Por Maria das Graças Cabral
Quando
Kardec organizou a obra “O Que é o Espiritismo”, travou um diálogo com alguém
que se colocava na condição de “cético”, ou seja, aquele indivíduo eivado de
dúvidas que não acreditava em absoluto nos fenômenos espíritas. Observe-se que
as questões por ele levantadas percorreram os séculos, e ainda persistem
ecoando na mente de espíritos encarnados e desencarnados, já em meados do
século XXI! Daí, oportuno acompanhar o desenvolvimento de alguns aspectos de
seu pensamento, em razão da pertinência e atualidade.
Inicialmente,
uma das questões suscitadas pelo incrédulo, referia-se ao vocábulo espírita e
espiritismo, criado por Allan Kardec em substituição a espiritualista e
espiritualismo, que seria “o oposto do materialismo”, segundo suas palavras na
Introdução de O Livro dos Espíritos.
O
Mestre esclarece que como nem todo o espiritualista crê nos Espíritos, nem na
realidade de suas manifestações, a utilização do vocábulo suscitaria uma
confusão por parte dos grupos de entendimentos diversos. Portanto, evitando a
anfibologia adotou a palavra espiritismo para expressar as ideias codificadas
na Doutrina dos Espíritos, e espíritas ou espiritistas aos adeptos do
Espiritismo. Assevera o Codificador que “todo espírita é necessariamente,
espiritualista, mas levará ainda muito tempo até que todos os espiritualistas
se tornem espíritas.” (2001: p. 25).
Só
que a anfibologia temida por Kardec, tomou conta dos vocábulos espiritismo e
espírita, posto que, se vivencia hodiernamente uma verdadeira miscelânea de
filosofias religiosas que se auto intitulam espiritas. Além do que é “moda” se
dizer espírita, é “vendável”, psicografar livros espíritas, “elevam os índices
de audiência” novelas espíritas, “lotam” cinemas e teatros filmes e peças
espíritas. Ou seja, a palavra “espírita” tornou-se uma marca atraente e rentável e a
anfibologia tão combatida pelo codificador, se consolidou.
Mas
voltemos às argumentações do cético, quando ressalta que sendo o Espiritismo
considerado uma ciência fundada em fatos positivos, não deveria haver
dissidência ou diversidade de crenças entre seus adeptos, como estava ocorrendo
na Europa e América.
A
esse respeito, Kardec rebate observando que qualquer ciência no seu
aparecimento, dá ensejo a dissidências até que seus princípios sejam
definitivamente estabelecidos. Acrescenta que o descobrimento de cada doutrina
ocasiona um choque entre os que desejam o progresso e os que teimam em
permanecer estacionários.
Mais
uma vez nos deparamos com a conveniência e efetividade do que preconiza o
Mestre, quando vivenciamos nos albores do século XXI, as mais diversas dissensões
no seio do movimento espírita, graças a um grande número de adeptos, que teimam
em manter-se arraigados à idolatria e ao ritualismo religioso, temendo e
ignorando a emancipação proposta pela Doutrina Espírita.
Daí,
o interlocutor investe nas “fraudes dos fenômenos espíritas”, tão
comuns à época de Kardec, como na atualidade. Em resposta à argumentação
proposta, o Mestre indaga: - “Porque se pode imitar uma coisa, devemos
acreditar que ela não exista?” Ou seja, se existem médiuns embusteiros,
significa que todas as manifestações espíritas são falsificações? (2001: p. 28)
Aliás,
hodiernamente, diante das frequentes notícias de médiuns fraudadores,
observa-se um ceticismo crescente nas próprias hostes espíritas. Na realidade
vivenciamos os dois extremos. De um lado companheiros de uma credulidade
infantil, e de outro lado companheiros de um ceticismo exacerbado. Ou seja, para
uns tudo o que provier de um médium e/ou espírito é verdadeiro, e para outros a
incredulidade está se sobrepondo ao próprio fato mediúnico.
E
então aonde devemos chegar? Diante da real possibilidade de fraude, que o
espírita estude séria e aprofundadamente a parte experimental da
doutrina espírita, objetivando obter conhecimento para avaliar e identificar
a burla, como reiteradamente preconizava o Codificador.
Ainda
a esse respeito, faz-se por oportuno observar que a mediunidade envolve um
processo de alta complexidade, posto que, são individualidades em “planos”
diversos que se comunicam através do pensamento e compatibilidade de fluidos. Não
obstante, alguém abre mão por algum tempo de sua própria personalidade, para
que o outro se manifeste, se mostre, se faça compreender.
É
fato que vários elementos, como p. ex. questões espirituais, psicológicas,
ideológicas, intelectuais, morais, dentre outras, afetarão na qualidade da manifestação
que nem sempre será fiel ao pensamento e/ou objetivos do comunicante - podendo
ser um entendimento equivocado, em razão da própria ignorância do espírito, ou
de suas intenções íntimas de mistificar. Como também, poderá haver a dificuldade
de alcance e compreensão por parte do médium.
Diante
do exposto retorno a Kardec, quando assevera que não é pelo fato de haver
fraudes, que o indivíduo deixa de ser médium. Vale lembrar Eusápia Paladino, que
mesmo com fraudes comprovadas, Kardec não deixou de considerá-la uma grande
médium.
Outra
questão suscitada pelo opositor incrédulo se referia - na sua concepção - que o
espiritismo estava buscando “ressuscitar” as “crenças sobrenaturais.” Afirmava
o interlocutor de Kardec, que em um mundo positivista, não haveria mais espaço
para superstições e crendices advindas da ignorância popular.
Oportuno
observar que tal argumento se faz muito comumente, quando as pessoas atribuem o
“fantasmagórico” e as mais variadas superstições à condição de sobrenatural. Objetivando o
esclarecimento da temática aproprio-me das palavras do codificador quando
assevera:
“Sobrenatural, é o que está fora dos limites regidos
pelas leis da natureza. O positivismo só admite estas - mais nada. Conhece-as,
porém, todas? Em todos os tempos, os fenômenos cuja causa era desconhecida
foram considerados sobrenaturais. Cada nova lei descoberta pela ciência veio
dilatar os limites anteriores. O Espiritismo vem revelar uma nova. A
comunicação com o espírito de um morto vem revelar uma nova. A comunicação com
o espírito de um morto repousa numa lei tão natural quanto as da eletricidade,
o que permite que dois indivíduos, separados por quinhentas léguas, estabeleçam
contato. O mesmo dá-se com os outros fenômenos espíritas.” (2001: p. 32).
Finalmente,
reporto-me a outra questão levantada pelo nosso companheiro cético, em razão de
ser um entendimento defendido com veemência por parte dos que duvidam ou não
acreditam na fenomenologia espírita.
Assevera
o interlocutor de Kardec que “os fenômenos provocados são, especialmente, os
mais criticados.” Acrescenta, que caso não houvesse charlatanismo e
admitindo-se uma completa honestidade, haveria a possibilidade dos médiuns serem
vítimas de “alucinação” - tese esta frequentemente defendida pelos que não dão
crédito à mediunidade. Ao que o Codificador contrapõe, arguindo que caso o
médium por efeito da imaginação acreditasse ver o que não existe, admitir-se-ia
que toda a sociedade seria vítima da mesma miragem, e que isso se reproduziria
em toda parte e em todos os países. Ou seja, a “alucinação” seria mais
prodigiosa que o fato em si.
Adiante
o Mestre comenta que os contraditores “buscam coisas cem vezes mais
extraordinárias e difíceis de admitirem (o padre Quevedo que o diga!) do que as
que combatem como inadmissíveis.” (2001: p. 38/39).
Portanto,
pode-se observar que o interlocutor incrédulo levantou questões que ainda
reverberam nos céticos do nosso tempo, ficando para todos nós a grande lição deixada
por Allan Kardec, quando assevera que “o Espiritismo prende-se a todos os ramos
da Filosofia, da Metafísica, da Psicologia e Moral, sendo um campo imenso que
não podemos percorrer em poucas horas.” Ou seja, a Doutrina dos Espíritos exige
do espírita estudo profundo e constante para que se possa esclarecer e
desmistificar os inúmeros equívocos disseminados por críticos, céticos e
religiosos. Como também pelos próprios espiritistas, que paulatinamente
distorcem e minam os princípios doutrinários da codificação, transformando o
espiritismo numa seita mística e descaracterizada.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:
KARDEC,
Allan. O que é o Espiritismo. Editora LAKE. SP/SP. 26ª edição. 2001.
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