o veículo, podem ser criticadas ou rejeitadas. Fora disto, não compreendemos o comportamento espírita.



Se assim procedemos, ou devemos proceder, em consonância com o caráter da Doutrina, é claro que temos condições para resistir a quaisquer teorias ou mensagens fantasiosas, evitando o perigo de se incorporar à Doutrina, como se com ela estivesse de completo acordo, o fruto de simples suposições particulares, tanto faz de espírito desencarnado como encarnado.


Justamente por isso é que nos preocupamos, há muito, com a atualização da cultura no meio espírita, a fim de evitar que certas terminologias impressionantes ou certas ideias fascinantes sejam aceitas em nosso meio como revelações incontestáveis ou como realizações científicas.
 

Duas necessidades, portanto, se impõem cada vez mais em nosso movimento: estudo sério da obra de Allan Kardec e atualização dos conhecimentos gerais, para que se compreenda bem a solidez do Espiritismo em face das revoluções científicas de nossa época. O Espiritismo, com isto, se tornará ainda mais respeitado e nunca deixará de ser, ao mesmo tempo, uma fonte de consolações e esperanças.
 

 

Fonte: http://viasantos.com/pense/artigos.html