quinta-feira, 28 de junho de 2012

AS LIÇÕES DE KARDEC AO CRÍTICO




Por Maria das Graças Cabral


Quando Kardec escreveu e publicou o livro “O que é o Espiritismo” em 1859, tinha como proposta apresentar “num rápido esboço“, o esclarecimento de questões fundamentais, que constantemente vinham à baila. Diante do objetivo proposto para obra, J. Herculano Pires esclarece que Kardec aplica na sua execução o seu “agudo senso de professor formado na escola pestaloziana e orientado pela disciplina e o rigor lógico do pensamento francês”. Com essa formação e estilo, imprimiu a forma decisiva e disciplinada no campo do conhecimento espírita.


A organização do livro se fez da seguinte forma: o primeiro capítulo sob a forma de diálogos, onde Kardec responde às objeções mais comuns da parte dos que desconhecem os princípios fundamentais da doutrina espírita, bem como a refutação dos principais argumentos de seus contraditores; o segundo capítulo apresenta um resumo do Livro dos Médiuns, esclarecendo falsas idéias que se formam em razão do desconhecimento; e o terceiro e último capítulo que traz um resumo do Livro dos Espíritos. O presente texto se deterá apenas ao diálogo travado entre Allan Kardec e o Crítico. 


Inicialmente, faz-se por oportuno ressaltar o comportamento prepotente do visitante (crítico), que procurava Kardec objetivando que este o convencesse da realidade dos fenômenos mediúnicos, posto que na sua convicção tudo não passava de pura imaginação, e/ou trapaça.


O crítico acreditava que sua opinião era de grande relevância para o espiritismo. Informava estar escrevendo um livro que segundo sua opinião, ao ser publicado poderia destruir de vez a doutrina espírita. Tal fato poderia ser evitado, caso o interlocutor fosse convencido por Kardec da veracidade dos fenômenos mediúnicos. No caso, sua opinião levaria respeito e credibilidade à doutrina.


Na realidade, queria ser convencido! Considerava-se uma pessoa importante, tendo sua opinião um grande peso para o público, e caberia a Kardec permitindo a sua participação em uma ou duas reuniões experimentais na Sociedade de Paris, fazer com que viesse a mudar de opinião.


Oportuno conferir as palavras iniciais do visitante, quando se reporta ao mestre da seguinte forma: - “Digo-lhe, senhor, que minha razão se recusa a admitir a realidade dos fenômenos extraordinários atribuídos aos Espíritos que, estou persuadido, existem apenas na imaginação. Entretanto, temos que nos inclinar ante a evidência; e isso eu faria se tivesse provas incontestáveis. Venho, pois, solicitar de sua bondade a permissão para assistir, não desejando tornar-se indiscreto, pelo menos a uma ou duas experiências que me convencessem, se isso for possível.”


Vale observar que o crítico alegava que sua razão não admitia a realidade dos fenômenos, levando-o a crer que não passavam de fatos imaginários. Não obstante, se houvessem provas incontestáveis, ele se curvaria às evidências. Insistia que para isso, seria suficiente assistir a uma ou duas sessões experimentais...


Allan Kardec se depara no caso em tela, com uma personalidade prepotente e totalmente ignorante dos princípios espíritas, que se arvorava de crítico do espiritismo! Diante do arrogante interlocutor, o Codificador dá uma lição de equilíbrio emocional, educação, rigor e clareza nas respostas.


Kardec começa argumentando que se a “razão” do crítico se recusa a admitir fatos considerados pelos espíritas como irrecusáveis, é porque tem a sua razão em alta conta, se sobrepondo às convicções de todas as outras pessoas que pensam de forma diferente. Diante de tal fato, não caberia, portanto mais nenhum tipo de diálogo.


Entretanto, o interlocutor propõe que o Mestre procure convencê-lo, posto que, na condição de conhecido antagonista de Kardec, o seu convencimento “constituiria um milagre favorabilíssimo” à causa espírita.


A argumentação do Codificador passa primeiramente pela “desconstrução” do que o oponente considera como um “milagre” favorável à causa espírita. Assevera ao interlocutor que, não seriam apenas uma ou duas sessões suficientes para que este tivesse o real conhecimento do fenômeno mediúnico. Além do que, as reuniões experimentais que organizava, não objetivavam satisfazer a curiosidade, nem muito menos forçar o convencimento de ninguém. Acrescenta que, em relação aos antagonistas com convicções arraigadas, não daria “um passo para desviá-los”, pois não tinha o menor interesse em fazer prosélitos.


Kardec, de forma clara e direta diz ao crítico que aprendeu com o Espiritismo a “dar pouco valor às mesquinhas suscetibilidades do amor próprio,”, pois “aprendeu a não se ofender com palavras“. Caso as palavras do interlocutor viessem a ultrapassar os limites da cortesia e decência, concluiria apenas que este não passava de um homem mal educado, preferindo não partilhar dos defeitos alheios. (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 14)


Depois de deixar claro que não teria o menor interesse em convencer o visitante, o Mestre adverte-o que caso tivesse a pretensão de se colocar na condição de crítico do espiritismo, deveria antes de mais nada, tornar-se um profundo conhecedor deste. O Codificador preceitua que o crítico não pode limitar-se a dizer que determinada coisa é boa ou má. A condição sine qua non que justificaria e daria credibilidade à sua opinião, passaria pelo estudo profundo da matéria, que o levaria ao conhecimento dos princípios doutrinários objeto da critica.


Pretendendo firmar seu posicionamento, indaga ao interlocutor, como poderia este criticar os fenômenos espíritas, se desconhecia os postulados que os justificavam e serviam de esteio? Acrescenta que “cada qual é perfeitamente livre de aprovar ou desaprovar os princípios do Espiritismo, de deduzir deles as conseqüências boas ou más que lhe aprouverem. Mas a consciência impõe um dever a todo crítico honesto: o dever de não dizer o contrário daquilo que realmente é. Ora, para isso, a primeira condição é calar sobre o que ignora.” (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 19)


Adiante surge outra questão relevante no diálogo, quando o crítico se diz persuadido de que os fenômenos das mesas girantes, as pancadas, psicografias, não passavam de embuste. Kardec indaga de pronto, quanto este pagou para apreciar o espetáculo. Responde-lhe o interlocutor que nada foi cobrado por parte dos charlatães.


O Mestre refuta mais uma vez o equívoco do visitante, chamando-lhe a atenção para o fato de que nunca tinha visto charlatães desinteressados, esclarecendo-o que mesmo que haja “uma manobra fraudulenta positivamente constatada, o fato nada prova contra a realidade do princípio. Basta levar-se em conta que tudo é passível de abuso.” (O que é o Espiritismo - Cap. I, pag. 18) Ou seja, não se pode generalizar que em todos os fenômenos haja fraude. Que todos os médiuns sejam charlatães, movidos pelo simples prazer de vivenciar o embuste e que, por conseguinte não existiriam fenômenos mediúnicos, sendo tudo mera armação!


Kardec mais uma vez de forma direta e educada, esclarece ao interlocutor que trata de forma diferenciada o incrédulo por ignorância do incrédulo sistemático, pois sempre que percebia as “disposições favoráveis” de alguém, tinha prazer em esclarecê-lo. Não obstante, não perderia seu tempo com aqueles que apresentassem apenas a falsa aparência do desejo de aprender.


Orienta o crítico a instruir-se primeiramente pela teoria, e preceitua: “Leia as obras que tratam da ciência e medite. Nelas encontrará os princípios fundamentais, a descrição de todos os fenômenos.” 


Diante do exposto, podemos constatar que Kardec não se preocupava em firmar convencimento de quem não estava intimamente interessado em compreender os preceitos espíritas. O Codificador não tinha o menor interesse de alimentar a curiosidade de ninguém, nem de fazer prosélitos. Também não temia a crítica dos antagonistas, pois confiava na força da Doutrina dos Espíritos.


Em várias oportunidades o Mestre foi categórico na necessidade do estudo sério dos preceitos espíritas, começando pela análise teórica. Isto porque, no seu entendimento para a organização das sessões experimentais fazia-se imprescindível a compreensão de toda a dinâmica dos fenômenos mediúnicos. Para tanto o conhecimento doutrinário daria toda a segurança e confiabilidade para lidar com a complexidade que envolve o processo mediúnico.


Referência Bibliográfica

Kardec, Allan. O Que é o Espiritismo. Editora Lake. SP-SP. 26ª edição. 2001.




domingo, 24 de junho de 2012

A Formação dos Participantes de Sessões Experimentais Segundo Allan Kardec

Por Maria das Graças Cabral

Para tratar do tema proposto, importante pontuar que foi através do processo mediúnico que os Espíritos Superiores trouxeram ao mundo toda uma doutrina de caráter filosófico e moral, objetivando alavancar o progresso do espírito humano. Não obstante, o fenômeno mediúnico não foi algo inédito, irrompido nos albores do século XIX com suas mesas girantes e falantes, posto que, desde tempos longínquos se tem notícias de fatos considerados como sobrenaturais, maravilhosos, fantásticos.


A título de exemplo, pode-se observar em diversas passagens da Bíblia católica e protestante, o relato da “aparição de anjos“, as famosas “profecias,” dentre outros fenômenos de efeitos materiais, como os acontecidos através de Moisés, líder do povo hebreu. No Novo Testamento, também em várias oportunidades, os evangelistas relatam a ocorrência de fatos mediúnicos. Em alguns é Jesus o protagonista, quando ordena o afastamento de espíritos inferiores do jovem possesso, ou quando é visto falando com Moisés e Elias, já mortos e materializados no monte Tabor, dentre outras passagens evangélicas.

Além dos relatos bíblicos, é fato que os fenômenos mediúnicos permeiam a história dos povos em todos os tempos. Quem nunca ouviu falar das famosas “casas mal assombrada” e seus “fantasmas“? Quem nunca ouviu relatos, ou não vivenciou a experiência de ter visto, ouvido ou mesmo sonhado com alguém que já morreu e ter nítida sensação do encontro? Quem não ouviu falar, ou vivenciou em sua própria casa, movimento de móveis, gavetas, batidas de portas sem a interferência do vento, atividades na cozinha com louças e talheres, passos, ruídos nas escadas, vozes e conversas, os famosos “balançar de redes”, vultos que atravessam cômodos, ou apenas observam, dentre muitas outras ocorrências? Entretanto, tais relatos e experiências eram e ainda são na atualidade, relegados à condição de lendas, fatos sobrenaturais ou mera ilusão.

No que concerne aos homens, mulheres, e crianças que viam, ouviam ou provocavam tais fenômenos, eram tidos como profetas, bruxos (as), endemoniados (as), loucos (as). A história nos conta o destino de milhares deles e delas que foram mortos nas fogueiras, nas forcas e guilhotinas, quando não, afastadas da sociedade juntamente com os portadores de lepra, ou presos até a morte nos manicômios. Hodiernamente, muitas são as pessoas que evitam relatar suas experiências mediúnicas temendo serem desacreditadas e/ou consideradas, loucas, esquizofrênicas, tolas e impressionáveis.

Não obstante, o gênio investigativo de Allan Kardec fez uma leitura diferenciada e profunda dos fenômenos que apenas despertavam espanto e/ou distraiam os homens e mulheres do século XIX, alcançando uma dimensão muito maior da que era percebida pelos demais. E assim, através das comunicações mediúnicas foi erguido todo o complexo doutrinário espírita.

Na realidade o trabalho sério e dedicado do grande Mestre, trouxe a lume uma das leis da natureza, que estabelece o intercâmbio entre o mundo material e o mundo espiritual. Ou seja, inexiste essa concepção de “sobrenatural“, pois Deus não derroga as suas leis eternas e imutáveis. A humanidade é que até então desconhecia que os fenômenos considerados maravilhosos e inexplicáveis, eram provocados pelos Espíritos dos homens que não mais habitavam o corpo material, e procuravam se comunicar com a humanidade encarnada.

Assim sendo, o Codificador através da observação e dos ensinamentos ministrados pelos próprios Espíritos, estabeleceu como um dos princípios da doutrina espírita, “a aceitação da existência, sobrevivência e individualidade da alma,” afirmando que enquanto o Espiritualismo em geral oferece a demonstração teórica dogmática, é o Espiritismo que apresenta a demonstração experimental. (LM, Cap. I, 1)

Além da certeza da existência e sobrevivência do Espírito, ficou clara a interação das inteligências encarnadas e desencarnadas. Segundo as palavras dos Espíritos Superiores “a alma é um Espírito que pensa” e muitos pensamentos que nos ocorrem, “a um só tempo, sobre o mesmo assunto, freqüentemente contraditórios”, demonstram a interferência de um pensar divergente dos nossos. (LE, perguntas 459/460)

Portanto, na condição de Espíritos encarnados que pensam, estamos todos influenciando e sendo influenciados pela população de Espíritos desencarnados “que nos envolve e no meio do qual vivemos rodeados por ela.” (LM, Cap. I, 2)

Em face da grandiosidade dessas verdades, e orientado pelos grandes Mestres Espirituais, Allan Kardec dedicou todo um trabalho de aprofundamento e sistematização para o estudo e compreensão de toda a dinâmica do processo mediúnico. As experiências vivenciadas e consideradas de relevância para o esclarecimento dos espíritas foram publicadas na Revista Espírita, e o maior tratado sobre mediunidade foi positivado em O Livro dos Médiuns.

É nessa obra grandiosa, que Kardec ao tratar do Método para o estudo da mediunidade estabelece: “Dissemos que o Espiritismo é toda uma Ciência, toda uma Filosofia. Quem desejar conhecê-lo seriamente deve, pois como primeira condição, submeter-se a um estudo sério e persuadir-se de que, mais do que qualquer outra ciência, não se pode aprendê-lo brincando. O Espiritismo já o disse se relaciona com todos os problemas da Humanidade. Seu campo é imenso e devemos encará-lo, sobretudo quanto às suas conseqüências. A crença nos Espíritos constitui sem dúvida a sua base, mas não basta para fazer um espírita esclarecido, como a crença em Deus não basta para fazer um teólogo.” (LM, Cap. III, 18)

Portanto, é inconcebível que um espírita que se proponha a participar como membro de uma sessão experimental, não tenha estudado refletido, compreendido e internalizado o que foi proposto pelos Espíritos Superiores e codificado por Allan Kardec nas Obras Fundamentais da Doutrina dos Espíritos.

A esse respeito, o Mestre orienta o estudo prévio da teoria, pois tem a vantagem de mostrar imediatamente a grandeza do objetivo e o alcance desta Ciência. Acentua que os que crêem sem ter visto, porque leram e compreenderam, ao invés de superficiais são os mais ponderados, pois “ligando-se mais ao fundo que à forma, o aspecto filosófico é para eles o principal, e os fenômenos propriamente ditos são apenas o acessório. (...) As manifestações corroboram, a confirmam, mas não constituem um fundamento essencial.” (LM, Cap. III, 32)

Adiante, reportando-se àqueles que desejarem adquirir os conhecimentos preliminares espíritas, aconselha o estudo obedecendo à seguinte ordem: 1º) O que é o Espiritismo; 2º) O Livro dos Espíritos; 3º) O Livro dos Médiuns e 4º) a Revista Espírita, que segundo o Codificador “traz uma variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos destacados que completam a exposição das duas obras precedentes, e que representa de alguma maneira a sua aplicação. Sua leitura pode ser feita ao mesmo tempo em que a daquelas obras, mas será mais proveitosa e mais compreensível, sobretudo após a de O Livro dos Espíritos.”

Kardec deixa claro como pressuposto para o efetivo trabalho mediúnico, que haja uma compreensão prévia dos “fatos espíritas”, para só então participar-se das “sessões experimentais”, pela necessidade de pessoas “suficientemente preparadas” para compreender o que se passa.

O Codificador em outra oportunidade reafirma: “Por isso dizemos que quem estudar seriamente esta ciência deve aprofundar-se bastante e durante longo tempo, pois só o tempo lhe permitirá perceber os detalhes, notar as nuanças delicadas, observar uma infinidade de fatos característicos que serão como raios luminosos. Mas se permanecer na superfície expõe-se a julgar prematuramente e, portanto de maneira errônea.” (LM, Cap. IV, 46) Diante do exposto, fica claro que o estudo se faz imprescindível em face da grande complexidade que envolve o processo mediúnico. O trabalhador despreparado não terá condições para racionalmente analisar as comunicações, confrontá-las com os ensinamentos dos Espíritos Superiores positivados nas obras fundamentais, e assim descartar o que é verdadeiro do que se trata de pura mistificação.

Faz-se por oportuno pontuar outra problemática que comprometerá grandemente a qualidade das reuniões. Trata-se dos vícios morais próprios dos Espíritos imperfeitos vinculados ao planeta Terra, e que participarão da sessão na condição de encarnados e desencarnados.

Diz o Espírito Erasto em O Livro dos Médiuns que “se o médium é de baixa moral, os Espíritos inferiores se agrupam em torno dele e estão sempre prontos a tomar o lugar dos bons Espíritos a que ele apelou.” Acrescenta que “todas as imperfeições morais são portas abertas aos Espíritos maus, mas a que eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é essa a que menos a gente se confessa a si mesmo. O orgulho tem posto a perder numerosos médiuns dotados das mais belas faculdades que, sem ele, seriam instrumentos excelentes e muito úteis.” (LM, Cap. XVIII, 228)

Adiante diagnostica que a “confiança absoluta na superioridade das comunicações obtidas, desprezo pelas que não vierem por seu intermédio, consideração irrefletida pelos grandes nomes, rejeição de conselhos, repulsa a qualquer crítica, afastamento dos que podem dar opiniões desinteressadas, confiança na própria habilidade apesar da falta de experiência - são essas as características dos médiuns orgulhosos.” (LM, Cap. XVIII, 228)

Finalmente encerra afirmando que “se um médium, seja qual for, por sua conduta ou seus costumes, por seu orgulho, por sua falta de amor e de caridade, der um motivo legítimo de suspeição, rejeitai, rejeitai as suas comunicações, porque há uma serpente oculta na relva. Eis a minha conclusão sobre a influência moral dos médiuns.” (LM, Cap. XVIII, 229)

Diante do exposto, fica claro que para que se organize um grupo confiável que desenvolva a parte experimental da doutrina espírita, exige-se estudo doutrinário efetivo nos moldes estabelecidos por Allan Kardec em O Livro dos Médiuns. Além do mergulho na doutrina, faz-se necessário todo um trabalho pessoal e verdadeiro no que concerne aos pontos mais vulneráveis da moralidade de cada um - ressalvando-se a questão do orgulho e suas conseqüências devastadoras para o labor desenvolvido. De acordo com os ensinamentos do Espírito de Erasto resumidamente transpostos acima, este aspecto é também de fundamental importância para que se alcance o objetivo de instrução e auxílio de encarnados e desencarnados.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A QUESTÃO RELIGIOSA NO ESPIRITISMO


Por Eugenio Lara

 

Atendendo à solicitação do coordenador do Espirit Book, Henrique Ventura Regis, pretendo expor aqui, de modo sintético e amparado no pensamento de Allan Kardec, o que penso sobre a chamada questão religiosa no movimento espírita.


 

Afinal, o Espiritismo é ou não é religião? Tema complexo, apaixonante, tão antigo quanto o Espiritismo, tornou-se recorrente e motivo de discórdia, de cisão e de posturas sectárias. Tanto que, nos anos 1980, o movimento espírita se viu dividido entre duas posições antagônicas, a dos espíritas religiosos e a dos não-religiosos. Ruptura semelhante à que ocorreu entre os espíritas místicos e os espíritas científicos, no Brasil do século 19. Essa divisão ainda prossegue, sem que possamos vislumbrar algum tipo de consenso.


 

Todavia, ninguém melhor do que o fundador do Espiritismo para defini-lo. E ele o fez diversas vezes, em vários momentos de sua obra. Apesar da evidente vinculação doutrinária ao cristianismo, Allan Kardec rechaçou de modo veemente o suposto caráter religioso do Espiritismo e condenou o uso da palavra religião para classifica-lo, devido ao seu duplo sentido: de laço e de culto.



Quem primeiro levantou esse tema foi o Abade Chesnel, ao considerar que havia “uma nova religião em Paris”, que deveria ser combatida e reprimida. Através da Revista Espírita, Kardec rebateu a tese do Abade, também expondo-a de forma didática em O Que é o Espiritismo, no debate com o Padre.


 

Allan Kardec insistiu em definir o Espiritismo como uma ciência de observação, de consequências morais, como qualquer ciência ou forma de conhecimento. A seguir, iremos transcrever de suas obras uma série de pensamentos do Druida de Lyon, a fim de observarmos que ele não vacilou nessa questão e sempre procurou deixar claro, de modo bem didático, o que pensava a respeito do caráter e da natureza da doutrina espírita.


 

O Que é o Espiritismo


“O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos e de suas relações com o mundo corporal.” (p. 44)


“O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência e não se ocupa das questões dogmáticas. Essa ciência tem consequências morais, como todas as ciências filosóficas.” (p. 102)


“O seu verdadeiro caráter é, portanto, o de uma ciência e não o de uma religião.” (p. 103)


“O Espiritismo conta entre os seus partidários homens de todas as crenças, que nem por isso renunciam às suas convicções: católicos fervorosos, protestantes, judeus, muçulmanos, e até budistas e hindus.” (p. 103)


“O Espiritismo não era mais que simples doutrina filosófica; foi a própria Igreja que o proclamou como nova religião.” (p. 100)


“Não somos ateus, porém não implica isso que sejamos protestantes.” (p. 104)


Só “existem duas coisas no Espiritismo: a parte experimental das manifestações e a doutrina filosófica.” (p. 95)


“Sem ser em si mesmo uma religião, o Espiritismo está ligado essencialmente às idéias religiosas.” (p. 116)


A Gênese


“É, pois, rigorosamente exato dizer que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação.” (p. 20)


“O Espiritismo é uma revelação (...) na acepção científica da palavra.” (p. 19)


“O Livro dos Espíritos, a primeira obra que levou o Espiritismo a ser considerado de um ponto de vista filosófico, pela dedução das consequências morais dos fatos.” (p. 40 - Nota de rodapé)


“As religiões hão sido sempre instrumentos de dominação.” (p. 17)


O Espiritismo em Sua Expressão Mais Simples


“Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões.” (p. 27)


“Homens de todas as castas, de todas as seitas, de todas as cores, sois todos irmãos.” (p. 39)



Há dezenas de outras afirmações de Allan Kardec que poderiam ser aqui citadas, mas não seriam suficientes para fechar a questão. Há fatores antropológicos, sociológicos, psicológicos e históricos a serem contemplados. Estudos recentes no campo da antropologia social demonstram o caráter religioso do Espiritismo brasileiro. O Espiritismo é uma religião, uma forma de culto, foi assim que ele se desenvolveu historicamente. Não há como negar.



Pensadores espíritas de grande envergadura, como Carlos Imbassahy e Herculano Pires, admitiram o caráter religioso do Espiritismo, como uma doutrina de tríplice aspecto (ciência, filosofia e religião), idéia semelhante ao “triângulo de forças espirituais” do espírito Emmanuel.



Apoiado na conceituação do filósofo francês Henri Bergson, Herculano desenvolveu uma interessante tese da religião como fator natural, dinâmica, a chamada religião natural, em uma conceituação próxima à do iluminista francês Rousseau e do pedagogo suíço Pestalozzi, mestre de Rivail.



Por sua vez, pensadores espíritas outros como David Grossvater, Jon Aizpúrua, Jaci Regis e Krishnamurti de Carvalho Dias, apoiados no humanismo kardequiano e no laicismo espírita, conduziram seu pensamento rumo a uma concepção laica, não-religiosa do Espiritismo. O segmento não-religioso é minoria, mas bastante expressivo, dinâmico, aberto ao debate e às novas idéias.



Na dúvida, ficamos com Allan Kardec. Como vimos, ele rechaçou a idéia de uma religião espírita. Rejeitou a palavra religião para definir o Espiritismo. Não há como negar esse fato.



Afinal, quem estará com a razão? Difícil dizer. O tempo dirá...


 

 

OBRAS CITADAS


KARDEC Allan - O Que é o Espiritismo, trad. Joaquim da Silva Sampaio Lobo in Iniciação Espírita, 5ª ed. São Paulo-SP [Edicel].

KARDEC Allan - O Espiritismo na sua Mais Simples Expressão, trad. Joaquim da Silva Sampaio Lobo in Iniciação Espírita, 5ª ed. São Paulo-SP [Edicel].

KARDEC Allan - A Gênese, trad. Guillon Ribeiro, 36ª ed. Rio de Janeiro-RJ [FEB].

KARDEC Allan - Revista Espírita, trad. Júlio Abreu Filho, 1ª ed. São Paulo-SP [Edicel].


 

 

Fonte: Espirit Book - http://www.espiritbook.com.br/profiles/blogs/a-questao-religiosa-no

  


domingo, 17 de junho de 2012

A REORGANIZAÇÃO DO ESPIRITISMO



Por Maria das Graças Cabral


A Doutrina dos Espíritos foi codificada e positivada por Allan Kardec em meados do século XIX. À época com grande satisfação asseverava o Codificador em várias oportunidades, que eram numerosos os espíritas disseminados por todos os países. O espiritismo avançava a passos largos!
 
Passados mais de um século do desencarne do Codificador, e vivenciando a primeira década do século XXI, pode-se lançar as seguintes indagações: - Afinal, o Espiritismo se propagou e se consolidou no mundo contemporâneo e globalizado? Seus princípios foram difundidos de forma célere e efetiva? Temos um grande número de escolas, e universidades espíritas ensinando espiritismo mundo afora? O Brasil, estatisticamente considerado o maior reduto de espíritas do mundo, cumpre seu papel de divulgador fiel do Espiritismo?
 
Para tais questionamentos podemos afirmar de pronto e objetivamente, que a Doutrina Espírita, não se propagou nem se consolidou pós desencarne de Allan Kardec. Na França, berço da Sociedade de Paris, segundo narrativa de Gélio Lacerda da Silva “a Revista Espírita, caiu nas mãos do seu gerente Pierre Gaëtan Leymarie, que por seu excessivo espírito de tolerância, desvirtuou a finalidade da Revista, abrindo suas páginas à propaganda de filosofias espiritualistas, inclusive à de Roustaing, que diverge do Espiritismo. Além disso, lamentavelmente, o Sr. Leymarie se deixou enganar por um fotógrafo fraudulento, que lhe custou um ano de prisão, com danosas conseqüências para o Espiritismo, na França, tanto que, com esse triste episódio, espírita na França, passou a ser sinônimo de "escroque" (trapaceiro, vigarista, velhaco, caloteiro...)" citando o autor como fonte de consulta o livro "Allan Kardec" de autoria de Zeus Wantuil e Francisco Thiesen, 1ª edição da FEB, vol. III, pág. 225.
 
Nos demais países europeus, o espiritismo tomou rumos diversos, até seu total desaparecimento na poeira dos tempos. Da mesma forma aconteceu na América do Norte, reduto dos fenômenos de Hydesville, dentre muitos outros.
 
No que concerne ao Brasil, segundo as palavras de Gélio temos “um sincretismo religioso de ideologias conflitantes, um misto, ou melhor, uma miscelânea de espiritismo, roustainguismo, ubaldismo, umbandismo. Sim, até umbandismo, porque, para a Diretoria da FEB, onde há mediunismo, há também espiritismo (Reformador, 16/10/26), enfim, um saco de gatos..." (Gélio Lacerda da Silva, "Conscientização Espírita", págs. 108 a 114).
 
Não obstante, Allan Kardec muito prezou em evitar que o espiritismo se transformasse em mais uma religião dogmática e mística, por ser segundo suas palavras uma doutrina filosófica e moral, que tem por objetivo emancipar o espírito humano de tudo o que foi posto e imposto pelas religiões tradicionais. À esse respeito, assim se expressou o Mestre: “Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em razão de não haver senão uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma idéia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí mais que uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião se levantou.” (Revista Espírita, dezembro de 1868)
 
Entretanto, a despeito da vontade do Codificador, o espiritismo brasileiro tomou um formato religioso igrejeiro, com centros espíritas que adotam práticas ritualísticas, místicas e anti-espíritas, que vão desde os cantos religiosos, rezas (Pai-Nosso, Ave-Maria, A Prece de Cáritas), exercícios de meditação com o canto de mantras, filas para o recebimento de passes, assemelhando-se às filas de comunhão católica; águas fluidificadas que se assemelham às “águas bentas”; o funcionamento de salas de cromoterapia, de cirurgias espirituais, até a substituição das imagens dos santos católicos, pelas fotografias emolduradas de Jesus, Maria de Nazaré, Allan Kardec, Léon Denis, Bezerra de Menezes, Emmanuel, André Luiz, Chico Xavier, dentre outros, afixadas em suas paredes e fixadas pelos olhar devoto de seus freqüentadores.
 
Não obstante, além das questões de “forma”, temos as questões de “fundo”, sendo estas últimas também deturpadoras dos princípios doutrinários espíritas. A corrupção doutrinária é disseminada pela literatura e pelos palestrantes. Entretanto, considero o grande adulterador do espiritismo, os livros catalogados, editados, e distribuídos como “obras complementares” da doutrina espírita, pela Federação Espírita Brasileira (FEB) - que também utilizando-se do modelo católico se auto intitula a “Casa Mater” do Espiritismo.


Faz-se por oportuno observar, que os centros espíritas espalhados por todo o território nacional, têm a cultura de instalar em suas dependências, um local para venda ou empréstimo de livros espíritas. Por conseguinte, qualquer visitante ou novo freqüentador que adentrar às dependências do centro, vai se deparar com uma pequena ou grande livraria oferecendo os mais diversos títulos, tidos como “obras espíritas“, que vão desde os livros de auto-ajuda, até os exemplares anti-doutrinários de autores encarnados e/ou desencarnados, que se contrapõem frontalmente aos princípios espíritas.




Assim, aquele que nada sabe de espiritismo, encontrará nas prateleiras da ditas livrarias, desde Os Quatro Evangelhos de Roustaing, um grande opositor de Allan Kardec, ao místico Ramatís, passando pela coleção André Luiz/Emmanuel, psicografadas pelo famoso médium Chico Xavier, trazendo toda uma gama de informações questionáveis e em total desacordo com os preceitos espíritas.
 
Na linha romanesca, obterá os romances de Zíbia Gaspareto, as famosas Violetas na Janela, a miscelânea do Espírito Luis Sérgio, O Vale dos Suicidas, de Yvone Pereira do Amaral, além da coleção Joanna de Angelis e Manoel Philomeno de Miranda psicografados por Divaldo Pereira Franco.
 
E neste mundo literário confuso e contraditório, o visitante ou novo freqüentador poderá achar uma estante perdida ao fundo da esfuziante livraria e/ou biblioteca, com uma exposição muito comumente incompleta, de O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno, A Gênese, O que é o Espiritismo, Obras Póstumas, e talvez alguns poucos volumes da Revista Espírita!
 
Diante desta realidade, explica-se a assustadora quantidade de pessoas que se dizem espíritas e NUNCA leram sequer uma obra fundamental da doutrina Espírita, entendendo-se que o neófito ao se deparar com toda essa diversidade de livros ofertados pela instituição Espírita, acreditará por óbvio encontrar naquelas páginas o repositório de informações, e conhecimentos formalmente espíritas!
 
Agravando a situação de “fundo” da doutrina, o iniciante terá provavelmente na instituição que passa a freqüentar, como monitores, facilitadores, doutrinadores, ou expositores, pessoas despreparadas e desconhecedoras das Obras Fundamentais da Doutrina Espírita, sendo estes na sua grande maioria leitores contumazes das psicografias de Chico e Divaldo, de Ramatis, dos Tambores de Angola, do Aconteceu na Casa Espírita, e obviamente de Violetas na Janela!
 
Vale ressaltar, que na sua grande maioria, o critério de admissão para os trabalhos de dirigente de grupo, de médium ou doutrinador nas reuniões mediúnicas, é que tenha “boa vontade”, e quando muito, se arvore como leitor das famosas obras complementares - leia-se coleção André Luiz/Emmanuel! Por conseguinte, o neófito do espiritismo estará sendo formado para tornar-se o próximo divulgador mistificado e mistificador da Doutrina Espírita, levando adiante a “corrente do mal”.
 
Portanto, face ao exposto que é a constatação real do que são os centros espíritas de norte a sul do Brasil, entendo ser uma temeridade indicar em sã consciência uma instituição espírita para alguém que busque conhecer e estudar o espiritismo... E então, o que fazer?!
 
Diante do total desvirtuamento da Doutrina dos Espíritos, é fato que precisa-se urgentemente reorganizá-La, e Kardec com toda a competência quando trata do assunto, começa se reportando aos adeptos “ainda isolados sob meio a uma população hostil ou ignorante das idéias novas”. Esta é a realidade dos espíritas contemporâneos não submersos no misticismo espírita. Encontram-se isolados no meio de uma população hostil e ignorante das idéias espíritas, sendo considerados por toda a falange mística, como ortodoxos obsidiados e inimigos contumazes do espiritismo.
 
Entretanto, o Codificador orienta que tais espíritas “para começar, podem trabalhar por conta própria, impregnando-se da doutrina pela leitura e meditação das obras especiais”, ou seja, as obras fundamentais da doutrina espírita, ressalvando que “se se limitassem a colher na doutrina uma satisfação pessoal, seria uma espécie de egoísmo”. Acrescenta que “em razão de sua própria posição, têm uma bela e importante missão de espalhar a luz em seu redor”. Adverte ainda que não devemos nos deixar deter pelas dificuldades, posto que “sem dúvida encontrarão oposição, serão alvo de zombarias e dos sarcasmos dos incrédulos, da própria malevolência das pessoas interessadas em combater a doutrina; mas, onde estaria o mérito, se não houvesse nenhum obstáculo a vencer?” E assevera que “aos que forem detidos pelo medo pueril do que os outros pensariam deles, nada temos a dizer, nenhum conselho a dar.” (Revista Espírita, dezembro de 1861, Organização do Espiritismo)
 
Daí, estabelece Kardec algumas questões importantes para a formação dos grupos, dispondo que a primeira questão a ser considerada é a “uniformidade na doutrina”, significando que todos deverão seguir “a linha traçada em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns, posto que, “um contém os princípios da filosofia da ciência; o outro, as regras da parte experimental e prática“. Complementa afirmando que “estas obras estão escritas com bastante clareza, de modo a não ensejar interpretações divergentes, condição essencial de toda doutrina nova.” (Revista Espírita, dezembro de 1861, Organização do Espiritismo)
 
O segundo ponto abordado pelo Codificador diz respeito à constituição dos grupos, estabelecendo como uma das primeiras condições a homogeneidade, que segundo suas palavras, “sem a qual não haveria comunhão de pensamentos”, e acrescentando que “uma reunião não pode ser estável, nem séria, se não há simpatia entre os que a compõem; e não pode haver simpatia entre pessoas que têm idéias divergentes e que fazem oposição surda, quando não aberta.” Esclarece o mestre que “cada um pode e deve externar sua opinião; mas há pessoas que discutem para impor a sua, e não para se esclarecer.”
 
No que concerne às perturbações advindas das discussões por divergência e imposição de opiniões, diz Kardec que “as reuniões espíritas estão em condições excepcionais”, requerendo acima de tudo recolhimento. “Ora, como estar recolhido se, a cada momento, somos distraídos por uma polêmica acrimoniosa? Se, entre os assistentes, reina um sentimento de azedume e quando sentimos à nossa volta seres que sabemos hostis e em cuja fisionomia se lê o sarcasmo e o desdém por tudo quanto não concorde inteiramente com eles?” (Revista Espírita, dezembro de 1861, Organização do Espiritismo)
 
Em seguida preceitua que “num grupo sempre há elementos estáveis e flutuantes. O primeiro é composto de pessoas assíduas, que formam a base; o segundo, das que são admitidas temporária e acidentalmente. É essencial prestar escrupulosa atenção no que respeita à composição do elemento estável; neste caso, não se deve hesitar em sacrificar a quantidade pela qualidade, porque é ele que dá impulso e serve de regulador.” ( ) “Não se deve perder de vista que as reuniões espíritas, como, aliás, todas as reuniões em geral, haurem as forças de sua vitalidade na base sobre a qual se assentam; neste particular, tudo depende do ponto de partida.” (Revista Espírita, dezembro de 1861, Organização do Espiritismo)
 
Pontua Kardec que “formado esse núcleo, ainda que de três ou quatro pessoas, estabelecer-se-ão regras precisas, seja para as admissões, seja para a realização das sessões e para a ordem dos trabalhos, regras às quais os recém-vindos terão de se conformar.” (Revista Espírita, dezembro de 1861, Organização do Espiritismo)
 
Adiante adverte que a “ordem e a regularidade dos trabalhos são coisas igualmente essenciais, considerando de grande utilidade abrir cada sessão pela leitura de algumas passagens de O Livro dos Médiuns e de O Livro dos Espíritos. Segundo Kardec por esse meio, “ter-se-ão sempre presentes na memória os princípios da ciência e os meios de evitar os escolhos encontrados a cada passo na prática. Assim, a atenção será fixada sobre uma porção de pontos, que muitas vezes escapam numa leitura particular e poderão ensejar comentários e discussões instrutivas, das quais os próprios Espíritos poderão participar.” (Revista Espírita, dezembro de 1861, Organização do Espiritismo)
 
Por fim, faz-se por oportuno ressaltar as seguintes considerações feitas pelo Codificador: “Como se vê, nossas instruções se destinam exclusivamente aos grupos formados de elementos sérios e homogêneos; aos que querem seguir a rota do Espiritismo moral, visando o progresso de cada um, fim essencial e único da doutrina; enfim, aos que nos querem aceitar por guia e levar em conta os conselhos de nossa experiência. É incontestável que um grupo formado nas condições que indicamos funcionará em regularidade, sem entraves e de maneira proveitosa. O que um grupo pode fazer, outros também podem. Suponhamos, então, numa cidade, um número qualquer de grupos, constituídos sobre as mesmas bases; necessariamente haverá entre eles unidade de princípios, desde que seguem a mesma bandeira; união simpática, desde que têm por máxima amor e caridade. Numa palavra, são os membros de um a família, entre os quais não haveria concorrência, nem rivalidade de amor-próprio, já que todos estão animados dos mesmos sentimentos para o bem.” (Revista Espírita, dezembro de 1861, Organização do Espiritismo)
 
Diante do exposto, entendo que a reorganização do espiritismo passará pelo mesmo processo inicial que se deu à época de Kardec, ou seja, com a formação de pequenos grupos, livres do personalismo e do misticismo implantado no que está posto.
 
Serão esses novos grupos que estudarão a doutrina espírita tendo como fonte as obras fundamentais, e resgatarão o pensamento espírita, rechaçando os rituais, e a necessidade infantil de se eleger alguém para reverenciar e seguir!
 
Aquele que estuda a doutrina espírita, entende porque ela é libertadora. A liberdade está justamente na responsabilidade trazida pelo conhecimento. Passa-se a entender que não serão os passes, a água fluidificada, as rezas, as velas, o evangelho no lar, nem os Espíritos que nos “salvarão”! Será o trabalho solitário e árduo do nosso Espírito imortal, buscando aparar as arestas da nossa personalidade infantil, depois de compreendermos e assimilamos a dinâmica da vida ora no plano material, ora no plano espiritual.
 
Finalizando, reitero o entendimento de que será através de um movimento que estimule e propague a formação de pequenos grupos espíritas, organizados nos moldes kardecianos, tendo como componentes companheiros unidos pelo mesmo ideal, dedicados ao estudo e à divulgação do espiritismo, que teremos um novo recomeço. Precisamos acreditar como Kardec acreditou, que a doutrina espírita avançará! Para tanto, faz-se necessário exercitarmos a comunhão de pensamentos, amadurecendo e dando vida a essa idéia. Como asseverava o Codificador, o pensamento é uma força ativa que se tornará mais forte e eficiente quanto maior o número de homens e Espíritos unidos num mesmo objetivo. Esta será a “corrente do bem!”



domingo, 10 de junho de 2012

Uma análise do discurso de Kardec, em resposta ao questionamento: O Espiritismo é Religião?

(Sessão Anual comemorativa do dia dos Mortos - Sociedade de Paris, 1º de novembro de 1868)

 
 
Por Maria das Graças Cabral e Fátima Abreu

 
 
Para a análise do discurso de Kardec a respeito do questionamento se espiritismo é religião, faz-se por oportuno observar que este inicia falando da comunhão de pensamentos. De forma enfática assevera o Codificador, que ainda não apreendemos o alcance real do que seja esse mecanismo em sua plenitude.

 
Segundo Kardec: “Comunhão de pensamento quer dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento é uma força”. Não uma força puramente abstrata, sendo necessário conhecer suas propriedades “e a ação dos elementos que constituem nossa essência espiritual, e é o Espiritismo que no-las ensina“.

 
Na realidade Kardec inicia a sua exposição sobre o tema, abordando a comunhão de pensamentos, por entender que a força da doutrina espírita, está justamente nesta união que conduzirá à evolução da humanidade terrestre, desenvolvendo toda a moralidade necessária ao bem comum. Ou seja, o pensamento sempre antecede à ação. Assevera Kardec que “é pela vontade que o espírito imprime aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido. Mas, se tem a força de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser essa força sobre os elementos fluídicos que nos rodeiam!”

 
Em seguida, encaixando a importância da união de pensamentos em uma assembléia, estabelece que “se todas (assembléias) forem benéficas os assistentes experimentarão um verdadeiro bem estar, e se sentirão à vontade; mas se se misturarem alguns pensamentos maus, produzirão o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido”. Isto porque, para que as reuniões sejam benéficas e produtivas, os pensamentos devem estar harmonizados em um mesmo objetivo.

 
O mesmo ocorre com os grupos de estudos, necessários para o entendimento da Doutrina Espírita. Não olvidando da importância fundamental de um mergulho profundo na análise também de quem estuda. Porque para o Codificador “concebe-se que nas relações que se estabelecem entre os homens e os espíritos, haja, numa reunião onde reine perfeita comunhão de pensamentos, uma força atrativa ou repulsiva, que nem sempre possui o indivíduo isolado.”

 
Ainda a respeito da comunhão de pensamentos, nos alerta Kardec sobre a reciprocidade do bem comum como objetivo. Ou seja, o desejo do benefício comum neutraliza “a ação dos Espíritos maus”, advertindo ser uma tática para levar o homem ao isolamento, pois sozinho pode sucumbir ao passo, que se sua vontade for corroborada por outras vontades, poderá resistir, conforme o axioma: a união faz a força, axioma verdadeiro, tanto do ponto de vista moral, quanto do físico.”

 
Na realidade, o Mestre busca demonstrar que todas as religiões embora fundadas na comunhão de pensamentos, objetivam através da “forma” estarem “quites com Deus e com os homens.” Acrescenta que “cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por sua própria conta, e, na maioria das vezes, sem nenhum sentimento de confraternidade em relação aos outros assistentes; fica isolado em meio a multidão e só pensa no céu para si mesmo.”

 
Decepcionadas com essa realidade há pessoas que negam a utilidade das assembléias religiosas e, em conseqüência de seus templos, ou locais construídos para este fim. Não obstante, Kardec assevera que “falar assim é desconhecer a fonte e os benefícios da comunhão de pensamentos que deve ser a essência das assembléias religiosas; é ignorar as causas que a provocam.”

 
Diante de tais pensamentos, entende o Mestre que “o isolamento religioso assim como o isolamento social, conduz ao egoísmo.” E questiona: - “Qual o homem que poderá dizer-se bastante esclarecido para nada ter a aprender no tocante aos seus interesses futuros? Bastante perfeito para abrir mão dos conselhos da vida presente? Será sempre capaz de instruir-se por si mesmo? Não; a maioria necessita de ensinamentos diretos em matéria de religião e de moral, como em matéria de ciência.”

 
Kardec então nos estimula por meio do seu discurso, que independente do objetivo, o laço estabelecido por uma religião é essencialmente moral. “O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como conseqüência de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família.”

 
Então com tais argumentos, o Mestre justifica a resposta do questionamento em tela: - O Espiritismo é uma religião? Oportuno lembrar quando da Introdução de O Livro dos Espíritos, Kardec se reporta à questão da pobreza do nosso vocabulário, quando uma mesma palavra é utilizada para exprimir idéias diferentes. O mesmo problema é atribuído à questão da palavra religião, que segundo o Codificador é inseparável da de culto, despertando uma idéia de “forma” que o espiritismo não tem.

 
Diante de tantos equívocos que permeiam a Doutrina Espírita, o uso de uma palavra que representa mais de uma idéia, no caso, a palavra religião, viria segundo Kardec a transformá-la em um culto místico. “Não tendo o espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis porque simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.”

 
Daí, disserta o Codificador de como devem ser as reuniões espíritas, ressaltando que mesmo diante do recolhimento e das preces, estas não configuram assembléias religiosas. Esclarecendo: “Não se pense que isto seja um jogo de palavras; a nuança é perfeitamente clara, e a aparente confusão não provém senão da falta de uma palavra para cada idéia.”

 
Diante do exposto, o texto em questão é mais uma colaboração para o resgate do estudo das Obras Fundamentais da Doutrina Espírita, espelho do nosso entendimento como espíritos necessitados de uma melhor compreensão sobre o nosso processo evolutivo, que nos conduzirá certamente para a aceitação das diversidades.

 
Realmente, podemos concluir que Allan Kardec teve todo o cuidado de estabelecer para a doutrina espírita, o seu caráter de doutrina filosófica e moral, diferenciando dos conceitos usuais de religião. Como assevera o Codificador, a pobreza de vocabulário é que nos leva a tantas confusões interpretativas.


 
Concluindo:


1 - Kardec deixa claro da importância das assembléias de estudo observando-se a comunhão de pensamentos entre encarnados e desencarnados, buscando-se a unidade de objetivos e propósitos;


2 - Ressalta que a Doutrina Espírita não é religião por não adequar-se aos caracteres de uma religião, sendo considerada pelo Codificador como uma doutrina filosófica e moral.

O Espiritismo é uma religião?

O Espiritismo é uma religião?


 
Caros(as) leitores(as) do Blog Um Olhar Espírita. Diante de tantos conflitos e debates a cerca do tema: Afinal, o Espiritismo, é ou não é religião? Onde companheiros dedicados e estudiosos da Doutrina dos Espíritos, não conseguem chegar a um consenso sobre o assunto, pois cada um busca nos trechos das obras fundamentais ou da Revista Espírita bases para defesa de sua tese, nada melhor do que “ouvir” Kardec em seu discurso de abertura da sessão comemorativa do dia dos mortos, que aconteceu na sociedade de Paris em 1º de novembro de 1868. Importante lembrar, que à época do referido discurso, o Mestre já tinha suas idéias bem definidas à respeito da Doutrina Espírita, posto que, no ano seguinte já aconteceria o seu desencarne.


 

“Ouvir” Kardec, significa nos revestirmos de humildade para aceitar que nenhum de nós sabe mais de Espiritismo do que ele, que é o Codificador, e que esteve em relação direta com o Espírito da Verdade, que a tudo comandava e controlava. Para “ouvir” e “compreender” os ensinamentos do Mestre, devemos estar de “coração aberto” e sem “espírito de sistemas“, como preconizava o Codificador.


 

É sabido, que diante de um mesmo texto ou de um discurso, serão várias as percepções e interpretações daqueles que o lêem, ou ouvem. Portanto, “ouçamos” com atenção as palavras de Allan Kardec, especialmente direcionada à nós espíritas, e não abandonemos o discurso antes do fim, para que possamos alcançá-lo!

 

Sessão Anual Comemorativa do dia dos Mortos

(Sociedade de Paris, 1º de novembro de 1868)

DISCURSO DE ABERTURA PELO SR. ALLAN KARDEC

"Onde quer que se encontrem duas ou três pessoas reunidas em meu nome, aí estarei com elas.” (S. Mateus,18:20.) Caros irmãos e irmãs espíritas, estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para darmos àqueles irmãos nossos que deixaram a Terra um testemunho particular de simpatia, para continuarmos as relações de afeição e de fraternidade que existiam entre eles e nós, quando eram vivos, e para invocarmos sobre eles a bondade do Todo-Poderoso. Mas, por que nos reunirmos? Não podemos fazer em particular o que cada um de nós propõe fazer. A primeira parte deste discurso é tirada de uma publicação anterior sobre a Comunhão de pensamentos, mas que era preciso relembrar, por causa de sua ligação com a idéia principal em comum. Qual a utilidade de assim nos reunirmos num dia determinado?

 

Jesus no-lo indica pelas palavras que referimos acima. Esta utilidade está no resultado produzido pela comunhão de pensamentos que se estabelece entre pessoas reunidas com o mesmo objetivo.


Comunhão de pensamentos! Compreendemos bem todo o alcance desta expressão? Seguramente, até este dia, poucas pessoas dela tinham feito uma idéia completa. O Espiritismo, que nos explica tantas coisas pelas leis que revela, ainda vem explicar a causa e a força dessa situação do espírito.


Comunhão de pensamento quer dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento é uma força; mas uma força puramente moral e abstrata? Não, do contrário não se explicariam certos efeitos do pensamento e, ainda menos, a comunhão de pensamento. Para compreendê-lo, é preciso conhecer as propriedades e a ação dos elementos que constituem nossa essência espiritual, e é o Espiritismo que no-las ensina.


O pensamento é o atributo característico do ser espiritual; é ele que distingue o espírito da matéria; sem o pensamento o espírito não seria espírito. A vontade não é um atributo especial do espírito; é o pensamento chegado a um certo grau de energia; é o pensamento transformado em força motriz. É pela vontade que o espírito imprime aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido.


Mas, se tem a força de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser essa força sobre os elementos fluídicos que nos rodeiam! O pensamento atua sobre os fluidos ambientes, como o som age sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento, como o ar nos traz o som. Pode, pois, dizer-se com toda a verdade que há nesses fluidos ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundirem, como há no ar ondas e raios sonoros.


Uma assembléia é um foco onde irradiam pensamentos diversos; é como uma orquestra, um coro de pensamentos, onde cada um produz a sua nota. Disto resulta uma imensidão de correntes e de eflúvios fluídicos, dos quais cada um recebe a impressão pelo sentido espiritual, como num coro musical cada um recebe a impressão dos sons pelo sentido da audição.


Mas, assim como há raios sonoros harmônicos ou discordantes, também há pensamentos harmônicos ou discordantes. Se o conjunto for harmônico, a impressão é agradável; se discordante, a impressão será penosa. Ora, para isto, não é necessário que o pensamento seja formulado em palavras; a irradiação fluídica não deixa de existir, quer seja ou não expressa.


Se todas forem benéficas, os assistentes experimentarão um verdadeiro bem-estar e se sentirão à vontade; mas se se misturarem alguns pensamentos maus, produzirão o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido.


Tal é a causa do sentimento de satisfação que se experimenta numa reunião simpática; aí reina uma espécie de atmosfera moral salubre, onde se respira à vontade; daí se sai reconfortado, porque aí nos impregnamos de eflúvios fluídicos salutares. Assim também se explicam a ansiedade e o mal-estar indefinível que se sente num meio antipático, onde os pensamentos malévolos provocam, a bem dizer, correntes fluídicas malsãs.


A comunhão de pensamentos produz, pois, uma sorte de efeito físico que reage sobre o moral; só o Espiritismo poderia fazê-lo compreender. O homem o sente instintivamente, já que procura as reuniões onde sabe encontrar essa comunhão. Nessas reuniões homogêneas e simpáticas haure novas forças morais; poder-se-ia dizer que aí recupera as perdas fluídicas perdidas diariamente pela irradiação do pensamento, como recupera pelos alimentos as perdas do corpo material.


A esses efeitos da comunhão de pensamentos, junta-se um outro que é a sua conseqüência natural, e que importa não perder de vista: é o poder que adquire o pensamento ou a vontade, pelo conjunto dos pensamentos ou vontades reunidos. Sendo a vontade uma força ativa, esta força é multiplicada pelo número de vontades idênticas, como a força muscular é multiplicada pelo número dos braços.


Estabelecido este ponto, concebe-se que nas relações que se estabelecem entre os homens e os Espíritos, haja, numa reunião onde reine perfeita comunhão de pensamentos, uma força atrativa ou repulsiva, que nem sempre possui o indivíduo isolado.


Se, até o presente, as reuniões muito numerosas são menos favoráveis, é pela dificuldade de obter uma homogeneidade perfeita de pensamentos, que se deve à imperfeição da natureza humana na Terra. Quanto mais numerosas as reuniões, mais aí se mesclam elementos heterogêneos, que paralisam a ação dos bons elementos, e que são como grãos de areia numa engrenagem. Não sucede assim nos mundos mais adiantados, e tal estado de coisas mudará na Terra à medida que os homens se tornarem melhores.


Para os espíritas, a comunhão de pensamentos tem um resultado ainda mais especial. Temos visto o efeito desta comunhão de homem a homem; prova-nos o Espiritismo que ele não é menor dos homens aos Espíritos, e reciprocamente. Com efeito, se o pensamento coletivo adquire força pelo número, um conjunto de pensamentos idênticos, tendo o bem por objetivo, terá mais força para neutralizar a ação dos Espíritos maus; também vemos que a tática destes últimos é levar à divisão e ao isolamento. Sozinho, um homem pode sucumbir, ao passo que se sua vontade for corroborada por outras vontades poderá resistir, conforme o axioma: A união faz a força, axioma verdadeiro, tanto do ponto de vista moral, quanto do físico.


Por outro lado, se a ação dos Espíritos malévolos pode ser paralisada por um pensamento comum, é evidente que a dos Espíritos bons será secundada; seus eflúvios fluídicos, não sendo detidos por correntes contrárias, espalhar-se-ão sobre os assistentes, precisamente porque todos os terão atraído pelo pensamento, não cada um em proveito pessoal, mas em benefício de todos, conforme a lei de caridade. Descerão sobre eles como línguas de fogo, para nos servirmos de uma admirável imagem do Evangelho.


Assim, pela comunhão de pensamentos os homens se assistem entre si e, ao mesmo tempo, assistem os Espíritos e são por estes assistidos. As relações entre os mundos visível e invisível não são mais individuais, mas coletivas e, por isto mesmo, mais poderosas em proveito das massas e dos indivíduos. Numa palavra, estabelecem a solidariedade, que é a base da fraternidade. Cada qual trabalha para todos, e não apenas para si; e trabalhando para todos, cada um aí encontra a sua parte. É o que o egoísmo não compreende.


Graças ao Espiritismo, compreendemos, então, o poder e os efeitos do pensamento coletivo; explicamo-nos melhor o sentimento de bem-estar que se experimenta num meio homogêneo e simpático; mas sabemos, igualmente, que se dá o mesmo com os Espíritos, porque eles também recebem os eflúvios de todos os pensamentos benevolentes que para eles se elevam, como uma nuvem de perfume. Os que são felizes experimentam maior alegria por esse concerto harmonioso; os que sofrem sentem maior alívio.


Todas as reuniões religiosas, seja qual for o culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; com efeito, é aí que podem e devem exercer a sua força, porque o objetivo deve ser a libertação do pensamento das amarras da matéria. Infelizmente, a maioria se afasta deste princípio à medida que a religião se torna uma questão de forma. Disto resulta que cada um, fazendo seu dever consistir na realização da forma, se julga quites com Deus e com os homens, desde que praticou uma fórmula. Resulta ainda que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um pensamento pessoal, por sua própria conta e, na maioria das vezes, sem nenhum sentimento de confraternidade em relação aos outros assistentes; fica isolado em meio à multidão e só pensa no céu para si mesmo.


Por certo não era assim que o entendia Jesus, ao dizer: “Quando duas ou mais pessoas estiverem reunidas em meu nome, aí estarei entre elas.” Reunidos em meu nome, isto é, com um pensamento comum; mas não se pode estar reunido em nome de Jesus sem assimilar os seus princípios, sua doutrina. Ora, qual é o princípio fundamental da doutrina de Jesus? A caridade em pensamentos, palavras e ações. Mentem os egoístas e os orgulhosos, quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque Jesus não os conhece por seus discípulos.


Chocados por esses abusos e desvios, há pessoas que negam a utilidade das assembléias religiosas e, em conseqüência, a das edificações consagradas a tais assembléias. Em seu radicalismo, pensam que seria melhor construir asilos do que templos, uma vez que o templo de Deus está em toda parte e em toda parte pode ser adorado; que cada um pode orar em casa e a qualquer hora, enquanto os pobres, os doentes e os enfermos necessitam de lugar de refúgio. Mas, porque cometeram abusos, porque se afastaram do reto caminho, devemos concluir que não existe o reto caminho e que tudo quanto se abusa seja mau? Não, certamente. Falar assim é desconhecer a fonte e os benefícios da comunhão de pensamentos, que deve ser a essência das assembléias religiosas; é ignorar as causas que a provocam.


Concebe-se que os materialistas professem semelhantes idéias, já que em tudo fazem abstração da vida espiritual; mas da parte dos espiritualistas e, melhor ainda, dos espíritas, seria um contra-senso. O isolamento religioso, assim como o isolamento social, conduz ao egoísmo. Que alguns homens sejam bastante fortes por si mesmos, largamente dotados pelo coração, para que sua fé e caridade não necessitem ser revigoradas num foco comum, é possível; mas não é assim com as massas, por lhes faltar um estimulante, sem o qual poderiam se deixar levar pela indiferença. Além disso, qual o homem que poderá dizer-se bastante esclarecido para nada ter a aprender no tocante aos seus interesses futuros? bastante perfeito para abrir mão dos conselhos da vida presente? Será sempre capaz de instruir-se por si mesmo? Não; a maioria necessita de ensinamentos diretos em matéria de religião e de moral, como em matéria de ciência.


Incontestavelmente, tais ensinos podem ser dados em toda parte, sob a abóbada do céu, como sob a de um templo; mas por que os homens não haveriam de ter lugares especiais para as questões celestes, como os têm para as terrenas? Por que não teriam assembléias religiosas, como têm assembléias políticas, científicas e industriais? Aqui está uma bolsa onde se ganha sempre. Isto não impede as edificações em proveito dos infelizes. Dizemos, ademais, que haverá menos gente nos asilos, quando os homens compreenderem melhor seus interesses do céu.


Se as assembléias religiosas – falo em geral, sem aludir a nenhum culto – muitas vezes se têm afastado de seu objetivo primitivo principal, que é a comunhão fraterna do pensamento; se o ensino ali ministrado nem sempre tem acompanhado o movimento progressivo da Humanidade, é que os homens não progridem todos ao mesmo tempo. O que não fazem num período, fazem em outro; à proporção que se esclarecem, vêem as lacunas existentes em suas instituições, e as preenchem; compreendem que o que era bom numa época, em relação ao grau de civilização, torna-se insuficiente numa etapa mais avançada, e restabelecem o nível. Sabemos que o Espiritismo é a grande alavanca do progresso em todas as coisas; marca uma era de renovação. Saibamos, pois, esperar, não exigindo de uma época mais do que ela pode dar.


Como as plantas, é preciso que as idéias amadureçam, para que seus frutos sejam colhidos. Saibamos, além disso, fazer as necessárias concessões às épocas de transição, porque na Natureza nada se opera de maneira brusca e instantânea.


Dissemos que o verdadeiro objetivo das assembléias religiosas deve ser a comunhão de pensamentos; é que, com efeito, a palavra religião quer dizer laço. Uma religião, em sua acepção larga e verdadeira, é um laço que religa os homens numa comunhão de sentimentos, de princípios e de crenças; consecutivamente, esse nome foi dado a esses mesmos princípios codificados e formulados em dogmas ou artigos de fé. É nesse sentido que se diz: a religião política; entretanto, mesmo nesta acepção, a palavra religião não é sinônima de opinião; implica uma idéia particular: a de fé conscienciosa; eis por que se diz também: a fé política.


Ora, os homens podem filiar-se, por interesse, a um partido, sem ter fé nesse partido, e a prova é que o deixam sem escrúpulo, quando encontram seu interesse alhures, ao passo que aquele que o abraça por convicção é inabalável; persiste à custa dos maiores sacrifícios, e é a abnegação dos interesses pessoais a verdadeira pedra-de-toque da fé sincera. Todavia, se a renúncia a uma opinião, motivada pelo interesse, é um ato de desprezível covardia, é, não obstante, respeitável, quando fruto do reconhecimento do erro em que se estava; é, então, um ato de abnegação e de razão. Há mais coragem e grandeza em reconhecer abertamente que se enganou, do que persistir, por amor-próprio, no que se sabe ser falso, e para não se dar um desmentido a si próprio, o que acusa mais obstinação do que firmeza, mais orgulho do que razão, e mais fraqueza do que força. É mais ainda: é hipocrisia, porque se quer parecer o que não se é; além disso é uma ação má, porque é encorajar o erro por seu próprio exemplo.


O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, essencialmente moral, que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não somente o fato de compromissos materiais, que se rompem à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito.


O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre os que ele une, como conseqüência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família.


Se é assim, perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores! No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos vangloriamos por isto, porque é a Doutrina que funda os vínculos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.


Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não é uma religião? Em razão de não haver senão uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma idéia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí mais que uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião se levantou.


Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.


As reuniões espíritas podem, pois, ser feitas religiosamente, isto é, com o recolhimento e o respeito que comporta a natureza grave dos assuntos de que se ocupa; pode-se mesmo, na ocasião, aí fazer preces que, em vez de serem ditas em particular, são ditas em comum, sem que, por isto, sejam tomadas por assembléias religiosas. Não se pense que isto seja um jogo de palavras; a nuança é perfeitamente clara, e a aparente confusão não provém senão da falta de uma palavra para cada idéia.


Qual é, pois, o laço que deve existir entre os espíritas? Eles não estão unidos entre si por nenhum contrato material, por nenhuma prática obrigatória. Qual o sentimento no qual se deve confundir todos os pensamentos? É um sentimento todo moral, todo espiritual, todo humanitário: o da caridade para com todos ou, em outras palavras: o amor do próximo, que compreende os vivos e os mortos, pois sabemos que os mortos sempre fazem parte da Humanidade.


A caridade é a alma do Espiritismo; ela resume todos os deveres do homem para consigo mesmo e para com os seus semelhantes, razão por que se pode dizer que não há verdadeiro espírita sem caridade. Mas a caridade é ainda uma dessas palavras de sentido múltiplo, cujo inteiro alcance deve ser bem compreendido; e se os Espíritos não cessam de pregá-la e defini-la, é que, provavelmente, reconhecem que isto ainda é necessário.


O campo da caridade é muito vasto; compreende duas grandes divisões que, em falta de termos especiais, podem designar-se pelas expressões Caridade beneficente e caridade benevolente. Compreende-se facilmente a primeira, que é naturalmente proporcional aos recursos materiais de que se dispõe; mas a segunda está ao alcance de todos, do mais pobre como do mais rico. Se a beneficência é forçosamente limitada, nada além da vontade poderia estabelecer limites à benevolência.


O que é preciso, então, para praticar a caridade benevolente? Amar ao próximo como a si mesmo. Ora, se se amar ao próximo tanto quanto a si, amar-se-o-á muito; agir-se-á para com outrem como se quereria que os outros agissem para conosco; não se quererá nem se fará mal a ninguém, porque não quereríamos que no-lo fizessem.


Amar ao próximo é, pois, abjurar todo sentimento de ódio, de animosidade, de rancor, de inveja, de ciúme, de vingança, numa palavra, todo desejo e todo pensamento de prejudicar; é perdoar aos inimigos e retribuir o mal com o bem; é ser indulgente para as imperfeições de seus semelhantes e não procurar o argueiro no olho do vizinho, quando não se vê a trave no seu; é esconder ou desculpar as faltas alheias, em vez de se comprazer em as pôr em relevo, por espírito de maledicência; é ainda não se fazer valer à custa dos outros; não procurar esmagar ninguém sob o peso de sua superioridade; não desprezar ninguém pelo orgulho. Eis a verdadeira caridade benevolente, a caridade prática, sem a qual a caridade é palavra vã; é a caridade do verdadeiro espírita, como do verdadeiro cristão; aquela sem a qual aquele que diz: Fora da caridade não há salvação, pronuncia sua própria condenação, tanto neste quanto no outro mundo.


Quantas coisas haveria a dizer sobre este assunto! Que belas instruções não nos dão os Espíritos incessantemente! Não fosse o receio de alongar-me em demasia e de abusar de vossa paciência, senhores, seria fácil demonstrar que, em se colocando no ponto de vista do interesse pessoal, egoísta, se se quiser, porque nem todos os homens estão ainda maduros para uma completa abnegação, para fazer o bem unicamente por amor do bem, digo que seria fácil demonstrar que têm tudo a ganhar em agir deste modo, e tudo a perder agindo diversamente, mesmo em suas relações sociais; depois, o bem atrai o bem e a proteção dos Espíritos bons; o mal atrai o mal e abre a porta à malevolência dos maus. Mais cedo ou mais tarde o orgulhoso será castigado pela humilhação, o ambicioso pelas decepções, o egoísta pela ruína de suas esperanças, o hipócrita pela vergonha de ser desmascarado; aquele que abandona os Espíritos bons por estes é abandonado e, de queda em queda, finalmente se vê no fundo do abismo, ao passo que os Espíritos bons erguem e amparam aquele que, nas maiores provações, não deixa de se confiar à Providência e jamais se desvia do reto caminho; aquele, enfim, cujos secretos sentimentos não dissimulam nenhum pensamento oculto de vaidade ou de interesse pessoal. Assim, de um lado, ganho assegurado; do outro, perda certa; cada um, em virtude do seu livre-arbítrio, pode escolher a sorte que quer correr, mas não poderá queixar-se senão de si mesmo pelas conseqüências de sua escolha.


Crer num Deus Todo-Poderoso, soberanamente justo e bom; crer na alma e em sua imortalidade; na preexistência da alma como única justificação do presente; na pluralidade das existências como meio de expiação, de reparação e de adiantamento intelectual e moral; na perfectibilidade dos seres mais imperfeitos; na felicidade crescente com a perfeição; na eqüitativa remuneração do bem e do mal, segundo o princípio: a cada um segundo as suas obras; na igualdade da justiça para todos, sem exceções, favores nem privilégios para nenhuma criatura; na duração da expiação limitada à da imperfeição; no livre-arbítrio do homem, que lhe deixa sempre a escolha entre o bem e o mal; crer na continuidade das relações entre o mundo visível e o mundo invisível; na solidariedade que religa todos os seres passados, presentes e futuros, encarnados e desencarnados; considerar a vida terrestre como transitória e uma das fases da vida do Espírito, que é eterno; aceitar corajosamente as provações, em vista de um futuro mais invejável que o presente; praticar a caridade em pensamentos, em palavras e obras na mais larga acepção do termo; esforçar-se cada dia para ser melhor que na véspera, extirpando toda imperfeição de sua alma; submeter todas as crenças ao controle do livre-exame e da razão, e nada aceitar pela fé cega; respeitar todas as crenças sinceras, por mais irracionais que nos pareçam, e não violentar a consciência de ninguém; ver, enfim, nas descobertas da Ciência, a revelação das leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis o Credo, a religião do Espiritismo, religião que pode conciliar-se com todos os cultos, isto é, com todas as maneiras de adorar a Deus. É o laço que deve unir todos os espíritas numa santa comunhão de pensamentos, esperando que ligue todos os homens sob a bandeira da fraternidade universal.


Com a fraternidade, filha da caridade, os homens viverão em paz e se pouparão males inumeráveis, que nascem da discórdia, por sua vez filha do orgulho, do egoísmo, da ambição, da inveja e de todas as imperfeições da Humanidade. O Espiritismo dá aos homens tudo o que é preciso para a sua felicidade aqui na Terra, porque lhes ensina a se contentarem com o que têm. Que os espíritas sejam, pois, os primeiros a aproveitar os benefícios que ele traz, e que inaugurem entre si o reino da harmonia, que resplandecerá nas gerações futuras.


Os Espíritos que nos cercam aqui são inumeráveis, atraídos pelo objetivo que nos propusemos ao nos reunirmos, a fim de dar aos nossos pensamentos a força que nasce da união. Ofereçamos aos que nos são caros uma boa lembrança e o penhor de nossa afeição, encorajamentos e consolações aos que deles necessitem. Façamos de modo que cada um recolha a sua parte dos sentimentos de caridade benevolente, de que estivermos animados, e que esta reunião dê os frutos que todos têm o direito de esperar.
 

Allan Kardec


Fonte: Revista Espírita, dezembro de 1868.