sábado, 15 de setembro de 2012

O CÉTICO

Por Maria das Graças Cabral
 
 
Quando Kardec organizou a obra “O Que é o Espiritismo”, travou um diálogo com alguém que se colocava na condição de “cético”, ou seja, aquele indivíduo eivado de dúvidas que não acreditava em absoluto nos fenômenos espíritas. Observe-se que as questões por ele levantadas percorreram os séculos, e ainda persistem ecoando na mente de espíritos encarnados e desencarnados, já em meados do século XXI! Daí, oportuno acompanhar o desenvolvimento de alguns aspectos de seu pensamento, em razão da pertinência e atualidade.
 
 
Inicialmente, uma das questões suscitadas pelo incrédulo, referia-se ao vocábulo espírita e espiritismo, criado por Allan Kardec em substituição a espiritualista e espiritualismo, que seria “o oposto do materialismo”, segundo suas palavras na Introdução de O Livro dos Espíritos.
 
 
O Mestre esclarece que como nem todo o espiritualista crê nos Espíritos, nem na realidade de suas manifestações, a utilização do vocábulo suscitaria uma confusão por parte dos grupos de entendimentos diversos. Portanto, evitando a anfibologia adotou a palavra espiritismo para expressar as ideias codificadas na Doutrina dos Espíritos, e espíritas ou espiritistas aos adeptos do Espiritismo. Assevera o Codificador que “todo espírita é necessariamente, espiritualista, mas levará ainda muito tempo até que todos os espiritualistas se tornem espíritas.” (2001: p. 25).
 
 
Só que a anfibologia temida por Kardec, tomou conta dos vocábulos espiritismo e espírita, posto que, se vivencia hodiernamente uma verdadeira miscelânea de filosofias religiosas que se auto intitulam espiritas. Além do que é “moda” se dizer espírita, é “vendável”, psicografar livros espíritas, “elevam os índices de audiência” novelas espíritas, “lotam” cinemas e teatros filmes e peças espíritas. Ou seja, a palavra “espírita” tornou-se uma marca atraente e rentável e a anfibologia tão combatida pelo codificador, se consolidou.
 
 
Mas voltemos às argumentações do cético, quando ressalta que sendo o Espiritismo considerado uma ciência fundada em fatos positivos, não deveria haver dissidência ou diversidade de crenças entre seus adeptos, como estava ocorrendo na Europa e América.
 
 
A esse respeito, Kardec rebate observando que qualquer ciência no seu aparecimento, dá ensejo a dissidências até que seus princípios sejam definitivamente estabelecidos. Acrescenta que o descobrimento de cada doutrina ocasiona um choque entre os que desejam o progresso e os que teimam em permanecer estacionários.
 
 
Mais uma vez nos deparamos com a conveniência e efetividade do que preconiza o Mestre, quando vivenciamos nos albores do século XXI, as mais diversas dissensões no seio do movimento espírita, graças a um grande número de adeptos, que teimam em manter-se arraigados à idolatria e ao ritualismo religioso, temendo e ignorando a emancipação proposta pela Doutrina Espírita.
 
 
Daí, o interlocutor investe nas “fraudes dos fenômenos espíritas”, tão comuns à época de Kardec, como na atualidade. Em resposta à argumentação proposta, o Mestre indaga: - “Porque se pode imitar uma coisa, devemos acreditar que ela não exista?” Ou seja, se existem médiuns embusteiros, significa que todas as manifestações espíritas são falsificações? (2001: p. 28)
 
 
Aliás, hodiernamente, diante das frequentes notícias de médiuns fraudadores, observa-se um ceticismo crescente nas próprias hostes espíritas. Na realidade vivenciamos os dois extremos. De um lado companheiros de uma credulidade infantil, e de outro lado companheiros de um ceticismo exacerbado. Ou seja, para uns tudo o que provier de um médium e/ou espírito é verdadeiro, e para outros a incredulidade está se sobrepondo ao próprio fato mediúnico.
 
 
E então aonde devemos chegar? Diante da real possibilidade de fraude, que o espírita estude séria e aprofundadamente a parte experimental da doutrina espírita, objetivando obter conhecimento para avaliar e identificar a burla, como reiteradamente preconizava o Codificador.
 
 
Ainda a esse respeito, faz-se por oportuno observar que a mediunidade envolve um processo de alta complexidade, posto que, são individualidades em “planos” diversos que se comunicam através do pensamento e compatibilidade de fluidos. Não obstante, alguém abre mão por algum tempo de sua própria personalidade, para que o outro se manifeste, se mostre, se faça compreender.
 
 
É fato que vários elementos, como p. ex. questões espirituais, psicológicas, ideológicas, intelectuais, morais, dentre outras, afetarão na qualidade da manifestação que nem sempre será fiel ao pensamento e/ou objetivos do comunicante - podendo ser um entendimento equivocado, em razão da própria ignorância do espírito, ou de suas intenções íntimas de mistificar. Como também, poderá haver a dificuldade de alcance e compreensão por parte do médium.
 
 
Diante do exposto retorno a Kardec, quando assevera que não é pelo fato de haver fraudes, que o indivíduo deixa de ser médium. Vale lembrar Eusápia Paladino, que mesmo com fraudes comprovadas, Kardec não deixou de considerá-la uma grande médium.
 
 
Outra questão suscitada pelo opositor incrédulo se referia - na sua concepção - que o espiritismo estava buscando “ressuscitar” as “crenças sobrenaturais.” Afirmava o interlocutor de Kardec, que em um mundo positivista, não haveria mais espaço para superstições e crendices advindas da ignorância popular.
 
 
Oportuno observar que tal argumento se faz muito comumente, quando as pessoas atribuem o “fantasmagórico” e as mais variadas superstições à condição de sobrenatural. Objetivando o esclarecimento da temática aproprio-me das palavras do codificador quando assevera:
 
“Sobrenatural, é o que está fora dos limites regidos pelas leis da natureza. O positivismo só admite estas - mais nada. Conhece-as, porém, todas? Em todos os tempos, os fenômenos cuja causa era desconhecida foram considerados sobrenaturais. Cada nova lei descoberta pela ciência veio dilatar os limites anteriores. O Espiritismo vem revelar uma nova. A comunicação com o espírito de um morto vem revelar uma nova. A comunicação com o espírito de um morto repousa numa lei tão natural quanto as da eletricidade, o que permite que dois indivíduos, separados por quinhentas léguas, estabeleçam contato. O mesmo dá-se com os outros fenômenos espíritas.” (2001: p. 32).
 
 
Finalmente, reporto-me a outra questão levantada pelo nosso companheiro cético, em razão de ser um entendimento defendido com veemência por parte dos que duvidam ou não acreditam na fenomenologia espírita.
 
 
Assevera o interlocutor de Kardec que “os fenômenos provocados são, especialmente, os mais criticados.” Acrescenta, que caso não houvesse charlatanismo e admitindo-se uma completa honestidade, haveria a possibilidade dos médiuns serem vítimas de “alucinação” - tese esta frequentemente defendida pelos que não dão crédito à mediunidade. Ao que o Codificador contrapõe, arguindo que caso o médium por efeito da imaginação acreditasse ver o que não existe, admitir-se-ia que toda a sociedade seria vítima da mesma miragem, e que isso se reproduziria em toda parte e em todos os países. Ou seja, a “alucinação” seria mais prodigiosa que o fato em si.
 
 
Adiante o Mestre comenta que os contraditores “buscam coisas cem vezes mais extraordinárias e difíceis de admitirem (o padre Quevedo que o diga!) do que as que combatem como inadmissíveis.” (2001: p. 38/39).
 
 
Portanto, pode-se observar que o interlocutor incrédulo levantou questões que ainda reverberam nos céticos do nosso tempo, ficando para todos nós a grande lição deixada por Allan Kardec, quando assevera que “o Espiritismo prende-se a todos os ramos da Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e Moral, sendo um campo imenso que não podemos percorrer em poucas horas.” Ou seja, a Doutrina dos Espíritos exige do espírita estudo profundo e constante para que se possa esclarecer e desmistificar os inúmeros equívocos disseminados por críticos, céticos e religiosos. Como também pelos próprios espiritistas, que paulatinamente distorcem e minam os princípios doutrinários da codificação, transformando o espiritismo numa seita mística e descaracterizada.
 
 
 
 
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
 
KARDEC, Allan. O que é o Espiritismo. Editora LAKE. SP/SP. 26ª edição. 2001.

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