sábado, 26 de maio de 2012

Os Piores Inimigos Do Espiritismo


Allan Kardec afirmou certa vez, que os piores inimigos do Espiritismo estariam entre seus pares. Pode parecer declaração demasiadamente dura e radical, mas veio dele mesmo e ele sabia do que estava falando. Hoje, nesse mundo de tanta confusão, o Movimento Espírita se vê envolto em um emaranhado de parvoíces que deixam os espíritas sérios preocupados com o destino da doutrina no mundo. Custa-se a acreditar que uma filosofia tão racional e desbravadora possa ter gerado pessoas com visão tão estreita e engessada da vida.


De duas uma: ou a Doutrina Espírita é defeituosa ou os espíritas não compreenderam seu alcance moral. Sabendo-se da inverdade da primeira hipótese, resta-nos curvar à realidade da segunda. A prova disso está na forma como a Doutrina é praticada nos centros espíritas do país inteiro, com réplicas perfeitas no exterior (principalmente em Portugal e nos Estados Unidos), "formando" adeptos que de espíritas só têm o nome. São os espíritas imperfeitos, de que está cheio o movimento, como por exemplo, os que vêm a público afirmar que Kardec está ultrapassado e que precisa ser reinterpretado, quando ainda nem se conhece a fundo dez por cento do seu pensamento. Consideram-se doutos em Espiritismo por terem lido as obras básicas, e toda a literatura acessória, psicografada ou não. E ler é uma coisa. Estudar, entender e compreender é outra bem diferente.


Vislumbrando as dificuldades pelas quais poderia passar o Espiritismo, advindas da falta de maturidade do homem, Allan Kardec tratou de deixar diretrizes que pudessem garantir a unidade de vistas dentro do pensamento doutrinário, bem como sua expansão com segurança. Idealizou um Comitê Central que funcionasse de forma democrática e o Controle Universal dos Espíritos para as revisões periódicas na doutrina (a cada 25 anos), de modo que não se perdesse no tempo e pudesse acompanhar a evolução do planeta. Nada disso foi seguido pelos homens que fizeram a história espírita.


Os espíritas "modernos" parecem desconhecer tal coisa. E, se conhecem, não dão a menor importância, pois defendem idéias esdrúxulas e contrárias aos fundamentos kardequianos, baseados em escritos ditados por Espíritos enganadores e pseudo-sábios. Essas idéias infiltram-se com facilidade em nosso meio, porque encontram o terreno fértil da ingenuidade e da falta do estudo que faz com que tudo se aceite sem exame, sem critério. É tempo de mudanças. O milênio termina e se inicia uma nova fase para o planeta. Os centros espíritas precisam se preparar para amparar o homem dentro de uma filosofia de vida melhor, mais justa e mais plena de compreensão das coisas divinas.


Para isso, necessita de espíritas sérios, que compreendam o verdadeiro sentido do Espiritismo, que possam trazer para dentro das casas espíritas uma nova ordem de práticas e metas, formando verdadeiramente homens de bem. Que possam retirar dos centros tudo o que não serve para a edificação do ser. Enfim, mostrar aos fariseus modernos a verdadeira face da Doutrina Espírita como agente modificador da humanidade e não como instrumento de gloríolas, de mera promoção pessoal e fábrica de fantasias.


As casas espíritas, inspiradas pelo espírito de sistema, optaram por navegar nas águas rasas do conhecimento, na superficialidade dos ensinos exarados das obras psicografadas de qualidade duvidosa. É comum, muito comum os espíritas saberem de cor as histórias romanceadas das vidas de personagens habitantes das colônias transitórias, mas não sabem sequer de onde surgiu a doutrina que professam. Espalhou-se no meio a idéia de que a leitura das Obras Básicas é muito difícil, melhor fazer um cursinho federativo, ou é melhor que se comece lendo romances e livrinhos de histórias fantasiosas sobre a vida espiritual, que só convencem mentes imaturas e sem senso de racionalidade.


O resultado disso é que quando a pessoa se interessa de fato pelo estudo da Doutrina, já se embrenhou num mundo irreal, já poluiu sua mente com leituras inadequadas e atrapalhadas, tornando-se muito mais difícil à incursão no conhecimento real do Espiritismo e atrasando sobremaneira o avanço da criatura na estrada da compreensão. Os conceitos que já se formaram em sua mente são de complicada reestruturação, e haja tempo para se formar outra mentalidade. São pessoas com um nível de fantasia tão grande acerca da vida terrena e espiritual, que misturam conceitos espíritas com outras doutrinas, terapias alternativas, auto-ajuda, auto-amor e tudo o que pode fazer uma grande confusão nas idéias.


É provado que quanto mais longe a pessoa está dos centros espíritas, mais fácil ela compreende os ensinamentos. Sim, e não é exagero. Mas é sem dúvida um paradoxo. Essa realidade é constatada pela nossa experiência. Observando varias casas e seus métodos, nos deram bem o diagnóstico de situações dramáticas existentes nas casas espíritas. Ou seja, os estudos são escassos, e quando existem são realizados pelos que têm pouco preparo, e que por sua vez, se "preparam" lendo Luiz Sérgio, Hernani T Santana, Patrícia, Lúcius, ou jornais e revistas espíritas já viciados com o espírito corporativista. Não desmerecemos a nobrezas da contribuição destas pessoas na compreensão geral da Doutrina, mas tais conceitos, pouco devem ser tomados como referência, mas que infelizmente é o que acontece neste combalido Movimento.


Os que começam os estudos das obras básicas, levam anos de leitura e custa a compreender a essência da Doutrina, por estarem envolvidos num pernicioso espírito de fantasia, idolatria e acima de tudo num grande equívoco acerca do conhecimento espírita. Mas, perguntamos, onde está o erro? Sabe-se que grande parte dos espíritas do país estão nas classes mais favorecidas intelectualmente. Então, qual a dificuldade? O problema está exatamente na maneira como o sistema está sendo estruturado e politicalizado. Deixando de lado as orientações do Codificador do Espiritismo, desde o início formou-se a industria dos cursos um clima propício à fomentação do irreal, da fantasia esdrúxula transformando-o em Doutrina igrejeira. As obras básicas não são apresentadas para o iniciante, mas sim um curso disso ou daquilo ou seja conhece-se o pensamento de Kardec só através de pessoas que nem sempre conhecem a Doutrina Espírita.


É hora de se fazer algumas reflexões em torno dessa situação. A Doutrina Espírita, na verdade, tem sido uma grande desconhecida nos centros espíritas. O que se ensina está muito longe da realidade. Enquanto se estiver dando importância às histórias contadas pelos oradores de cátedra, que divulgam suas próprias experiências ou as daqueles que escolheram como ídolos, não se chegará à compreensão do que seja a Doutrina dos Espíritos. Bom lembrar que a Codificação é o pensamento do Espírito de Verdade, enquanto as obras da literatura acessória são opiniões de Espíritos, que embora tenham seu valor, não podem ser tomadas como parâmetro para quem deseja adentrar no conhecimento espírita, quanto mais se aprofundar em seu estudo.


O problema é grave e merece atenção dos que estão alerta para as mudanças que se avizinham. Os centros espíritas, em sua maioria, não estão em condições de amparar, com o espírito de fraternidade, racionalidade e disciplina que tanto ensinou o Mestre lionês. Estão envoltos na grande ilusão que caracteriza o tempo atual e que avassala a sociedade como uma doença crônica que mina as resistências do organismo para só então se mostrar quando já causou conseqüências danosas e, por vezes, irreversíveis. O prejuízo causado pela doutrina de superficialidade ensinada pelo sistema oficial e perpetrada pelos seus representantes em congressos, encontros e seminários de toda natureza é enorme e não se pode mais fechar os olhos a essa realidade sob o pretexto da caridade. Caridade maior é desmascarar a hipocrisia, a idolatria e o atraso decorrentes do espírito de fascinação que envolve a maior parte do Movimento Espírita deste e de outros países.


É bastante conhecida a influência que as elites exercem nos diversos setores da sociedade e, como não poderia deixar de ser, também na área da religião. Com suas idéias de cunho puramente humano, elas modificam o verdadeiro sentido dos textos, moldando-os segundo as próprias conveniências. A história é testemunha deste fenômeno.


No movimento espírita de uns anos para cá, vêm se observando mudanças de práticas, hábitos e pensamentos em torno do Espiritismo. Inverteram o papel da casa espírita. Muitos núcleos foram ironicamente transformados em verdadeiros centros de assistência social, com graves prejuízos à obra libertadora do Espírito. (...)


A Doutrina do Consolador, promessa feita por Jesus aos homens, vem sendo interpretada de forma equivocada, sem qualquer baliza racional. Os responsáveis por esta conduta são membros das elites que acabaram assumindo postos de comando nas federações e casas espíritas, formando grupos políticos que só participam quem tem alto cargo político-empresarial. Embora seus pensamentos sejam relativamente úteis, quase sempre trazem o cunho das idéias humanas. Amam as gloriolas sociais, os títulos e o sentar nos primeiros lugares da festa.


Vê-se no movimento espírita uma poderosa influência deles, que podemos considerar os "doutores" do nosso tempo. Semelhante ao que ocorreu no passado, estas pessoas estão interpretando os ensinamentos dos Espíritos à luz do próprio conhecimento e dos interesses pessoais. As personalidades transitórias vêm sendo cultuadas como faziam os Fariseus dos tempos do Cristo. Alguns jornais espíritas, editados por Federações, são verdadeiros templos de vaidades, onde se deleitam orgulhosos escritores, oradores e médiuns. A maioria dos congressos são meros acontecimentos sociais e políticos, onde brilha o culturalismo vazio daqueles que pomposamente dirigem o sistema.


O sistema de pensamento e investigação desenvolvido por Allan Kardec é o grande ausente no Movimento Espírita. No final de sua vida, o Codificador estava só. Alguns detratores seus, que se diziam espíritas, afirmavam que ele queria apoderar-se da verdade e se fazer dono do Espiritismo. Jean Baptiste Roustaing e seus seguidores estavam entre eles.


Pouco antes de desencarnar, o Codificador começou a preparar instruções para salvaguardar o movimento nascente de falsas interpretações. Não chegou a terminar seu trabalho. Quando se lê seus últimos apontamentos, nota-se, com tristeza, que suas preciosas instruções sobre a condução do Movimento Espírita jamais foram seguidas por seus adeptos. Bom número deles sequer conhece suas obras, instrui-se em livros subsidiários nem sempre idôneos e, freqüentemente, é vítima de Espíritos enganadores.


A explícita vaidade que arrasta os incautos aos palcos dos aplausos fáceis, afastando-os da condição de humildes servos, pois que não trazem no corpo as marcas do íntimo trabalho de renovação moral em direção a Jesus. Essas marcas são de sacrifícios e renúncias, e não de glórias mundanas; são de humildade e não de exaltação; são de sinceridade e não de hipocrisia, lisonja e soberba; são de abnegação, coragem, altruísmo e perseverança. Somos os trabalhadores do Mestre Jesus. Examinemos a nossa consciência e procuremos identificar essas marcas em nós. Certamente teremos dificuldades em encontrá-las, pois para encontrá-las teremos que estudarmos.


Hoje os trabalhadores da seara espírita geralmente julgam-se detentores de muitas luzes. Comportam-se como se escolhidos fossem para desempenhar sublime missão e, considerando-se seres especiais, preocupam-se muito pouco com seu aprimoramento, o que leva muitos a trilhar por caminhos tais que, no mais das vezes, nada de edificante produzem, tornando-se estéreis como a figueira seca.


A Doutrina Espírita, sendo o Consolador prometido por Jesus, trouxe de volta as lições do Mestre, a simplicidade dos núcleos, onde a mensagem divina era ensinada pela inspiração dos Espíritos de Deus. As casas espíritas necessitam reencontrar esse caminho. São elas, através de seus ensinamentos, que poderão despertar as criaturas ao conhecimento da verdade.


O trabalhador espírita, verdadeiramente compenetrado do seu dever, deverá zelar pela seriedade do seu trabalho, entendendo que Jesus só precisa de homens de bem para desenvolver a sublime tarefa de transformação do planeta. Entretanto, enquanto permanecermos enclausurados em castelos de fantasia, enfeitando os centros espíritas com plantas que o Pai celestial não plantou, enquanto não compreendermos o quão pequenos somos diante do poder e sabedoria divinos, infelizmente estaremos caminhando na contramão. E certamente necessitando da mesma reprovação que Paulo fez aos Coríntios há dois mil anos.


Mudar essa mentalidade vigente, conduzindo parte desses seguidores de Allan Kardec ao encontro das instruções do Codificador do Espiritismo, é tarefa urgente. Espera-se que os espíritas sérios reúnam forças em torno desse ideal. Hoje, há diversas pessoas dentro e fora do país que buscam restabelecer essa base doutrinária. Urge estimular os centros espíritas a se ajustarem conforme as orientações da Codificação, fazendo com que se instale neles o gosto pelo estudo, pelo raciocínio e pelo trabalho metódico, faz-se necessário criarmos normas disciplinares, para a admissão e selecionarmos candidatos interessados em ingressar no estudo para humildemente servir na seara do Jesus.


As obrigações fundamentais da vida espírita, o esforço constante para conhecer-se, o estudo regular da doutrina para o desenvolvimento do raciocínio lógico, foram substituídos por preocupações de somenos importância. O assistencialismo tornou-se a principal tarefa dos seguidores de Allan Kardec. Pseudo-professores e falsos líderes semearam no terreno filosófico as duvidosas sementes de Espíritos enganadores, chegaram até ao movimento pelo discurso polido dos intelectuais.


O clima de fascinação que tomou conta do movimento espírita, dando importância excessiva e perniciosa a médiuns e ou oradores, que estimulados pela vaidade e exaltação da personalidade, brilham mais que a própria mensagem em suas aparições públicas.


Há hoje uma natural falta de coragem de grande parte dos formadores de opinião, dirigentes, líderes e jornalistas, em posicionar-se sobre posturas, práticas e atitudes discordantes com a coerência dos ensinos de Jesus, de Allan Kardec e dos Espíritos Superiores.


A irracionalidade criou o espírito de exclusão que tomou conta do movimento espírita impedindo as pessoas de pensarem com seus próprios recursos, exercitando a crítica construtiva e necessária em torno de questões morais e doutrinárias, que considerarem fora do bom senso e da racionalidade. Somente quem fez a "faculdade espírita" é que pode tecer comentários. Criou assim, o separatismo, e com isso a idéia de posições inatingíveis pelo cidadão simples, uma espécie de "vaticano espírita" onde a plebe só serve para ouvir a rotatória e taxativa ciranda melodramática de parábolas evangélicas impossíveis de serem naquela forma colocadas em prática, mas onde oradores elitizados, se deleitam justificando sua "missão" no mais absurdo igrejismo espírita.


A evidente e talvez irreversível desagregação do sistema espírita da sua forma original, segue sustentado na ilusão de uma unificação que só existe em torno da instituição que o representa oficialmente (FEB e federativas estaduais), e não em torno dos ideais de Jesus e Kardec.


A FEB e muitas afiliadas estudam, editam e inserem na sua grade de trabalhos e das casas associadas e também divulga a obra que têm como principal marca derrubar teses kardequianas racionais sobre a origem de Jesus e dos homens em geral: Os Quatro Evangelhos de Roustaing. Um dos maiores inimigos do Espiritismo e detratores dos trabalhos de Kardec.


O pensamento de Roustaing, que nada mais é que o espiritismo católico representa hoje um sistema fortemente alicerçado por entidades espirituais que o alimenta, infiltrado com sutileza na conduta de muitos espíritas e na grande maioria das obras literárias existentes no meio.


As elites adoram a troca pública de amabilidades, uma espécie de doença moral da nossa época. Paulo disse em sua segunda carta a Timóteo que nos últimos tempos haveria criaturas amantes de si mesmas, soberbas, desobedientes à Lei. Com aparência do bem, mas sem a eficácia dele. Entre nós, multiplicam-se esses valores. É a decadência dos que seguem a revelação transmitida pela industria do cursismo espírita.


O trabalho dos centros espíritas está entregue às interpretações de cada dirigente que, bem ou mal, tenta a custa de suor e lagrimas fazer a casa cumprir com suas tarefas. Nunca tivemos um sistema lógico e objetivo a nível nacional ou internacional, que pudesse formar dirigentes e trabalhadores produtivos, com reais condições de servirem às necessidades da Seara. Um amadorismo pueril está presente em toda à parte. A prática doutrinária brilha em letras, discursos e obras materiais, mas em realizações espirituais e objetividade, mostra-se extremamente pobre.


Kardec nos esclarece e com o Espiritismo nos ensina sobre uma lei que a tudo governa: a lei da evolução. É um fato inegável o de que todos nós estamos em constante mutação buscando o progresso. Tomando como base esta lei, Allan Kardec traçou a linha de conduta do verdadeiro espírita, para que todos se esforçassem constantemente para dominar suas más inclinações. Ora, só podemos lutar contra uma tendência ruim se tivermos consciência dela. Para tanto, temos que nos conhecer. Daí surge à necessidade do auto-conhecimento, para se saber dos próprios defeitos e só conseguimos isto através dos estudos das obras básicas, o que muito raramente se vê nas casas espíritas, e depois, da vivência para corrigí-las.


Allan Kardec dizia que uma sociedade é um ser coletivo e que todos os princípios aplicados a uma pessoa poderiam ser igualmente aplicados a ela. Em razão disso, estamos propondo que dirigentes e trabalhadores façam uma sincera avaliação das atividades de suas casas espíritas e que tomem providências para melhorá-las. O movimento espírita vive em estado de apatia doutrinária. Há muito pouco interesse e resultados em torno dos estudos e das práticas relativas ao Espiritismo. Os centros se distanciaram de suas finalidades básicas, dando origem a um vazio que se torna mais patente a cada dia. A Doutrina é o renascimento do cristianismo primitivo e, para bem compreendermos as finalidades do centro espírita, devemos examinar o tipo de trabalho desenvolvido pelos Apóstolos e pelo próprio Allan Kardec.


Todos temos consciência que a obra do Espírito fere mortalmente os interesses terrenos. Entre nós espíritas, houve um grave descuido do "vigiai e orai", ensinado pelo Mestre. O mundo agiu e nós fizemos pouco para impedi-lo. Hoje, não é tempo para a destruição de livros, nem para a perseguição de pessoas, mas queremos chamar a atenção para os métodos hipócritas que existem pelos quais os simples podem ser enganados.


Falta-nos o ânimo dos cristãos primitivos, dos espíritas legitimamente kardequianos. Não é possível continuarmos ouvindo oradores realizarem polidos discursos ufanistas de felicidade, enquanto a humanidade agoniza na mais absurda ignorância e pobreza espiritual, ao lado da FEB. Continuarmos, assistindo às tolas discussões filosóficas em torno da doutrina de Roustaing ou da supremacia da Federação Espírita Brasileira sobre os espíritas do mundo. É chegada a hora dos espíritas sérios pensarem em reunir forças em torno dos ideais de Allan Kardec(...)


O movimento espírita tornou-se um meio contaminado por idéias e práticas estranhas, vindas das mais variadas vertentes do pensamento humano. Hoje grande parte das idéias divulgada pela FEB é a expressão do pensamento católico roustainguista, portanto, a antítese do pensamento kardequiano. A Federação Espírita Brasileira responsável oficial pelo sistema espírita Brasileiro, não seguiu as orientações do mestre Allan Kardec, resultando daí um movimento sem organização e controle devidos.


Para o iniciante, a palestra e o estudo, é a nosso ver depois do exemplo vivo, a mais importante forma de se ensinar Espiritismo. Através do diálogo, acontece as exposições dos fundamentos da doutrina nas reuniões públicas, os espíritos nos brindam com intuições amorosas a luz do Evangelho, com técnica, razão, delicadeza, sentimento, simplicidade e calcados pela ascendência moral.


O momento atual, exige do espírita muita responsabilidade. E para pré-concluir, cuidado não apenas com as hordas místicas que estamos enfrentando, mas cuidado também com grupos disfarçados de não místicos, mas que se isolam dos demais querendo fazer um espiritismo separatista, alegando um exagerado cientificismo. Ciência espírita não é cientificismo e espiritismo é para todos, não para uma elite, não para uns poucos que se acham o supra-sumo, a ultima bolacha do pacote espírita. Combatemos o misticismo sim, mas eles são arrogantes e destratam os místicos e os espíritas em geral que não pensam como eles.


Pensem nisso!


"Fé inabalável é somente aquela que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da humanidade."


"Nascer, Morrer, Renascer ainda e Progredir sem cessar, tal é a Lei".


"Todo efeito tem uma causa; todo efeito inteligente tem uma causa inteligente; a potência de uma causa está na razão da grandeza do efeito".


"Sejam quais forem os prodígios realizados pela inteligência humana, esta inteligência tem também uma causa primária. É a inteligência superior a causa primária de todas as coisas, qualquer que seja o nome pelo qual o homem a designe".


"Reconhece-se à qualidade dos Espíritos pela sua linguagem; a dos Espíritos verdadeiramente bons e superiores é sempre digna, nobre, lógica, isenta de contradições; respira a sabedoria, a benevolência, a modéstia e a moral mais pura; é concisa e sem palavras inúteis. Nos Espíritos inferiores, ignorantes, ou orgulhosos, o vazio das idéias é quase sempre compensado pela abundância de palavras. Todo pensamento evidentemente falso, toda máxima contrária à sã moral, todo conselho ridículo, toda expressão grosseira, trivial ou simplesmente frívola, enfim, toda marca de malevolência, de presunção ou de arrogância, são sinais incontestáveis de inferioridade num Espírito".


"Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral, e pelos esforços que faz para domar as suas más inclinações".


"Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ela a aceitará".

"Melhorados os homens, não fornecerão ao mundo invisível senão bons espíritos; estes, encarnando-se, por sua vez só fornecerão à Humanidade corporal elementos aperfeiçoados. A Terra deixará, então, de ser um mundo expiatório e os homens não sofrerão mais as misérias decorrentes das suas imperfeições".


"Onde quer que as minhas obras penetram servem de guia, e o Espiritismo é visto sob o seu verdadeiro aspecto, isto é, sob um caráter exclusivamente moral".


"Pelo espiritismo a humanidade deve entrar em uma nova fase, a do progresso moral, que é a sua conseqüência inevitável".


"Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros, antes de lhes confiar um trabalho. Antes de construir, é preciso que nos certifiquemos da solidez dos materiais. Aqui os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e abnegação".


Se souber de quem são estas palavras, tire suas próprias conclusões.


As Contradições de Origem Espírita

Por
"Os Espíritos Superiores não se preocupam absolutamente com a forma. Para eles, o fundo do pensamento é tudo". Allan Kardec [1]


Com relação às contradições que às vezes podemos observar no ensino dos Espíritos aos homens, cumpre dar atenção a algumas nuanças desse comércio, cada vez mais intenso entre os dois mundos: Carnal e Espiritual.


Essas nuanças não foram negligenciadas pelo Codificador que inseriu em "O Livro dos Espíritos" e em "O Livro dos Médiuns", algumas importantes observações que passaremos a realçar. Ensina, então, o Mestre Lionês2: "Para se compreender a causa e o valor das contradições de origem espírita, é preciso estar-se identificado com a natureza do mundo Invisível e tê-lo estudado por todas as suas faces.


À primeira vista, parecerá estranho que os Espíritos não pensem todos da mesma maneira, mas isso não pode surpreender a quem quer que se haja compenetrado de que infinitos são os graus que eles têm de percorrer antes de chegarem ao cimo da evolução. Supor-lhes igual apreciação das coisas fora imaginá-los todos do mesmo nível; pensar que todos devem ver com justeza, fora admitir que todos já chegaram à perfeição, o que não é exato e não o pode ser, desde que se considere que eles não são mais do que a Humanidade despida do envoltório corporal. Podendo manifestar-se Espíritos de todas as categorias, resulta que suas comunicações trazem o cunho da sua ignorância ou do saber que lhes seja peculiar no momento, o da inferioridade, ou da superioridade moral que alcançaram. A distinguir o verdadeiro do falso, o bom do mau, é as que devem conduzir as instruções que temos dado.


Cumpre não esqueçamos que, entre os Espíritos, há, como entre os homens, falsos sábios e semi-sábios, orgulhosos, presunçosos e sistemáticos. Como só aos Espíritos perfeitos é dado conhecerem tudo, para os outros há, do mesmo modo que para nós, mistérios que eles explicam à sua maneira, segundo suas idéias, e a cujo respeito podem formar opiniões mais ou menos exatas, que se empenham, levados pelo amor-próprio, porque prevaleçam e que gostam de reproduzir em suas comunicações. O erro está em terem alguns de seus intérpretes esposado mui levianamente opiniões contrárias ao bom senso e se haverem feito editores responsáveis delas. Assim, as contradições não derivam de outra causa, senão da diversidade, quanto à inteligência, aos conhecimentos, ao juízo e à moralidade, de alguns Espíritos que ainda não estão aptos a tudo conhecerem e tudo compreenderem".


No mesmo livro e capítulo, dois itens à frente (301), Allan Kardec alinha algumas indagações e obtém esclarecedoras respostas:
1ª - Comunicando-se em dois Centros diferentes, pode um Espírito dar-lhes, sobre o mesmo ponto, respostas contraditórias?


Resposta: "Se nos dois Centros as opiniões e idéias diferirem, as respostas poderão chegar-lhes desfiguradas, por se acharem eles sob a influência de diferentes colunas de Espíritos. Então não é a resposta que é contraditória, mas a maneira por que é dada".

2ª - Concebe-se que uma resposta pode ser alterada; mas, quando as qualidades do médium excluem toda idéia de má influência, como se explica que Espíritos Superiores usem de linguagens diferentes e contraditórias sobre o mesmo assunto, para com pessoas perfeitamente sérias?


Resposta: "Os Espíritos realmente superiores jamais se contradizem e a linguagem de que usam é sempre a mesma, com as mesmas pessoas. Pode, entretanto, diferir, de acordo com as pessoas e os lugares. Cumpre, porém, se atenda que a contradição, às vezes, é apenas aparente; está mais nas palavras do que nas idéias; portanto, quem reflita verificará que a idéia fundamental é a mesma. Acresce que o mesmo Espírito pode responder diversamente sobre a mesma questão, segundo o grau de adiantamento dos que o evocam, pois nem sempre convém que todos recebam a mesma resposta, por não estarem todos igualmente adiantados. É exatamente como se uma criança e um sábio te fizessem a mesma pergunta. De certo, responderíeis a uma e a outro de modo que te compreendessem e ficassem satisfeitos. As respostas, nesse caso, embora diferentes, seriam fundamentalmente idênticas".

3ª - Com que fim Espíritos sérios, junto de certas pessoas, parecem aceitar idéias e preconceitos que combatem junto de outras?


Resposta: "Cumpre nos façamos compreensíveis. Se alguém tem uma convicção bem firmada sobre uma doutrina, ainda que falsa, necessário é que lhe tiremos essa convicção, mas pouco a pouco. Não é de bom alvitre atacar bruscamente os preceitos. Esse é o melhor meio de não ser ouvido. Os Espíritos apropriam sua linguagem às pessoas, como tu mesmo farás, se fores um orador mais ou menos hábil".


4ª - As contradições, mesmo aparentes, podem lançar dúvidas no Espírito de algumas pessoas. Que meio de verificação se pode ter, para conhecer a Verdade?


Resposta: "Estudai, comparai, aprofundai... Incessantemente vos dizemos que o conhecimento da Verdade só a esse preço se obtém. A missão dos Espíritos é destruir o erro, mas isso não se pode efetuar senão gradativamente".


8ª - De todas as contradições que se notam nas comunicações dos Espíritos, uma das mais frisantes é a que diz respeito à reencarnação. Como se explica que nem todos os Espíritos a ensinem?


Resposta: "Não sabeis que há Espíritos cujas idéias se acham limitadas ao presente, como se dá com muitos homens na Terra? Julgam que a condição em que se encontram tem que durar sempre. Nada vêem além do círculo das suas percepções e não se preocupam com o saberem donde vêm, nem para onde vão. Sabem que o Espírito progride, mas de que maneira? Têm isso como um problema.


(...) Se dissidências capitais se levantam, quanto ao princípio mesmo da Doutrina, de uma regra certa dispondes para as apreciar: A melhor doutrina é a que satisfaz ao coração e à razão e a que mais elementos encerra para levar os homens ao bem. Essa eu vo-lo afirmo, é a que prevalecerá".


Continuando os esclarecimentos, pondera, ainda, o Mestre Lionês
3: "Das causas seguintes podem derivar-se as contradições que se notam nas comunicações espíritas: da ignorância de certos Espíritos; do embuste dos Espíritos inferiores que, por malícia ou maldade, dizem o contrário do que disse algures o Espírito cujo nome usurpam; da vontade do próprio Espírito, que fala segundo os tempos, os lugares e as pessoas, e que pode julgar conveniente não dizer tudo a toda gente; da insuficiência da linguagem humana para exprimir as coisas do mundo incorpóreo; da insuficiência dos meios de comunicação, que nem sempre permitem ao Espírito expressar todo o seu pensamento; enfim, de interpretação que cada um pode dar a uma palavra ou a uma explicação, segundo suas idéias, seus preconceitos, ou o ponto de vista donde consideram o assunto.


Só o estudo, a observação, a experiência e a isenção de todo sentimento de amor-próprio podem ensinar a distinguir estes diversos matizes.


A contradição, ademais, nem sempre é tão real quanto possa parecer. Pueril, portanto, seria apontá-la onde freqüentemente só há diferença de palavras".

Fechando a questão das contradições, elucida o ínclito filho de Lyon4;

"(...) O argumento supremo deve ser a razão. A moderação garantirá a vitória da verdade contra as diatribes envenenadas pela inveja e o ciúme. Os bons Espíritos só pregam a união e o amor ao próximo, e jamais um pensamento malévolo ou contrário à caridade pode provir de fonte pura".


Atentemos para as seguintes palavras de Santo Agostinho [4]:

"(...) Quereis saber sob a influência de que Espíritos estão as diversas seitas que entre si fizeram a partilha do mundo? Julgai-o pelas suas obras e pelos seus princípios. Jamais os bons Espíritos foram os instigadores do mal; jamais aconselharam ou legitimaram o assassínio ou a violência; jamais estimularam os ódios de partidos, nem a sede de riquezas e das honras, nem a avidez dos bens da Terra. Os que são bons, humanitários e benevolentes para com todos, esses os seus prediletos e prediletos de Jesus, porque seguem a estrada que Este indicou para chegarem até Ele".
 


1 - Kardec, A. in "O Livro dos Espíritos" - Introdução, § XIV
3 - Kardec, A. in "O Livro dos Médiuns" - Capítulo XXVII, item 302
4 - Kardec, A. in "O Livro dos Espíritos" - Conclusão, § IX

Artigo publicado originalmente no Jornal Mundo Espírita, edição de Setembro de 1997 e reproduzido com autorização do autor

http://www.ieja.org/portugues/Estudos/Artigos/p_ascontradicoesdeorigemespirita.htm

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Um Retorno Às Bases Com Kardec

Por Jorge Murta

Este artigo é diferente. É mais do que um artigo, é um desejo, é um apelo, que para ser atendido deve ser lido com sentimento e entendimento espíritas.



Amigos! Creio já ter passado da hora de dizermos em alto e bom som: BASTA DE MISTICISMOS! Todos já vínhamos há muito tempo insatisfeitos, porém separados em nossas insatisfações com o rumo que o espiritismo vinha sendo conduzido pelo Movimento. E reclamávamos, reclamávamos e falávamos contra o misticismo e até demonstrávamos algum conhecimento doutrinário, mas éramos um só e quando muito, desunidos e quando em grupos, parecíamos torcedores de futebol da TORCIDA COERENTE em oposição à TORCIDA MISTICA, em que demonstrávamos amor pelo time da doutrina espírita, mas não nos uníamos em campo contra um time (dos místicos) que, embora jogue muito errado, tem a favor deles a união, a paixão.



Isso me lembra aquela questão de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, a 932, que pergunta por que, tão amiúde, a influencia dos maus sobrepuja a dos bons? E se formos comparar, o mal é entre muitas coisas, a deturpação doutrinaria que se instala dia a dia em meio ao espiritismo e os “bons” são os que prezam pela coerência doutrinária.
 


Os espíritos respondem simplesmente que é por causa da fraqueza dos bons. Que os maus são audaciosos e intrigantes, já os bons são tímidos. Mas, quando estes quiserem preponderarão.


E pergunto: o que falta para querermos preponderar? Em minha opinião falta a UNIAO, união séria e consciente entre todos os espíritas sérios e conscientes; não que precisemos deixar os grupos e organizações que, por ventura façamos parte, não! Podemos e devemos prosseguir neles, mas este grupo será em tamanho maior o que somos em tamanho menor. Apenas se nos UNIRMOS, não por revanchismos aos místicos, mas sim por querermos o bem, a verdade da doutrina, a ciência e a filosofia retomarem o seu legitimo lugar é que tal poderá ser possível. Não nos iludamos, não será fácil, pois o estrago que se fez na doutrina foi muito grande, embora para nós ela continue intacta, mas se nada for feito teremos que conviver por muito tempo com coisas como OVOIDES e CRIANÇAS INDIGO. Não esperemos algo acontecer, ajamos agora, em uníssono. Não que seja um enfrentamento, mas sim uma assunção séria e definitiva e sobretudo, uma assunção pratica e nao isolada de nossa postura coerente frente a doutrina. Divulguemos em palestras (os que puderem), divulguemos através de jornais espíritas (os que tiverem acesso); divulguemos de boca ate, para os que não pensam como nós (os que tiverem coragem); divulguemos a verdadeira doutrina em todos e por todos os meios. No começo parecera pouco, limitado, mas em breve tempo, o que antes era falado de boca a ouvido, será ilimitado, abrangerá vários estados.


Além dessas invencionices de ovóides e crianças índigo, entre outras, temos outras, como os festejos que levam o nome de espíritas, tipo festa junina espírita, concurso de música espírita e outras mais, e a pessoa que recebe o convite tem uma desculpa, esfarrapada a meu ver, para a sua consciência pela falta de entendimento: eu vou lá, afinal é um evento espírita. Só que de espírita não tem nada, afinal nesses eventos não há preservação da base, dos ensinamentos do codificador. E, me desculpem, isso tudo – desde os almoços e jantares chamados espíritas até as obras que não são da codificação, passando pelas chamadas musicas espíritas – so serve para manter a quase totalidade da grande massa de espíritas totalmente alienada ao verdadeiro espiritismo.


Por isso e muito mais é que estamos lançando o DE VOLTA AS BASES COM KARDEC, que é um movimento formado inicialmente por um grupo pequeno de espíritas conscientes e este grupo não é apenas um grupo de debates marcados por uma posição kardequiana. Funciona, sobretudo,como uma espécie de abaixo-assinado em defesa de um retorno às bases com Kardec e o aspecto científico da doutrina em oposição ao lado místico que tomou conta do Movimento Espírita.


Representa, cada vez que mais um membro entrar, que o movimento ganha corpo e voz. Podem convidar mais membros, com a mesma ideologia, independentemente de já pertencer a algum grupo ou organização, só pedimos que o membro não seja defensor de idéias ou médiuns ou espíritos místicos. Os demais serão bem-vindos. Façamos que nem Allan Kardec nos disse: Permaneçamos unidos como um feixe de varas e desta união sem mesclas, teremos a fortaleza necessária para enfrentarmos todos os ataques e sermos uníssonos no bem.


Quem estiver interessado em realmente fazer parte desse movimento e se integrar é só se pré-inscrever no LIVRO DE VISITAS do blog (http://espiritismocomprofundidade.blog spot.com) que mandarei o nosso endereço virtual no FACEBOOOK para que o candidato faça enfim parte.
 

 

Fonte: http://espiritismocomprofundidade.blogspot.com.br/2012/05/um-retorno-as-bases-com-kardec.html

sábado, 19 de maio de 2012

A Mais Dura Batalha de Herculano Pires

Por Jorge Murta


 

Este é o capítulo mais dramático da vida de José Herculano Pires e um dos mais importantes da história do Movimento espírita mundial. O texto é longo, porém pedimos que não o deixem de ler pois verão as armações do Movimento Espírita Brasileiro contra os quais Herculano se levantou e também um dos raros elogios que se pode fazer a Chico Xavier.


A crucificação do Evangelho

Em 1973 o jornalista Paulo Alves Godoy mantinha cargos diretivos na Federação Espírita do Estado de São Paulo e na União das Sociedades Espíritas de São Paulo. Ele e o confrade Jamil Nagib Salomão (o qual nessa época dirigia a importante Área de divulgação da FEESP) foram a Uberaba visitar o médium Chico Xavier. No decorrer da conversa em meio ao povo o famoso médium dissera, inadvertidamente, que certas expressões de Allan Kardec contidas no Evangelho deveriam ser abrandadas, sem que, no entanto, o pensamento do Codificador sofresse alteração... Na viagem de regresso Jamil Salomão incumbiu Paulo Alves de Godoy de traduzir O Evangelho Segundo o Espiritismo, porém substituindo e até mesmo suprimindo expressões que lhe parecessem agressivas ou inadequadas. Paulo Alves Godoy, por ingenuidade ou vaidade (note-se que já era autor de livros sobre Jesus e os evangelhos...) aceitou a tarefa. Quanto a Jamil Salomão, comerciante experiente, acreditava que a tradução "moderninha" (conforme ele dizia), por ser novidade e trazer o selo da Federação Espírita do Estado de São Paulo, retiraria do mercado em curto prazo a tradução de Guillon Ribeiro e a de Herculano Pires, enchendo, assim os cofres da FEESP...



O trabalho de lesa-doutrina fora realizado sigilosamente, como que na calada da noite, por Paulo Alves Godoy, sob o olhar vigilante de espíritos trevosos. Há de admirar-se o leitor que a diretoria da FEESP aprovasse o plano umbralino, mas o ambiente estava propício para o delito, porque o ensino e a prática mediúnica espíritas nessa instituição mesclavam-se ainda ao orientalismo e esoterismo. A Doutrina Espírita não era estudada diretamente nas obras de Allan Kardec.



A tradução sinistra de Paulo Alves Godoy (na verdade, uma montagem baseada em traduções alheias) foi impressa em julho de 1974 na cidade de Araras. Edição de trinta mil exemplares! Lançada em outubro juntamente com o Instituto de Difusão Espírita de Araras, sob a direção de Salvador Gentile, boa parte da edição fora vendida antecipadamente aos centros espíritas. O confrade Stig Roland Ibsen, proprietário da Livraria Boa-Nova, em São Paulo, também colaborou, distribuindo o resto da obra às livrarias. Quando, pois, Jamil Nagib Salomão e Josian Courté enviaram um exemplar a Herculano Pires, já o evangelho adulterado estava no mercado.



Herculano vai à luta

Grande foi o impacto sofrido pelo mestre ao examinar a tradução. Jorge Rizzini visitou-o no dia seguinte. Herculano Pires apresentava palidez acentuada. Foi com amargura que disse:

– Já viu o que fizeram n’O Evangelho Segundo o Espiritismo? É inacreditável. Paulo Alves Godoy adulterou-o. Edição FEESP.

– E Carlos Jordão da Silva e Luiz Monteiro de Barros? O presidente da federação e o vice concordaram?

– Concordaram. E pareciam espíritas convictos!


E Herculano Pires contou que Luiz Monteiro de Barros o visitava com assiduidade e que, certa vez, ao conversar sobre Jesus e os textos evangélicos, fora tomado por intensa emoção e confessou, quase em lágrimas, ter certeza de que em uma de suas vidas anteriores adulterara o evangelho.

– O passado agora falou mais alto e eles, juntamente com Paulo Alves Godoy, não resistiram às vozes da treva – concluiu Herculano.


– E o que você pretende fazer?

Herculano Pires recordou-se das palavras de Allan Kardec contidas em O Evangelho Segundo o Espiritismo (capítulo X, item 21): "Conforme as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever, pois é melhor que um homem caia do que muitos sejam enganados e se tornem suas vítimas."

E respondeu: – Alertar o movimento espírita de norte a sul! Infelizmente o nome da federação será citado, embora a instituição não tenha culpa da irresponsabilidade de seus atuais diretores. O mestre estava indignado, pois adulterar as obras de Kardec e dá-las ao povo é pior do que queimá-las, como fez o bispo de Barcelona. A luta em defesa do Evangelho seria mais difícil de ser vencida que a das "materializações de Uberaba", porque os inimigos estavam integrados no movimento espírita. Na verdade, Carlos Jordão da Silva, Luiz Monteiro de Barros, Jamil Salomão, Paulo Alves Godoy e Josian Courté sentiam-se acobertados pelo prestígio da então maior instituição espírita do mundo (considerada "reduto dos kardecistas") e não acreditavam que Herculano Pires ousasse vir a público denunciar o crime de lesa-doutrina por eles praticado.



Fatal engano o desses confrades. "Nenhum espírita consciente do valor e do significado real da Doutrina Espírita pode cruzar os braços e calar a boca diante dessa calamidade. – disse o mestre – Trata-se de um gravíssimo problema de cultura. Estamos reduzidos, perante os homens de cultura, à condição de uma súcia de ignorantes, de místicos retrógrados, incapazes de compreender a própria doutrina que esposam."


E redigiu imediatamente um artigo-denúncia intitulado "Adulteração das Obras de Kardec", que o "Diário de São Paulo" estampou em sua edição dominical e que teve o efeito de uma bomba no movimento doutrinário. Dias depois, surpreendentemente, o confrade Alfredo Cruso, que fizera parte da diretoria do Clube dos Jornalistas Espíritas de São Paulo e que dirigia uma gráfica, presenteou Herculano Pires com sessenta e quatro mil folhetos reproduzindo o artigo-denúncia. O Grupo Espírita Cairbar Schutel, que funcionava na residência de Herculano Pires e por ele presidido, incumbiu-se da distribuição em todos os Estados brasileiros.



"É inacreditável – escreveu o mestre – que a adulteração tenha partido de onde partiu. Mas a edição aí está, na própria livraria da Federação, num lançamento de trinta mil volumes para venda a preços populares. Com ela, a Federação quebra o clima de respeito pelos textos das obras básicas do Espiritismo. De agora em diante, os reformadores de Kardec terão as mãos livres para fazer as alterações com que vêm sonhando há muitos anos, de forma a adaptar, cada grupo, essas obras à sua maneira particular de encarar os problemas espíritas. Mais grave se torna o caso diante da ameaça de lançamento de toda a Codificação em novas traduções por esse mesmo processo."



E após mostrar exemplos da adulteração espalhados por todo o livro, escreve o mestre com o necessário vigor: "Ninguém, sob nenhum pretexto, tem o direito de fazer adulterações nos textos de Kardec ou de qualquer autor de obras doutrinárias ou não. Quando se trata de obras básicas de qualquer doutrina, essa prática é considerada criminosa. E o crime é tanto mais grave quando praticado em obras de autor já falecido e cujos direitos autorais caíram no domínio público. Porque a figura jurídica do domínio público resguarda a integridade da obra, permitindo apenas que ela seja publicada por qualquer editor sem pagamento de direitos autorais.



No caso das obras de Kardec, que constituem o fundamento doutrinário do Espiritismo, cabe às instituições espíritas zelar pela sua integridade, impedir a sua desfiguração por qualquer editor irresponsável. Mas se as próprias instituições doutrinárias se puserem a desfigurar essas obras, quem as defenderá, quem resguardará a sua integridade? E que respeito mostramos pela Doutrina, quando somos os primeiros a deturpar os seus fundamentos?



Não se diga que as alterações são poucas e superficiais. Damos aqui alguns exemplos, mas esses casos citados se estendem por todo o volume, constituindo uma adulteração geral da obra. Não são superficiais, porque afetam a estrutura da obra e o seu próprio sentido, tiram-lhe a seriedade e a precisão terminológica, envolvendo-a no ridículo e amesquinhando a posição intelectual de Kardec. Só resta à Federação uma medida urgente: retirar a edição de circulação e sofrer o prejuízo decorrente da falta de critério desse lançamento."



E mais fez o apóstolo de Kardec. Em seu programa de grande audiência "No Limiar do Amanhã", na Rádio Mulher, denunciou a adulteração enquanto seu amigo Jorge Rizzini, que desde a primeira hora esteve ao seu lado e que produzia e apresentava o programa "Um Passo no Além", na Rádio Boa-Nova e Rádio Clube de Sorocaba, irradiava, semanalmente, uma entrevista de Herculano Pires sobre o doloroso assunto. Os adulteradores, então, pressionados, viram-se obrigados a vir a público.


Reagem os adulteradores
O presidente da FEESP, Carlos Jordão da Silva, remetera à direção daquelas emissoras de Rádio esclarecimentos sobre a "nova tradução" do Evangelho, solicitando fossem divulgados nos programas que a denunciavam. O documento traz a data de 30 de outubro de 1974 e dele destacamos o primeiro item, cuja mentira causa pasmo. Ei-la: "A iniciativa (da FEESP) de editar tradução de sua responsabilidade deve-se ao fato não de julgar insatisfatórias as traduções existentes, mas sim à contingência de não poder delas se utilizar sem pagar direitos. (...)"



Ora, a verdade cristalina é que a FEESP já havia publicado em julho de 1970 (quatro anos antes da adulteração) uma edição de O Evangelho traduzida por Herculano Pires, cujos direitos ele cedera, gratuitamente, à instituição, que imprimira doze mil exemplares. Quatro meses depois foi lançada a segunda edição (mais doze mil exemplares). A terceira edição a FEESP pôs à venda em setembro de 1971 (quinze mil exemplares), totalizando em tão curto período trinta e nove mil exemplares!



Posteriormente, em 1973 (note o leitor: um ano antes da adulteração) Herculano Pires entregara à Federação Espírita do Estado de São Paulo outro documento sobre os direitos de edição de suas traduções das obras de Allan Kardec. Tem por título "Concessão de Direitos Autorais". Nele o mestre escreveu o que passamos a transcrever: "Pelo presente documento concedo à Federação Espírita do Estado de São Paulo o direito de publicar todas as obras de Allan Kardec de minha tradução, sem qualquer pagamento de direitos autorais. Essas obras são, até o momento: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e Obras Póstumas. Não se tratando de simples tradução, mas de cuidadosa reelaboração dessas obras em nossa língua, antecedidas de prefácios explicativos e notas e comentários esclarecedores, constituem-se esses volumes em obras de reelaboração literária, com texto específico, não podendo ser editada com exclusão de nenhum dos seus elementos constitutivos.


Tendo concedido a publicação inicial das mesmas, através dos documentos necessários, às seguintes livrarias: Editora Cultural Espírita Ltda – EDICEL, e Livraria Allan Kardec Editora – LAKE, bem como à Editora Calvário (a esta com aprovação das duas anteriores), vai este documento também assinado pelas referidas concessionárias. (...)"



A atitude correta a ser tomada por Carlos Jordão da Silva seria, pois, reconhecer com humildade o delito doutrinário gravíssimo, mas o orgulho ferido prevalecera e ele preferiu defender-se com a mentira, embora o Evangelho fosse o tema da polêmica.



Herculano Pires, ao ler os "esclarecimentos" de Carlos Jordão da Silva, enviou-lhe uma longa carta datada de 7 de novembro, da qual extraímos os seguintes tópicos: "Li, com surpresa e amargor, o pronunciamento dessa Federação, tentando justificar a adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo, na infeliz tradução de Paulo Alves Godoy. Considero estranha e desoladora essa atitude da FEESP, que lança definitivamente o nosso movimento doutrinário no despenhadeiro das deturpações da obra de Kardec. Alimentei durante anos a esperança de que a presença de velhos militantes como Carlos Jordão da Silva e Luiz Monteiro de Barros, na direção dessa casa, conseguisse arredá-la dos caminhos tortuosos que há muito vinha seguindo em suas práticas internas. Vejo agora que minha esperança não passava de um sonho, de uma ingênua ilusão. Esse pronunciamento único e, portanto, decisivo selou a sorte da FEESP: coube-lhe o papel de iniciadora, no Brasil e no mundo, de um processo imprevisível de desfiguração dos textos fundamentais da Doutrina Espírita.


Os itens esclarecedores da justificativa revelam o clima de tensão emocional, de paixão grupal que envolve essa casa, tirando aos seus dirigentes mais lúcidos a possibilidade de ver os descaminhos a que se lançam. Consuma-se, assim, a falência das instituições de cúpula da direção do movimento espírita brasileiro. De um lado temos a FEB dominada pela fascinação roustainguista e de outro lado a FEESP, que parecia o baluarte sulino da resistência kardecista, voltada para a triste tarefa de uma suposta atualização dos textos doutrinários, eufemismo que mal encobre o crime evidente da adulteração. Ou os diretores da FEESP não conhecem o sentido dessa palavra?



Lamento não ter podido usar uma linguagem untada de fraternismo adocicado, nem sempre usado na FEESP, mas exigida para os que a ela se dirigem. Meu temperamento se afina com a linguagem usada nos Evangelhos, nas epístolas e nos trabalhos sinceros e francos de Kardec. Não vejo outra maneira de sermos fiéis à verdade. Entre a rudeza agressiva e a voz clara da verdade há grande distância, que nem todos percebem. Nunca pretendi agredir, mas apenas dizer o que sinto e penso com as palavras certas, exatas, sem simulações, segundo aprendi no Espiritismo.



Se a FEESP deseja críticas construtivas, penso que as ofereci com toda a sinceridade, mostrando alguns dos pontos essenciais da adulteração cometida na tradução em causa. Não me foi possível fazê-las em particular, na forma de confissão auricular, por dois motivos: 1º) porque sou avesso a esse tipo de conversação de comadres; 2º) porque tive de enfrentar o fato consumado de uma edição adulterada já lançada à venda, oferecida ao público. Nessa condição, não me cabia apenas falar aos dirigentes ou pedir-lhes explicações, mas também e sobretudo advertir o público, submetido a um processo evidente de mistificação doutrinária. Cumpri o meu dever de espírita e de jornalista e escritor espírita.



Não guardo ressentimento contra ninguém. Não sou contra ninguém. Sou contra a adulteração, contra a linguagem fingida, contra o espírito conventual, contra a pretensão ingênua dos que se julgam capazes de corrigir as obras de um mestre da língua, da lógica e do espírito, como Allan Kardec. Os que puderem me suportar assim, continuarão certamente meus amigos. Aos que não puderem, e aos que fazem insinuações caluniosas contra mim, dirigirei pensamentos de amor e compreensão, pois devemos amar a todos e compreender os que erram."



Como era de prever-se, Carlos Jordão da Silva e Luiz Monteiro de Barros (Herculano Pires até então os considerava "grandes e velhos amigos, companheiros de longos anos de militância espírita") silenciaram e continuaram a apoiar a divulgação e a venda de O Evangelho adulterado. Os "esclarecimentos" remetidos a Roberto Montoro, diretor da Rádio Mulher, foram, no entanto, lidos no programa "No Limiar do Amanhã" com a aquiescência de Herculano Pires. Mãos de gato, porém, agiam nos estúdios da Rádio Mulher. O programa mais completo sobre a adulteração havia sido misteriosamente desgravado. E o segundo, que abordava também com detalhes o crime de lesa-doutrina, não fora irradiado, dando a impressão aos ouvintes que Herculano Pires desistira de defender o Evangelho de Jesus. O mestre, então, não mais pôs os pés naquela Emissora.



"No dia 23 o programa "No Limiar da Manhã" voltou ao ar de maneira aparentemente normal. Mas todos os ouvintes puderam sentir que não era mais o mesmo. A voz de Herculano não estava presente. Copiavam-lhe o sistema, a estrutura, mas logo de início faltava aquela frase viril que sempre o caracterizou: Um Desafio no Espaço! Não havia mais desafio. A verdade fora esmagada em favor das conveniências. E nem um aviso, nem uma nota sobre a ausência do seu criador, do homem que o lançara e mantivera no ar durante quatro anos seguidos."



Dias depois Herculano Pires teria a confirmação de que fora o Grupo Espírita Emmanuel, da cidade de São Bernardo do Campo, o qual patrocinava simbolicamente as transmissões, o responsável pelos atos de vandalismo que resultaram no desfecho dramático do programa "No Limiar do Amanhã". Note o leitor que o fundador (e líder do referido grupo) era o editor Rolando Ramaciotti, que Herculano Pires acreditava ser um grande amigo..


Resposta aos detratores

Alguns atos de Herculano Pires em defesa da obra de Allan Kardec foram quase simultâneos, porque a batalha estendera-se a outros Estados brasileiros. O mestre desdobrava-se apoiado pela Espiritualidade Superior. Escrevera outro artigo-denúncia e enviara ao jornal "Mundo Espírita" (órgão da Federação Espírita do Paraná), que o publicou na edição de 31 de dezembro de 1974, além de cartas a confrades que o denegriam instruídos pelos adulteradores. Antes de transcrevermos algumas dessas cartas, narremos já seu plano olímpico, epopeico, que pôs fim ao escândalo da adulteração.



São de Herculano Pires estas palavras: "Estamos diante desta realidade estarrecedora: o movimento espírita se dividiu em duas partes, uma que sustenta a verdade e outra que defende a mentira, a deturpação dos textos. É dura esta realidade, bem o sabemos, mas é real, concreta, palpável, inegável. Chegamos a um momento decisivo, a um divisor de águas. Não há mais lugar para acomodações, para indecisões, para o "jeitinho" dos que preferem as conveniências. Ficamos com a verdade ou ficamos com a mentira. Uma frase evangélica define esta situação: Seja o teu falar sim, sim; não, não; pois o passar disto vem do maligno.



Não podemos recuar, nem calar. O que está em jogo não é a nossa opinião pessoal ou grupal, a nossa verdade particular. O que está em jogo é o Espiritismo, a Verdade Universal pregada por Jesus, destruída nas fogueiras da mentira e ressuscitada pelo Espírito da Verdade."



E Herculano Pires, o apóstolo de Kardec, expôs a ideia de publicar um jornal em forma de tabloide, cujo número inicial seria inteiramente dedicado ao problema da adulteração. A edição de quarenta mil exemplares seria distribuída gratuitamente pelo Grupo Espírita Cairbar Schutel, que ele presidia e que funcionava na garagem de seu lar. O jornal, porém, não tinha nome e seu amigo Jorge Rizzini sugeriu "Mensagem Espírita", mas Herculano Pires desejava que circulasse também fora do movimento doutrinário, e o título ficou sendo "Mensagem".



Os quarenta mil exemplares lançados em dezembro de 1974 circularam na maioria dos centros espíritas do país e repercutiram intensamente. Assemelhavam-se a quarenta mil bombas de efeito moral. Na primeira página (impressa em duas cores) lia-se a seguinte manchete: Adulteradores da obra de Kardec impedem a divulgação da verdade.



O jornal em seguida reproduzia o "script" do programa "No Limiar do Amanhã" escamoteado pelos adulteradores; programa em que o mestre analisara o pronunciamento da FEESP sobre a maligna "tradução" de Paulo Alves Godoy. A vitória do Evangelho sobre a mentira parecia desenhar-se no horizonte, pois pequeno grupo de confrades ilustres passara a apoiar publicamente a campanha liderada por Herculano Pires: Messias Antônio da Silva, Jorge Borges de Souza, Aureliano Alves Neto, Alfredo Miguel, Deolindo Amorim, Guido Del Picchia, Agnelo Morato; e mais um ou dois confrades. Entre os jornais reticentes, silenciosos, mas coniventes com o crime de lesa-doutrina, temos de citar, lamentavelmente, o de Freitas Nobre, diretor de "Folha Espírita". "Esse jornal – escreveu Herculano Pires em "Vigilância", suplemento de "Mensagem") – segue uma linha de omissão comprometedora, a ponto de nem sequer ter noticiado que houve uma adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo, em São Paulo."



Outro órgão que envergonhou a imprensa espírita foi o "Jornal Espírita", do novo proprietário da Livraria Allan Kardec Editora (LAKE), o argentino naturalizado brasileiro Roberto Ferrero. "O "Jornal Espírita", que havia quebrado a tradição kardecista do movimento espírita paulista divulgando, inclusive, o roustainguismo, em seu segundo número – registra Herculano Pires em "Mensagem", edição de agosto de 1975 –, atreveu-se a reproduzir o artigo de fundo de nosso número anterior (artigo estampado em "Mensagem") adulterando-o e apresentando-o como escrito especialmente para as suas páginas. Trata-se do estudo "Chico Xavier, o homem, o médium e o mito", do qual foi simplesmente cortada a parte final que se referia ao pronunciamento decisivo do famoso médium contra a adulteração das obras de Kardec."



Os quarenta mil exemplares de "Mensagem", expondo, corajosamente, diante do movimento espírita brasileiro a nudez da verdade, irritaram os que se confraternizavam secretamente, inclusive por carta, com os adulteradores. Leia-se a resposta de Herculano Pires enviada em 15 de abril de 1975 ao livreiro e editor Stig Roland Ibsen (um dos distribuidores do Evangelho apócrifo às livrarias), da qual extraímos estes trechos reveladores: "O que você entende, Stig, por caridade? Cumplicidade com o erro, com o atrevimento, com a profanação? Onde há caridade: em preservar para o povo a verdade dos textos ou aprovar a desfiguração da verdade para satisfazer nossas preferências pessoais? Jesus foi descaridoso quando disse pesadas palavras aos fariseus para despertar-lhes a consciência vaidosa? Devia elogiá-los por recusarem a verdade límpida que ele ensinava?


Há coisas, Stig, que se chamam convicção, amor pela doutrina que se professa, respeito pela III Revelação, reconhecimento de nossa pequenez diante da grandeza espiritual do Evangelho, de Jesus e do Espírito da Verdade. Minha consciência não me permite faltar a essas coisas.



(...) É realmente triste, para mim, ter de reconhecer e precisar dizer de público que Chico revelou desconhecer a extensão de sua responsabilidade no campo doutrinário. Mas a verdade é essa, pois se o reconhecesse não teria formado com Paulo e Jamil o trio interessado em "abrandar" o Evangelho. Chico entrou numa canoa furada por invigilância, como ele mesmo confessa, e ainda agora, reconhecendo o erro, quer sustentá-lo para não faltar com a solidariedade aos dois patetas, sem se lembrar das consequências que o seu endosso a essa miserável trapaça, filha da ignorância e da vaidade, poderá acarretar para o movimento espírita. É duro dizer isto, mas é verdade. O que está em causa, Stig, não é a opinião deste ou daquele, é a Doutrina, é o Espiritismo!



O precedente da FEESP a coloca abaixo da própria FEB, abrindo oficialmente as comportas da deturpação de toda a obra de Kardec. Só posso admitir que isso tenha acontecido, e que vocês persistam na defesa dessa barbaridade sem limites por motivo de uma fascinação coletiva. Se qualquer borrabotas se põe a corrigir Kardec, Jesus e o Espírito da Verdade, com ares de sabichão e santarrão, sob a custódia de uma instituição doutrinária de renome, onde vamos parar?



(...) Tudo eu podia esperar do nosso pobre movimento espírita, menos essa burrice desmedida, essa besteira colossal, essa prova esmagadora de que dirigentes espíritas brasileiros não têm o mínimo senso de suas responsabilidades espirituais nesta hora do mundo. É uma vergonha o que aconteceu. Só podemos lembrar a advertência de Jesus: "Não atireis pérolas aos porcos..." Sim, porque os porcos não querem pérolas, querem milho. Estamos moralmente falidos. E é só, pois abaixo disso nada mais existe."



Não há como contestar as palavras do apóstolo de Kardec. Além de receber críticas às vezes ferinas, o mestre foi caluniado por defender publicamente a pureza ideológica. A propósito, vamos destacar, para a meditação do leitor, trechos de uma carta de Herculano Pires endereçada em 10 de abril de 1975 a Antônio de Souza Lucena (autor de livros contendo resumos biográficos em parceria com Paulo Alves Godoy): "Surpreendeu-me dolorosamente e chegou mesmo a causar-me indignação a maneira leviana e caluniosa com que o senhor se referiu a mim e a Rizzini, em longa e tenebrosa carta que dirigiu a Alfredo Miguel, dando-lhe ainda a licença de nos transmitir o texto da mesma.



Peço-lhe informar-me, pela volta do correio, quem foi que lhe deu as informações que tão levianamente transmitiu a outrem, sobre as minhas atividades espíritas e particularmente a minha posição no caso vergonhoso da adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Quem lhe pregou a mentira caluniosa, e como o fez, de que eu recebia 40 por cento de direitos autorais da minha tradução (GRATUITAMENTE concedida à LAKE, à Editora Calvário, à EDICEL e... à Federação Espírita do Estado de são Paulo). Cedi ainda gratuitamente a minha tradução à Editora 3 (leiga) da revista "Planeta", para uma edição de 70 mil exemplares que foi vendida em bancas de todo o Brasil. Divulguei isso amplamente e ninguém me contestou, porque não há contestação possível. Peço ao senhor que me indique o caluniador, a fim de tomar minhas providências a respeito.



Aquilo que o senhor chamou em sua carta de "sujeira" realmente o era, mas não praticada por mim e sim pelos seus informantes, aos quais o senhor se juntou na divulgação da calúnia. Felizmente Alfredo Miguel me conhece e escreveu a Rizzini contando que não pôde responder a sua carta até aquele momento por ter ficado chocado com as suas "novidades".



O senhor condenou a nossa defesa pública da obra de Kardec. Informo-lhe que não sou e nunca fui homem de sacristia e confessionário, não gosto de conversas de comadre em assuntos de interesse público e estou sempre disposto a levar nossos problemas ao conhecimento do público. O Espiritismo não é igreja nem ordem oculta, é doutrina aberta, porque só lhe interessa a verdade. Não temos o direito de esconder do público a nossa doutrina e muito menos as deturpações que dela fazem. Não queremos enganar o público e nem deixar que o enganem. Lutamos pela verdade e por isso lutamos às claras. Não entendo Espiritismo de portas e janelas fechadas.



Se não fosse a nossa reação pública e enérgica, a adulteração já teria atingido as demais obras de Kardec. Paulo Godoy já se vangloriava de estar adulterando O Livro dos Espíritos para lançamento urgente. Nossa reação despertou o Brasil e fez recuar os adulteradores. O Espiritismo precisa de espíritos livres e corajosos para difundi-lo e defendê-lo de cabeça erguida. Posso fazê-lo, graças a Deus, porque em meus quarenta anos de atividade doutrinária nada pratiquei que me envergonhe. A prova disso está em suas mãos. A FEESP e sua equipe de adulteradores não acharam nada de que me acusar. Tiveram de mentir e caluniar. É pena que o senhor se tenha deixado levar nessa onda de sujeira moral. Aceito o seu envolvimento como o produto de invigilância e não o quero mal por isso. Mas não posso deixar que os caluniadores continuem a sua semeadura oculta, através de cartas e outros expedientes dessa espécie. Por isso lhe peço que me diga quem e como lhe forneceu esses dados mentirosos. Quero ver se esse alguém sustenta o meu olhar quando eu o interpelar a respeito.



O medo do público é típico dos que pretendem iludir e trapacear. Nós, espíritas, não devemos temer o público. Nosso dever é esclarecer e orientar, mesmo que os adversários nos chamem de cachorros. Eles temem o debate público porque sabem que sairiam prejudicados de uma luta aberta e sincera. Nós não temos o que temer. Nossa batalha está chegando ao fim e nem eu nem Rizzini, nem os demais que nos acompanharam por todo o país, nenhum de nós saiu envergonhado da luta. Pelo contrário, saímos vitoriosos e engrandecidos em nossa pequenez de lutadores da verdade. E o que é mais importante: a Doutrina saiu ilesa e Kardec foi desafrontado.


Não estamos no Céu, meu caro Sr. Lucena, e não somos anjos. Estamos na Terra, mundo de provas e expiações, e precisamos seguir o exemplo de Jesus, usando chicote contra os vendilhões do Templo e debatendo em público os problemas espirituais com os fariseus. O Espiritismo não é caixa de segredos nem vive de conciliábulos. Nossos problemas devem ser tratados à luz do dia, porque nada temos a esconder de ninguém.



Acho que chega o que já escrevi. Mas envio-lhe ainda alguns documentos a respeito, para que o digno companheiro Lucena veja a extensão e a profundidade dessa coisa que, sem conhecimento exato, pensou que devia ficar em segredo. Verá o companheiro que é preferível lavar a roupa suja em público do que pactuar com tanta sujeira. Não somos cardeais nem sacerdotes dos antigos Mistérios para considerar o público como um rebanho de beócios e ignorantes. O caso da adulteração provou que o debate público favorece a Doutrina, enquanto a sujeira escondida infecciona os porões. Estamos na era da Verdade e não podemos enganar o povo. É bom que o povo saiba que não queremos bancar santinhos do pau-oco, mas exigimos sempre a verdade. Um abraço. E não me queira mal por dizer a verdade sem rebuços."



A sentença final

Registremos agora outro acontecimento insólito. Não obstante os programas de Rádio, quarenta mil exemplares de "Mensagem", sessenta e quatro mil folhetos, artigos redigidos pelos confrades mais lúcidos e o clamor dos dirigentes de centros espíritas rejeitando a adulteração do Evangelho, a USE – União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo aguardou cinco meses para definir sua posição sobre o escandaloso caso. Tempo mais que suficiente para que a FEESP vendesse a edição maligna.



O Conselho Deliberativo Estadual da USE reunira-se na sede da FEESP às nove horas da manhã do dia 9 de março de 1975 e só então a adulteração foi condenada "oficialmente", por unanimidade. Paulo Alves Godoy não compareceu, mas afirmara em uma carta (lida pelo Dr. Luiz Monteiro de Barros na reunião) que o médium Chico Xavier era o autor intelectual da adulteração. Carlos Jordão da Silva, presidente da FEESP, sem constrangimento vangloriou-se em suas explicações de haver sido esgotada a edição do Evangelho apócrifo. A vaidade humana (dizia Herculano Pires, com seu infalível bom-senso) é a casca de banana na calçada da nossa invigilância...


Quanto a Chico Xavier, "envolvido indebitamente no caso da adulteração por haver sugerido uma modificação em tradução que lhe parecia embaraçosa, sentiu-se responsável pelo crime e assumiu de pronto a sua responsabilidade total. Logo mais, passado o estado emocional que o confundira, ao tomar consciência da distância que havia entre a sua sugestão e a intenção dos adulteradores, voltou a público para condenar a desfiguração dos textos kardecianos e retificar a sua posição".


Herculano Pires, então, remeteu ao famoso médium de Uberaba uma carta, cujos trechos a seguir merecem a meditação dos leitores: "Meu caro Chico Xavier: Recebi hoje sua carta e agora mesmo passo a respondê-la, agradecendo suas expressões de amizade e sua tocante preocupação por meus sofrimentos e angústias. De todas as minhas lutas, primeiro comigo mesmo, depois com os outros e por fim com a Doutrina, foi esta a mais dura que tive de enfrentar, sofrendo traições e calúnias de companheiros que há mais de trinta anos considerava como amigos sinceros e espíritas convictos.


No caso da obra de Kardec, a deturpação excede os limites do crime para invadir a área da profanação. Essa obra não é apenas o trabalho de um homem, mas a Revelação do Espírito da Verdade, no cumprimento de uma promessa do Cristo que se refere ao restabelecimento e desenvolvimento da obra de redenção do mundo.


(...) Imagine, meu caro Chico, um pintor de paredes corrigindo um quadro de Michelangelo ou um poetastro qualquer a corrigir Os Lusíadas, de Camões. E tudo isso ainda seria uma profanação secundária em face à planejada adulteração de toda a Codificação, segundo o esquema revelado por Paulo Godoy e pela FEESP em suas lamentáveis "explicações" no volume de O Evangelho adulterado.



Restam-nos os frutos de uma dolorosa experiência em que tivemos de verificar e sentir a falta de convicção espírita dos líderes do movimento doutrinário, a falta de caráter de companheiros que considerávamos positivos e leais, a falta quase total de compreensão do que é o Espiritismo e do que representa para o mundo a obra de Kardec, a falta de respeito pelos textos fundamentais da Doutrina, o desprezo pela dignidade humana e o serviço dos colaboradores desinteressados de várias instituições, a falta de consideração no plano das amizades pessoais, o baixíssimo nível cultural do movimento espírita, e o que é pior, a falta de amor pela doutrina.



Nenhuma reunião de cúpula, no Brasil e no mundo, tem autoridade para modificar palavras e expressões dos Evangelhos de Jesus e das obras de Kardec. (...) As supostas autoridades de cúpulas revelaram-se incapazes de enfrentar com dignidade a hora de prova e testemunho. Na hora da agonia Kardec ficou só, como o Cristo no Calvário. E as trinta moedas do Sinédrio converteram-se em trinta mil volumes de ridícula adulteração de O Evangelho Segundo o Espiritismo. Se esses volumes tilintassem, como as moedas de Judas, o barulho da traição ensurdeceria o Brasil.



A última arma que sobrou aos adulteradores foi a calúnia, o que bastaria para mostrar o mau combate em que se empenharam. (...) Não é com criaturas ainda tão imaturas que o Espiritismo poderá avançar. Temos de suportá-los ao nosso lado, tolerá-los com paciência e amor, ajudá-los o quanto possível, mas não podemos sacrificar o movimento doutrinário às suas vaidosas e estúpidas pretensões.


Meu caro Chico, não temos o direito de vacilar nesta hora. Ou lutamos para elevar a precária moral do movimento espírita, agora posta a nu, ou nos atrelamos ao carro da desmoralização e fazemos como o cego do Evangelho, conduzindo os outros cegos ao barranco. Não fosse a moral ilibada de Kardec e a sua firmeza doutrinária e o Espiritismo teria desaparecido do mundo após o seu desencarne. E é a obra desse homem (que não é dele, como sabemos, senão em parte) que hoje queremos "atualizar", na base da ignorância generalizada do nosso meio espírita? Digo-lhe com absoluta convicção que ainda estamos longe de haver compreendido essa obra, que não pertence à nossa triste atualidade, mas a um futuro radioso."


Os louros da vitória

E Chico Xavier, então, propôs ao apóstolo de Kardec que escrevesse um livro (ambos o assinariam) em cujas páginas seriam incluídas as mensagens e as cartas que lhe remetera sobre a adulteração. Pois (confessou o famoso psicógrafo) "... a verdade é que a sua veemência necessária na defesa da obra de Allan Kardec me fez pensar muito no cuidado que todos nós, os espíritas, devemos ter na preservação dos textos referidos, sob pena de criarmos dificuldades irreparáveis para nós mesmos, agora e no futuro" (a carta traz a data de 07-09-1975).



Quando Na Hora do Testemunho veio à luz, Chico Xavier exultou, conforme se lê em sua carta datada de 27-09-1978: "Caro amigo Professor Herculano: Deus nos abençoe. Perdoe-me se ainda não lhe escrevi agradecendo a remessa do nosso belo livro Na Hora do Testemunho. E digo "belo livro" porque esse volume é o nosso coração unido à obra de Allan Kardec, com os nossos melhores testemunhos de respeito e fidelidade ao grande missionário da Doutrina Espírita. Agradeço-lhe a remessa, com todo o meu coração. O livro ficou nobre e digno e me regozijo com esse notável lançamento em que tenho a honra de estar ao seu lado, trabalhando, modestamente, embora na demonstração de nosso apreço ao Codificador. Muito grato. Desde já, agradeço a atenção que, como sempre, receberei de sua bondade. Com muitas lembranças para D. Virgínia e todos os seus queridos familiares, num grande abraço, sou o seu servidor reconhecido de sempre, Chico Xavier."



Vencida por Herculano Pires a grande batalha contra os adulteradores do Evangelho (e, pois, em defesa da integridade das demais obras de Allan Kardec), a publicação do livro Na Hora do Testemunho em 1978, que analisa essa batalha, foi, a nosso ver, como que uma coroa de louros sobre sua cabeça. No ano seguinte o mestre desencarnaria.


"O Espiritismo – proclamou ele, advertindo os leitores do futuro –, é uma questão de bom-senso, como escreveu Kardec, mas as criaturas insensatas estão por toda parte. Precisamos manter constante vigilância em nossos estudos para não cairmos nas mistificações que nos levam a deturpar e aviltar a doutrina. Bastaria um pouco de humildade para vermos, como ensina Kardec, a ponta da orelha do mistificador, que sempre aparece nos textos mentirosos ou ilusórios. A mistificação se alimenta da vaidade e pretensão, desse orgulho infantil a que não escapam nem mesmo pessoas ilustradas. Muitas vezes, pelo contrário, as pessoas ilustradas não passam de analfabetas ilustres, mais sujeitas, por sua vaidade pueril, à mistificação, do que as pessoas humildes mas dotadas de bom-senso. Kardec tem razão ao afirmar que o bom-senso e a humildade são preservativos da mistificação. Nenhum espírito nos mistifica se nós mesmos já não estivermos nos mistificando por vontade própria."



E ainda mais: "Não façamos do Espiritismo uma ciência de gigantes em mãos de pigmeus. Ele nos oferece uma concepção realista do mundo e uma visão viril do homem. Arquivemos para sempre as pregações de sacristão, os cursinhos de miniaturas de anjos, à semelhança das miniaturas japonesas de árvores. Enfrentemos os problemas doutrinários na perspectiva exata da liberdade e da responsabilidade de seres imortais. Reconheçamos a fragilidade humana, mas não nos esqueçamos da força e do poder do espírito encerrado no corpo. Não encaremos a vida cobertos de cinzas medievais. Não façamos da existência um muro de lamentações. Somos artesãos, artistas, operários, construtores do mundo e temos de construí-lo segundo o modelo dos mundos superiores que esplendem nas constelações. Estudemos a doutrina aprofundando-lhe os princípios. Remontemos o nosso pensamento às lições viris do Cristo, restabelecendo na Terra as dimensões perdidas do seu Evangelho. Esta é a nossa tarefa."



Finalizemos este capítulo cumprindo o dever moral de acrescentar que o companheiro Paulo Alves Godoy, que em 1973 se deixara fascinar pelos sicofantas do Além, recuperara o prestígio que gozara no movimento espírita nacional ao publicar – rigorosamente de acordo com a verdade espírita – uma série de livros sobre o Evangelho


 

Fonte: http://espiritismocomprofundidade.blogspot.com.br/2012/05/mais-dura-batalha-de-herculano-pires.html

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Kardec e o perigo dos espíritos pseudo-sábios

Por Artur Felipe Azevedo


 

"Ora, a experiência mostra que os maus se comunicam tanto quanto os bons. Os que são francamente maus, são facilmente reconhecíveis; MAS HÁ TAMBÉM OS MEIO SÁBIOS, FALSOS SÁBIOS, PRESUNÇOSOS, SISTEMÁTICOS e até hipócritas. ESTES SÃO OS MAIS PERIGOSOS, PORQUE AFETAM UMA APARÊNCIA SÉRIA, DE CIÊNCIA E DE SABEDORIA, em favor da qual proclamam, em meio a algumas verdades e boas máximas, AS MAIS ABSURDAS COISAS.



SEPARAR O VERDADEIRO DO FALSO, DESCOBRIR A TRAPAÇA OCULTA NUMA CASCATA DE PALAVRAS BONITAS, DESMASCARAR OS IMPOSTORES, EIS, SEM CONTRADITA, UMA DAS MAIORES DIFICULDADES DA CIÊNCIA ESPÍRITA."


NÃO BASTA SER ESPÍRITO


"Mas, dirão certos críticos, não tende, pois, confiança nos Espíritos, uma vez que duvidais de suas afirmações? Como inteligências libertas da matéria não podem levantar todas as dúvidas da ciência, lançar luz onde reina a obscuridade?


Esta uma questão muito grave, que se prende à própria base do Espiritismo, e que não poderíamos resolver neste momento, sem repetir o já dissemos a esse respeito; não diremos, senão algumas palavras para justificar as nossas reservas. Responder-lhes-emos, de início, que se tornaria sábio a bom preço se não se tratasse senão de interrogar os Espíritos para conhecer-se tudo o que se ignora. Deus quer que adquiramos a ciência pelo trabalho, e não encarregou os Espíritos de nos trazer tudo pronto para favorecer a nossa preguiça.



Em segundo lugar, a Humanidade, como os indivíduos, tem sua infância, sua adolescência, sua juventude e sua virilidade. Os Espíritos, encarregados por Deus de instruírem os homens, devem, pois, proporcionar seu ensinamento para o desenvolvimento da inteligência; nunca dirão tudo a todo mundo, e esperam, antes de semear, que a Terra esteja pronta para receber a semente, para fazê-la frutificar.


Eis porque certas verdades, que nos são ensinadas hoje não o foram aos nossos pais que, eles também, interrogavam os Espíritos; eis porque, verdades pelas quais não estamos maduros, não serão ensinadas senão àqueles que virão depois de nós. Nosso erro é crer-nos chegados ao topo da escala, ao passo que não estamos ainda senão na metade do caminho.



Dizemos de passagem que os Espíritos têm duas maneiras para instruírem os homens; podem fazê-lo, seja comunicando-se diretamente com eles, o que fizeram em todos os tempos assim como o provam todas às histórias sagradas e profanas, seja encarnando-se entre eles para aí cumprir missões de progresso. Tais são esses homens de bem e de gênio que aparecem, de tempos em tempos, como luz para a Humanidade e lhe fazem dar alguns passos à frente. Vede o que ocorre quando esses mesmos homens vêm antes do tempo propício para as idéias que devem propagar: são desconhecidos quando vivos, mas o seu ensinamento não se perde; depositado nos arquivos do mundo, como um grão precioso colocado em reserva, um belo dia sai do pó, no momento em que pode dar seus frutos.



Desde então, compreende-se que se o tempo requerido para difundir certas idéias não chegou, interrogar-se-ia os Espíritos em vão, eles não podem dizer senão o que lhes é permitido. Mas é uma outra razão que compreendem perfeitamente todos aqueles que têm alguma experiência do mundo Espírita.



Não basta ser Espírito para possuir a ciência universal, de outro modo a morte nos tornaria quase os iguais a Deus. O simples bom senso, de resto, recusa-se a admitir que o Espírito de um selvagem, de um ignorante ou de um mau, desde o momento que esteja livre da matéria, esteja no nível de sábio ou do homem de bem; isso não seria racional. Há, pois, Espíritos avançados, e outros mais ou menos atrasados que devem percorrer mais de uma etapa, passar por numerosos e severos exames, antes de estarem despojados de todas as suas imperfeições. Isso resulta que se encontram, no mundo dos Espíritos, todas as variedades morais e intelectuais que se encontram entre os homens, e muitas outras ainda; ora, a experiência prova que os maus se comunicam tão bem quanto os bons. Aqueles que são francamente maus são facilmente reconhecíveis; mas há também, entre eles, os meio sábios, os falsos sábios, os presunçosos, os sistemáticos e mesmo os hipócritas; aqueles são os mais perigosos porque afetam uma aparência de seriedade, de sabedoria e de ciência, a favor da qual debitam, freqüentemente, no meio de algumas verdades, de algumas boas máximas, as coisas mais absurdas; e para melhor enganarem, não temem em se ornarem com os nomes mais respeitáveis. Distinguir o verdadeiro do falso, descobrir a fraude escondida sob uma parada de grandes palavras, desmascarar os impostores, eis aí, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência Espírita. Para superá-la é preciso uma longa experiência, conhecer todas as astúcias das quais são capazes os Espíritos de baixo estágio, ter muita prudência, ver as coisas com o mais imperturbável sangue frio, e se guardar, sobretudo, contra o entusiasmo que cega. Com habilidade e um pouco de tato chega-se facilmente a ver a ponta da orelha, mesmo sob a ênfase da mais pretensiosa linguagem. Mas infeliz o médium que se crê infalível, que se ilude sobre as comunicações que recebe: o Espírito que o domina pode fasciná-lo ao ponto de fazê-lo achar sublime o que, freqüentemente, é simples absurdo e salta aos olhos de todos quanto dele mesmo."




Em "O Livro dos Médiuns" lemos sobre as técnicas de fascinação utilizadas por boa parte dos espíritos pseudo-sábios: "Há, Espíritos obsessores sem maldade, que alguma coisa mesmo denotam de bom, mas dominados pelo orgulho do falso saber. Têm suas idéias, seus sistemas sobre as ciências, a economia social, a moral, a religião, a filosofia, e querem fazer que suas opiniões prevaleçam. Para esse efeito, procuram médiuns bastante crédulos para os aceitar de olhos fechados e que eles fascinam, a fim de os impedir de discernirem o verdadeiro do falso. São os mais perigosos, porque os sofismas nada lhes custam e podem tornar cridas as mais ridículas utopias. Como conhecem o prestígio dos grandes nomes, não escrupulizam em se adornarem com um daqueles diante dos quais todos se inclinam, e não recuam sequer ante o sacrilégio de se dizerem Jesus, a Virgem Maria, ou um santo venerado. Procuram deslumbrar por meio de uma linguagem empolada, mais pretensiosa do que profunda, eriçada de termos técnicos e recheada das retumbantes palavras caridade e moral. Cuidadosamente evitarão dar um mau conselho, porque bem sabem que seriam repelidos. Daí vem que os que são por eles enganados os defendem, dizendo: Bem vedes que nada dizem de mau. A moral, porém, para esses Espíritos é simples passaporte, é o que menos os preocupa. O que querem, acima de tudo, é impor suas idéias por mais disparatadas que sejam. (Cap. XXIII - Item 246 - Da Obsessão)


E abordando a necessidade imperiosa da análise crítica das comunicações dos espíritos, Kardec alerta: "Reconhece-se a qualidade dos Espíritos pela sua linguagem; a dos Espíritos verdadeiramente bons e superiores é sempre digna, nobre, lógica, isenta de contradições; respira a sabedoria, a benevolência, a modéstia e a moral mais pura; é concisa e sem palavras inúteis. Nos Espíritos inferiores, ignorantes, ou orgulhosos, o vazio das idéias é quase sempre compensado pela abundância de palavras. Todo pensamento evidentemente falso, toda máxima contrária à sã moral, todo conselho ridículo, toda expressão grosseira, trivial ou simplesmente frívola, enfim, toda marca de malevolência, de presunção ou de arrogância, são sinais incontestáveis de inferioridade num Espírito."


 

 

Fonte: http://espiritismoxramatisismo.blogspot.com.br/2008/10/kardec-e-o-perigo-dos-espritos-pseudo.html