quarta-feira, 24 de abril de 2013

Afinal, o Espiritismo tem tríplice aspecto?


Por Ronaldo Fontela

 Comumente vemos a opinião quase unânime dos espíritas e das instituições máximas que os representam (as Federações) dizendo que o Espiritismo se divide em 3 aspectos: CIÊNCIA, FILOSOFIA e RELIGIÃO. E o mais contraditório é que apesar de se declararem Kardecistas, dizendo seguirem fielmente a doutrina publicada por Allan Kardec, colocando-o como se fosse insuperável, na prática não é bem assim. Vejamos como Kardec definiu o Espiritismo.
 

“O ESPIRITISMO É, AO MESMO TEMPO, UMA CIÊNCIA DE OBSERVAÇÃO E UMA DOUTRINA FILOSÓFICA. COMO CIÊNCIA PRÁTICA ELE CONSISTE NAS RELAÇÕES QUE SE ESTABELECEM ENTRE NÓS E OS ESPÍRITOS; COMO FILOSOFIA, COMPREENDE TODAS AS CONSEQUÊNCIAS MORAIS QUE DECORREM DESSAS MESMAS RELAÇÕES.” (O que é o Espiritismo, preâmbulo-1859)

 
Como podemos observar, ele não qualificou o Espiritismo como sendo religião, e isto em toda a sua trajetória, pois JAMAIS ele mudou de postura. Alguns alegam que ele muda, quando publica seu último discurso em 1868. Porém apenas se usarmos de recorte, pois o contexto do texto deixa claro que sempre foi mantida a mesma opinião. Vejamos as citações, primeiramente, a que “sustentaria” que é religião:
 

“Se é assim, perguntarão então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem dúvida, senhores! No sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião, e nós nos vangloriamos por isto, porque é a Doutrina que funda os vínculos da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples convenção, mas sobre bases mais sólidas: as próprias leis da Natureza.” (Revista Espírita, dez. 1868, O Espiritismo é uma religião?).

 
Esta passagem é usada para justificar que Kardec declarou a doutrina espírita como religião, que fora de contexto, até teriam razão, entretanto, vejamos os 2 parágrafos seguintes da mesma fonte.


 “Por que, então, temos declarado que o Espiritismo não     é uma religião? Em razão de não haver senão uma palavra para exprimir duas idéias diferentes, e que, na opinião geral, a palavra religião é inseparável da de culto; porque desperta exclusivamente uma idéia de forma, que o Espiritismo não tem. Se o Espiritismo se dissesse uma religião, o público não veria aí mais que uma nova edição, uma variante, se se quiser, dos princípios absolutos em matéria de fé; uma casta sacerdotal com seu cortejo de hierarquias, de cerimônias e de privilégios; não o separaria das idéias de misticismo e dos abusos contra os quais tantas vezes a opinião se levantou.

Não tendo o Espiritismo nenhum dos caracteres de uma religião, na acepção usual da palavra, não podia nem devia enfeitar-se com um título sobre cujo valor inevitavelmente se teria equivocado. Eis por que simplesmente se diz: doutrina filosófica e moral.” (Revista Espírita, dez. 1868, O Espiritismo é uma religião?)
 

Não é difícil perceber, e principalmente para quem ler todo o artigo, que a proposta sempre foi a mesma, porém ele apenas reforça, explica melhor a proposta espírita. O Espiritismo (digo o de Kardec) sem dúvida tem o intuito de estimular a fé, a religiosidade, visto que tinha por objetivo combater o materialismo, que seu oposto é o espiritualismo, do qual o Espiritismo pertence. Logo não podemos separá-lo completamente das religiões, porque ele estudou justamente o produto das ideias religiosas (alma e Deus), o que não significa ser uma religião propriamente dita, são coisas distintas, embora inseparáveis. Pela imensa lucidez, Kardec nunca errou gravemente na estruturação da ciência espírita, sempre foi consciente das dificuldades, das próprias diferenças da ciência convencional e da que ele construiu, portanto, quem estudar todas suas obras depreende isto, ele próprio salientava. 

Finalmente, ele sempre negou ser religião, porque no sentido usual da palavra, ela requer toda uma estrutura de instituições, hierarquias, cultos, que inexistem na doutrina espírita. Quanto ao afirmar positivamente, era devido ao estudo etimológico da palavra religião, que vem do “religare”, em latim, e quer dizer “laço”, conforme podemos ver na citação abaixo, parágrafo que no original antecede a primeira citação contida neste texto.

“O laço estabelecido por uma religião, seja qual for o seu objetivo, é, pois, um laço essencialmente moral que liga os corações, que identifica os pensamentos, as aspirações, e não apenas o fato de compromissos materiais que podemos romper à vontade, ou da realização de fórmulas que falam mais aos olhos do que ao espírito. O efeito desse laço moral é o de estabelecer entre as pessoas que ele une, como consequência da comunhão de vistas e de sentimentos, a fraternidade e a solidariedade, a indulgência e a benevolência mútuas. É nesse sentido que também se diz: a religião da amizade, a religião da família.” (Revista Espírita, dez. 1868, O Espiritismo é uma religião?)
 

Observação, “moral” neste caso quer dizer “espiritual” e não no sentido de “ética”, na França, no século XIX era comum usar esta palavra equivalendo a espiritual, antônimo de material. Com isso, acho que fica evidente a questão do tríplice aspecto, pois esta ideia se desenvolveu no Brasil. Para Kardec jamais houve tríplice aspecto. Por quê? Porque por definição é impossível uma mesma coisa ser ciência e religião, e imagino que Kardec conhecia isso, logicamente. Vejamos algumas características de cada: 
 

Religião: Por definição é INCONTESTÁVEL, pois vem de Deus, e como Deus não erra, logo não há o que discutir, surgem novas denominações dissidentes porque interpretam diferentemente a mesma coisa, mas não questionam a fonte, ou seja, o conteúdo da informação. Vem de cima para baixo, através de profetas que são algumas pessoas com o dom de ouvir ou ser inspirado por Deus.
 

Ciência: Por definição é CONTESTÁVEL, não existe ciência se alguma experiência, teoria, artigo ou hipótese não for passível de contestação, ao contrário, para se considerar algo bem consolidado somente após passar por críticas.


Pronto, definimos a questão do século XIX, mas isto encerra a questão? Não, pois assim como Kardec criou a palavra “Espiritismo” (e outras decorrentes) para não haver problema de anfibologia (duplo sentido), que todas as palavras sofrem com o passar do tempo, porque se agregam novos significados, hoje esta mesma palavra já há mais sentidos. Atualmente a palavra “Espiritismo” também significa religião, logo a palavra por si só já causa polêmica entre os adeptos que não consideram o Espiritismo DE KARDEC como religião. E olha que até agora não saí da fonte, pois se complica a situação se acrescentar as obras de J. B. Roustaing, Chico Xavier etc. Pois elas apresentam todas as características de religião, no seu sentido usual mesmo. E agora, o que fazer? Brigar como doido tentando restabelecer o sentido do século XIX? Brigar até com o dicionário? Fazer obras literárias, instituições, movimentos para “derrubar” que Chico Xavier não é Espiritismo? Não, a meu ver todas estas tentativas são inúteis, inviáveis. E o que fazer então, se é que podemos fazer algo? Penso que a única alternativa viável é esclarecer, pois a ignorância dentro do movimento espírita é enorme, mesmo entre dirigentes. Muitos desconhecem profundamente a parte doutrinária, e principalmente a parte histórica de cada Espiritismo, sim, isto mesmo que falei, de cada Espiritismo. O renomado filósofo Mario Sergio Cortella foi criticado por alguns espíritas ao declarar no Faustão: “Isso variará do tipo de prática de Espiritismo que se tem”, mas é isso mesmo, existem diferenças capitais. A luta dos que, como eu, simpatizam com a ciência espírita de Allan Kardec e não creem totalmente na religião espírita de Chico Xavier e demais autores e simpatizantes que usam o querido Chico como paradigma, não é a de mudar a deles nos baseando em raciocínios, argumentos, fundamentados na própria codificação, é sim apenas de esclarecer, mostrar que os autores são distintos NA FORMA DE CONSTRUÇÃO das doutrinas; um foi científico, outro religioso, mas que visavam o mesmo objetivo.
 

Outra coisa importante que deve ser esclarecida, que a maioria dos adeptos ou simpatizantes desconhecem, é que o Espiritismo brasileiro é dissidente do “Kardecista”, e não o contrário; o que quero dizer com isso? É que ninguém é menos espírita por discordar do movimento espírita, ou de médiuns como Chico Xavier e Divaldo Franco, pois o paradigma, a premissa é a escola Kardeciana. Felizmente há os mais sensatos que vem se separando, como a “Conscienciologia” e o “Cristianismo Espírita”, penso ser este o caminho. Alguns podem refutar, mas ao invés de unir quer separar, contrariando mesmo a codificação? Sim, pois visto que sempre foram separados e sequer sabiam. Acho mais produtivo cada grupo que diverge muito em ideais se separar e conviverem mais fraternalmente, até interagindo, do que ficarem debatendo doutrinas, inutilmente. Pois espírita que é espírita jamais irá interferir no catolicismo, por exemplo, pois são distintos, já com a mesma denominação isso não vale, afinal, instituição que se declara espírita está sujeita à crítica dos espíritas que pensam como eu (como pensava o codificador).
 

Concluindo após esta explanação, respondendo a pergunta do título, não acho que seja possível o tríplice aspecto, considerando religião no sentido usual. Porém, não nego a existência da religião espírita. Uma vez que na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas havia médiuns de várias crenças diferentes, por que não seria possível hoje trabalharem conjuntamente os dois tipos de adeptos espíritas, os da ciência e os da religião espíritas? Por ignorância das diferenças, não se resolve um problema enquanto não o identificamos. Mas já que não nego a existência da religião, da filosofia e da ciência espíritas, por qual razão nego o tríplice aspecto? Pela simples razão que não podemos misturar ciência e religião, por definição. A filosofia será sempre comum a qualquer grupo, porém, os que fazem e seguem a religião não aderem à ciência, e vice-versa. O fator primordial do erro de construção no Brasil foi simplesmente o erro de definição e de nomes, em minha opinião é impossível negar as diferenças, e sem entrar no mérito de valores, não há certo ou errado, existem dois grupos diferentes com o mesmo nome (e olha que Kardec lutou para isto não acontecer), troca-se o nome de uma delas, e penso ser a obrigação da religião espírita (FEB e Cia), em respeito à linguagem e pela precedência da ciência, e terminará o problema de grandes divergências doutrinárias. A história do Espiritismo brasileiro prova que foi até necessidade a criação da religião, porque seus adeptos sofriam perseguições. Por fim, avalio que não há tríplice aspecto, existem sim duas escolas de pensamentos com 2 aspectos cada, tendo o filosófico como denominador comum. Ou é ciência e filosofia, ou é religião e filosofia. Como saber qual sua predileção? Fica fácil um auto diagnóstico, se você sempre sujeita todo ensino à análise, independente de quem assine a mensagem e de qual médium escreveu, você segue a ciência. Já se acredita piamente em algum ensinamento, porque é de um determinado espírito ou médium, e sequer admite que critique seu conteúdo, você segue a religião. Já não se trata mais de quem está certo ou errado, afinal são coisas diferentes que não podem ser mescladas, se trata de discernir uma da outra e resolver o único problema existente, o MESMO NOME.  

Abaixo deixo minha sugestão de vídeo a assistir, de um grande estudioso do Espiritismo, o Cosme Massi, que a meu ver expõe brilhantemente a proposta de Allan Kardec, recomendo este canal, que não é de sua responsabilidade, mas que posta algumas de suas palestras.

 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Espiritismo exige responsabilidade



Por Antonio Sérgio C. Picollo e Elio Mollo

 

Dentre as principais finalidades de um Centro Espírita, destacam-se, o amparo, o esclarecimento e o consolo, à luz da Dou­tri­na Espírita, que se fornecem a todos os ir­mãos necessitados que o pro­curam. Em primeiro lugar é óbvio que se algum espírita pretende ajudar alguém, à luz do Espiritismo, é necessário que ele conheça seus fundamentos básicos. É neste ponto que verificamos que surgem muitos problemas, de forma muito comum, em diversos Centros Espíritas de todo o Brasil. Infelizmente, muitos dirigentes e trabalhadores da Seara Espírita não conhecem a fundo (às vezes, nem superficial­mente) as obras básicas do Espiritismo codifica­das por Allan Kardec e por isso mesmo tornam-se inaptos a orientar algum necessitado, ou mesmo a proferir uma palestra sobre Espiritismo. Parece-nos que muitos ainda não conhecem aquelas velhas frases: "Temos de começar pelo começo" ou "Não se inicia a construção de uma casa pelo telhado, e sim pelo alicerce". É comum constatarmos que diversos Centros Espíritas e Federações de alguns Esta­dos, em seus cursos básicos de Espiritismo, ou até mesmo em palestras abertas ao público em geral, releguem as obras de Kardec a um segundo plano, dando franca preferência a outros livros psicografados. E ainda orientam pessoas iniciantes na Doutrina a começarem a ler esse tipo de literatura que, que­remos deixar bem claro, são importantes, louváveis e de inestimável valor, porém, para aqueles que já possuem conhecimento dos elementos básicos da Doutrina Espírita. Não é raro assistirmos palestras públicas, onde muitas pessoas lá se encontram pela primeira vez, e vemos que o expositor espírita, após esclarecer que aquele local é uma “Casa Kardecista”, se põe a falar sobre os bônus-hora, de ministérios existentes nas colônias espirituais, dos veículos de locomoção lá existentes etc.. Ora, se alguém de bom-senso, leigo em conhecimentos espíritas, assistir a esse tipo de palestra, logo duvidará da seriedade do Espiritismo e dos espíritas, pois, com razão, achará que tudo aquilo é ilógico ou se trata de algum conto de ficção. Não devemos nos esquecer de que todos os dias chegam aos Centros Espíritas pessoas oriundas de outras religiões, que nada conhecem sobre Espiritismo e por isso é que tanto em matéria de palestras, como em relação a orientar sobre leituras, é de suma importância que se dê ênfase às obras basilares da Doutrina, a saber: "O que é o Espiritismo", "O Livro dos Espíritos",  e, para que essas pessoas não se confundam e, sim, sejam esclarecidas. Depois desses conhecimentos bem assenta­dos em nossas mentes, é que pode­remos pensar em dar continuidade, em cursos separados do curso básico, ao estudo regular e metódico de "O Livro dos Médiuns" e de­mais obras de Kardec. Somente aí é que estaremos realmente em condições de estudarmos as importantes e verdadeiras obras subsidiárias da Doutrina Espírita. Como dissemos em relação a essas últimas nada te­mos contra, muito pelo contrário, porém, re­afirmamos que somente aqueles que já adquiriram conhecimentos das obras de Kardec serão capazes de absorver essas instruções. Caso contrário, estaremos orientando essas criaturas de forma distorcida e isso é uma ir­responsabilidade.
 
 
Como podemos nos considerar espíritas sem o conhecimento das obras de Kardec? Como ingressarmos numa faculdade de medicina, por exemplo, no quarto ano de graduação, sem termos conhecimento dos três primeiros anos básicos? Certamente, não entenderíamos muita coisa do restante do curso, senti­ríamos falta de conhecimentos básicos para compreendermos novas lições, e, se prosseguíssemos, sem dúvida, nos tornaríamos maus profissionais, pondo em risco a saúde dos pacientes, desprestigiando a medicina e os colegas de profissão. Esse simples exemplo serve como termo de comparação com o Centro Espírita. Se alguma pessoa ti­ver acesso a uma Casa Espírita e não lhe for apresentada corretamente a Doutrina Espírita, esta pessoa, caso continue a freqüentar esse local, continuará com falta de conheci­mento e coragem para solucionar esses problemas e, no futuro, será um médium ou trabalhador inseguro, cheio de dúvidas, e ignorante dos conhecimentos que necessita para si e também para poder ajudar aos outros.
 
 
Não achamos válida a justificativa que muitos irmãos utilizam de que "Kardec é difícil de entender" ou que "As obras de Kardec são maçantes".  Recordamos textualmente as palavras do codificador na introdução de "O Livro dos Espíritos": "Mas jamais dissemos que esta ciência seja fácil nem que se possa aprendê-la brincando, como também não se dá como qualquer outra ciência. Nunca será demais repetir que ela exige estudo constante e quase sempre prolongado".
 
 
 Se observarmos com profundidade as obras de Kardec chegaremos a conclusão de que ele sempre usou o bom senso e para não criar dúvidas procurou ser objetivo e simples durante a codificação. Devemos alertar que muitas obras de outros autores que são consideradas "fáceis de entender", além de muitas vezes conterem erros doutrinários, não nos tornam aptos a compreendermos correta e aprofundadamente a Doutrina Espírita, gerando, cedo ou tarde, dúvidas e confusão dentro de nós mesmos que preferimos o caminho "mais fácil". Daí a importância de termos dirigentes espíritas conscientes e responsáveis para essa difícil tarefa de conduzirem a Doutrina Espírita com o máximo de pureza doutrinária, de saberem criar cursos regulares de Espiritismo de maneira adequada e lógica, sempre à luz das obras de Kardec em primeiro lugar. Que nossos dirigentes respeitem o Espiritismo divulgando-o como ele é na realidade e não inserindo opiniões pessoais como sendo verdade. Daí também surge a necessidade gritante de se capacitarem melhor, se aprofundando nas obras de Kardec, de se atualizarem através de trocas de experiências com outros dirigentes de outras Casas Espíritas, da leitura e divulgação dos jornais espíritas, enfim, de estudar Kardec e entender melhor as lições Jesus para praticá-las com mais eficiência a cada dia que passa.
 
Pensemos nessa responsabilidade.