sábado, 18 de fevereiro de 2012

“Meu Reino não é desse Mundo” - Que Reino?

Dalmo Duque dos Santos
 

– Em que sentido se devem entender as palavras do Cristo “Meu Reino não é desse mundo?
- O Cristo respondeu em sentido figurado. Queria dizer que não reina senão sobre os corações puros e desinteressados. Ele está em todos os lugares em que domine o amor do bem, mas os homens ávidos das coisas deste mundo e ligados aos bens da Terra, não estão com ele. O Livro dos Espíritos - Questão 1018

 
A realidade espiritual é muito clara, mas para nós, os eternos insatisfeitos, sempre que esse assunto vem à tona surge a pergunta fatídica: afinal, o que é o Reino de Deus? Na cultura judaica, no seu idioma e nos seus dialetos o “reino” está relacionado à palavra “Malkuth”, que significa literalmente “estado de coisas”. Mesmo assim, logo se vê que a expressão é dúbia e a sua conceituação ou definição é filosófica e vai depender sempre do ponto de vista de quem a coloca em condição reflexiva.

 
Curioso é que esses pontos de vista, embora infinitamente diversificados pela ótica humana se dividem em duas posições de observação das coisas: a visão interior e introspectiva, portanto espiritualista; e a visão exterior, retrospectiva, portanto materialista. Essa dicotomia só existe porque ainda não conseguimos chegar a um ponto de equilíbrio entre aquilo que é interior ou exterior, espiritual ou material, em nossa experiência existencial. Ainda confundimos a Vida (que é única e eterna) com a existência (que são múltiplas e efêmeras), não entendemos plenamente o que seja a relatividade do tempo e tantas outras coisas que só aprendemos a teorizar, mas que ainda não faz parte da nossa experiência.

 
Sabemos que esses obstáculos de compreensão são impostos pelas limitações dos nossos sentidos e da nossa atual inteligência, ainda muito precária e restrita ao plano intelectual. Sabemos também que esses bloqueios serão gradualmente removidos com o despertar da mediunidade, que nada mais é do uma tecnologia, uma extensão ou exteriorização da mente através do cérebro físico. Essa tecnologia, talvez a mais antiga descoberta humana, vem se aperfeiçoando no desenrolar das nossas existências e, assim como a mecânica e a eletrônica, vem adquirindo configurações de acordo com o uso, a capacidade e a necessidade do seu portador. Diríamos que a mediunidade é o equipamento da descoberta do Reino de Deus - a Natureza em si e a nossa relação com ela, o nosso grau de consciência - que veio sendo sofisticado desde as mais rústicas aplicações da magia primitiva até a mais sutis atividades do ambiente cibernético. Mas tal descoberta continua dividida entre a percepção exterior e interior. Para uns, ela é o fenômeno físico, palpável, lógico, objetivo; para outros, ela é metafísica, imponderável, psicológica e subjetiva.

 
O papel das doutrinas espiritualistas nessa questão seria influir positivamente no amadurecimento do ser humano. A idéia da imortalidade como um fato científico já foi colocado de forma brilhante, solucionada do ponto de vista lógico, mas no aspecto interior e psicológico continua sendo um enigma, um segredo que só vai ser equacionado quando “acordarmos” do sonho existencial para a Vida real. Não basta vermos e tocarmos Espíritos materializados se não tivermos a sensibilidade da leitura espiritual do fenômeno. Nesse aspecto os novos cientistas psíquicos foram o triunfo de Tomé: substitui-se a curiosidade pela a dúvida e esta foi sendo superada pela fé tranqüila, harmônica, equilibrada.

 
É preciso saber diferenciar a realeza comum e transitória da realeza espiritual. Na primeira encontramos o universo político de César, o domínio da matéria sobre o Espírito, cujos interesses materiais estão em primeiro lugar e tudo se volta para a solução de problemas dessa modalidade. Na segunda ela é apenas uma simbologia do poder do Espírito sobre a matéria. O extremo dessa consciência é a conversa de Jesus com Pilatos, no qual se mostra perfeitamente convicto do que está fazendo e ciente do que está acontecendo ao seu redor. Essa consciência atinge o ápice quando Jesus prefere a humilhação completa, inclusive da sua dignidade física, para exaltar o seu poder espiritual, isto é, mandar nos corações humanos; a coroa de espinhos, a tortura física e a pena de morte são detalhes que não o incomodam, senão fisicamente, pois são distorções da realidade espiritual, reflexos do poder político efêmero, que certamente serão corrigidos pelas leis da reencarnação e de causa e efeito.

Para nós essa é uma experiência ainda absurda, cujo sofrimento físico do Mestre ofusca o sofrimento moral e nos dá uma falsa idéia de masoquismo, ascetismo e anulação. Não entendemos que a salvação caminha por uma outra vertente. Tanto é deformada essa visão que sentimos uma atração sádica pelas cenas da crucificação e chegamos a ponto de querermos reencenar repetitivamente essa tragédia, para atuarmos viciosamente como falsos personagens. Isso é a perversão da religiosidade pelos sentidos físicos, o fundo do poço da religião. Daí surgiram os dogmas, que são os narcóticos do Espírito, talvez o ‘ópio das massas” a que se referiu Karl Marx.

 
É preciso também comparar a perspectiva materialista e a espiritualista. O Espiritualismo moderno rompe o absolutismo temporal da existência biológica e expõe a relatividade do tempo da vida espiritual.

 
Essa dicotomia “mundo interior” e “mundo exterior”, na mente humana, depende da nossa reestruturação mental e comportamental. O que vale é o conceito socrático do conhece-te a ti mesmo, mas não no sentido de discurso intelectual, da sabedoria vazia dos sofistas. Trata-se de uma auto-percepção trabalhosa, metódica, complexa quando racionalizada, porém simples quando aplicada na prática cotidiana. Como não temos a capacidade de nos percebermos senão por imagens falsas de nós mesmos (narcísicas), Jesus resolveu facilitar esse processo invocando a lei de sociedade e afinidade entre o seres.

 
A percepção de si mesmo sempre começa pela percepção do outro. O Reino está em nós, mas só o enxergamos refletido no semelhante; só ele, como um espelho, tem a chave e esta só abre a fechadura que está no outro, e assim sucessivamente. É por isso que o outro conhece bem melhor do que nós os nossos defeitos e as nossas virtudes. É também por isso que o próximo, quase sempre, está bem distante, mesmo estando tão perto. Então, amar o próximo é mais conveniente do que se imagina... Quando tivermos a capacidade de amar de verdade, a obrigação e a conveniência serão transformadas no indescritível prazer da caridade.

 
Para concluir esse estudo, lembramos que, historicamente, constata-se que a descoberta de si mesmo ou da consciência, como na existência humana, partiu do ponto de vista objetivo e exterior - da descoberta do próprio corpo (infância) - passou da mesma forma para os fenômenos da Natureza (adolescência) e vem voltando gradualmente para o universo subjetivo e interior (maturidade). Se fôssemos mensurar matematicamente essa trajetória poderíamos dizer que cada etapa da transformação pode ser comparada a um processo de verticalização da consciência, que supomos ser no Reino Hominal realizado em três etapas: do Primeiro ao Sexto Ser, de zero a noventa e de noventa graus; e de noventa a cento e oitenta graus, até atingirmos, no Sétimo Ser, a plenitude de trezentos e sessenta graus, que é a Consciência Universal.



 
 
 
Fonte: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/dalmo/meu-reino-nao-eh.html

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