domingo, 24 de junho de 2012

A Formação dos Participantes de Sessões Experimentais Segundo Allan Kardec

Por Maria das Graças Cabral

Para tratar do tema proposto, importante pontuar que foi através do processo mediúnico que os Espíritos Superiores trouxeram ao mundo toda uma doutrina de caráter filosófico e moral, objetivando alavancar o progresso do espírito humano. Não obstante, o fenômeno mediúnico não foi algo inédito, irrompido nos albores do século XIX com suas mesas girantes e falantes, posto que, desde tempos longínquos se tem notícias de fatos considerados como sobrenaturais, maravilhosos, fantásticos.


A título de exemplo, pode-se observar em diversas passagens da Bíblia católica e protestante, o relato da “aparição de anjos“, as famosas “profecias,” dentre outros fenômenos de efeitos materiais, como os acontecidos através de Moisés, líder do povo hebreu. No Novo Testamento, também em várias oportunidades, os evangelistas relatam a ocorrência de fatos mediúnicos. Em alguns é Jesus o protagonista, quando ordena o afastamento de espíritos inferiores do jovem possesso, ou quando é visto falando com Moisés e Elias, já mortos e materializados no monte Tabor, dentre outras passagens evangélicas.

Além dos relatos bíblicos, é fato que os fenômenos mediúnicos permeiam a história dos povos em todos os tempos. Quem nunca ouviu falar das famosas “casas mal assombrada” e seus “fantasmas“? Quem nunca ouviu relatos, ou não vivenciou a experiência de ter visto, ouvido ou mesmo sonhado com alguém que já morreu e ter nítida sensação do encontro? Quem não ouviu falar, ou vivenciou em sua própria casa, movimento de móveis, gavetas, batidas de portas sem a interferência do vento, atividades na cozinha com louças e talheres, passos, ruídos nas escadas, vozes e conversas, os famosos “balançar de redes”, vultos que atravessam cômodos, ou apenas observam, dentre muitas outras ocorrências? Entretanto, tais relatos e experiências eram e ainda são na atualidade, relegados à condição de lendas, fatos sobrenaturais ou mera ilusão.

No que concerne aos homens, mulheres, e crianças que viam, ouviam ou provocavam tais fenômenos, eram tidos como profetas, bruxos (as), endemoniados (as), loucos (as). A história nos conta o destino de milhares deles e delas que foram mortos nas fogueiras, nas forcas e guilhotinas, quando não, afastadas da sociedade juntamente com os portadores de lepra, ou presos até a morte nos manicômios. Hodiernamente, muitas são as pessoas que evitam relatar suas experiências mediúnicas temendo serem desacreditadas e/ou consideradas, loucas, esquizofrênicas, tolas e impressionáveis.

Não obstante, o gênio investigativo de Allan Kardec fez uma leitura diferenciada e profunda dos fenômenos que apenas despertavam espanto e/ou distraiam os homens e mulheres do século XIX, alcançando uma dimensão muito maior da que era percebida pelos demais. E assim, através das comunicações mediúnicas foi erguido todo o complexo doutrinário espírita.

Na realidade o trabalho sério e dedicado do grande Mestre, trouxe a lume uma das leis da natureza, que estabelece o intercâmbio entre o mundo material e o mundo espiritual. Ou seja, inexiste essa concepção de “sobrenatural“, pois Deus não derroga as suas leis eternas e imutáveis. A humanidade é que até então desconhecia que os fenômenos considerados maravilhosos e inexplicáveis, eram provocados pelos Espíritos dos homens que não mais habitavam o corpo material, e procuravam se comunicar com a humanidade encarnada.

Assim sendo, o Codificador através da observação e dos ensinamentos ministrados pelos próprios Espíritos, estabeleceu como um dos princípios da doutrina espírita, “a aceitação da existência, sobrevivência e individualidade da alma,” afirmando que enquanto o Espiritualismo em geral oferece a demonstração teórica dogmática, é o Espiritismo que apresenta a demonstração experimental. (LM, Cap. I, 1)

Além da certeza da existência e sobrevivência do Espírito, ficou clara a interação das inteligências encarnadas e desencarnadas. Segundo as palavras dos Espíritos Superiores “a alma é um Espírito que pensa” e muitos pensamentos que nos ocorrem, “a um só tempo, sobre o mesmo assunto, freqüentemente contraditórios”, demonstram a interferência de um pensar divergente dos nossos. (LE, perguntas 459/460)

Portanto, na condição de Espíritos encarnados que pensam, estamos todos influenciando e sendo influenciados pela população de Espíritos desencarnados “que nos envolve e no meio do qual vivemos rodeados por ela.” (LM, Cap. I, 2)

Em face da grandiosidade dessas verdades, e orientado pelos grandes Mestres Espirituais, Allan Kardec dedicou todo um trabalho de aprofundamento e sistematização para o estudo e compreensão de toda a dinâmica do processo mediúnico. As experiências vivenciadas e consideradas de relevância para o esclarecimento dos espíritas foram publicadas na Revista Espírita, e o maior tratado sobre mediunidade foi positivado em O Livro dos Médiuns.

É nessa obra grandiosa, que Kardec ao tratar do Método para o estudo da mediunidade estabelece: “Dissemos que o Espiritismo é toda uma Ciência, toda uma Filosofia. Quem desejar conhecê-lo seriamente deve, pois como primeira condição, submeter-se a um estudo sério e persuadir-se de que, mais do que qualquer outra ciência, não se pode aprendê-lo brincando. O Espiritismo já o disse se relaciona com todos os problemas da Humanidade. Seu campo é imenso e devemos encará-lo, sobretudo quanto às suas conseqüências. A crença nos Espíritos constitui sem dúvida a sua base, mas não basta para fazer um espírita esclarecido, como a crença em Deus não basta para fazer um teólogo.” (LM, Cap. III, 18)

Portanto, é inconcebível que um espírita que se proponha a participar como membro de uma sessão experimental, não tenha estudado refletido, compreendido e internalizado o que foi proposto pelos Espíritos Superiores e codificado por Allan Kardec nas Obras Fundamentais da Doutrina dos Espíritos.

A esse respeito, o Mestre orienta o estudo prévio da teoria, pois tem a vantagem de mostrar imediatamente a grandeza do objetivo e o alcance desta Ciência. Acentua que os que crêem sem ter visto, porque leram e compreenderam, ao invés de superficiais são os mais ponderados, pois “ligando-se mais ao fundo que à forma, o aspecto filosófico é para eles o principal, e os fenômenos propriamente ditos são apenas o acessório. (...) As manifestações corroboram, a confirmam, mas não constituem um fundamento essencial.” (LM, Cap. III, 32)

Adiante, reportando-se àqueles que desejarem adquirir os conhecimentos preliminares espíritas, aconselha o estudo obedecendo à seguinte ordem: 1º) O que é o Espiritismo; 2º) O Livro dos Espíritos; 3º) O Livro dos Médiuns e 4º) a Revista Espírita, que segundo o Codificador “traz uma variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos destacados que completam a exposição das duas obras precedentes, e que representa de alguma maneira a sua aplicação. Sua leitura pode ser feita ao mesmo tempo em que a daquelas obras, mas será mais proveitosa e mais compreensível, sobretudo após a de O Livro dos Espíritos.”

Kardec deixa claro como pressuposto para o efetivo trabalho mediúnico, que haja uma compreensão prévia dos “fatos espíritas”, para só então participar-se das “sessões experimentais”, pela necessidade de pessoas “suficientemente preparadas” para compreender o que se passa.

O Codificador em outra oportunidade reafirma: “Por isso dizemos que quem estudar seriamente esta ciência deve aprofundar-se bastante e durante longo tempo, pois só o tempo lhe permitirá perceber os detalhes, notar as nuanças delicadas, observar uma infinidade de fatos característicos que serão como raios luminosos. Mas se permanecer na superfície expõe-se a julgar prematuramente e, portanto de maneira errônea.” (LM, Cap. IV, 46) Diante do exposto, fica claro que o estudo se faz imprescindível em face da grande complexidade que envolve o processo mediúnico. O trabalhador despreparado não terá condições para racionalmente analisar as comunicações, confrontá-las com os ensinamentos dos Espíritos Superiores positivados nas obras fundamentais, e assim descartar o que é verdadeiro do que se trata de pura mistificação.

Faz-se por oportuno pontuar outra problemática que comprometerá grandemente a qualidade das reuniões. Trata-se dos vícios morais próprios dos Espíritos imperfeitos vinculados ao planeta Terra, e que participarão da sessão na condição de encarnados e desencarnados.

Diz o Espírito Erasto em O Livro dos Médiuns que “se o médium é de baixa moral, os Espíritos inferiores se agrupam em torno dele e estão sempre prontos a tomar o lugar dos bons Espíritos a que ele apelou.” Acrescenta que “todas as imperfeições morais são portas abertas aos Espíritos maus, mas a que eles exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é essa a que menos a gente se confessa a si mesmo. O orgulho tem posto a perder numerosos médiuns dotados das mais belas faculdades que, sem ele, seriam instrumentos excelentes e muito úteis.” (LM, Cap. XVIII, 228)

Adiante diagnostica que a “confiança absoluta na superioridade das comunicações obtidas, desprezo pelas que não vierem por seu intermédio, consideração irrefletida pelos grandes nomes, rejeição de conselhos, repulsa a qualquer crítica, afastamento dos que podem dar opiniões desinteressadas, confiança na própria habilidade apesar da falta de experiência - são essas as características dos médiuns orgulhosos.” (LM, Cap. XVIII, 228)

Finalmente encerra afirmando que “se um médium, seja qual for, por sua conduta ou seus costumes, por seu orgulho, por sua falta de amor e de caridade, der um motivo legítimo de suspeição, rejeitai, rejeitai as suas comunicações, porque há uma serpente oculta na relva. Eis a minha conclusão sobre a influência moral dos médiuns.” (LM, Cap. XVIII, 229)

Diante do exposto, fica claro que para que se organize um grupo confiável que desenvolva a parte experimental da doutrina espírita, exige-se estudo doutrinário efetivo nos moldes estabelecidos por Allan Kardec em O Livro dos Médiuns. Além do mergulho na doutrina, faz-se necessário todo um trabalho pessoal e verdadeiro no que concerne aos pontos mais vulneráveis da moralidade de cada um - ressalvando-se a questão do orgulho e suas conseqüências devastadoras para o labor desenvolvido. De acordo com os ensinamentos do Espírito de Erasto resumidamente transpostos acima, este aspecto é também de fundamental importância para que se alcance o objetivo de instrução e auxílio de encarnados e desencarnados.

2 comentários:

  1. Querida irmã,

    Uma pena só ter reservado a metade do último parágrafo para tratar da verdadeira finalidade de um grupo mediúnico.

    Sem dúvida o estudo é essencial para entender o funcionamento da dinâmica mediúnica, entretanto, sabemos que esse "grupo confiável" só será, de fato, ÚTIL à espiritualidade superior caso seja um grupo HARMÔNICO. Seus membros devem estar em sintonia. E, para tanto, é imprescindível amarem-se, como determinou o Espírito de Verdade.

    E para amaram-se e, assim, deterem o orgulho, grande erva daninha de todo trabalho no bem, é preciso estar em luta constante contra as próprias imprefeições! Fazer a reforma íntima!

    E o caminho para tanto Kardec deixou de forma esplêndida em o "Evangelho Segundo o Espiritismo".

    Logo não há mediunidade útil sem a mensagem do Cristo na mente dos membros de qualquer grupo mediúnico.

    Abraços cristãos!

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  2. Importante a colocação do Sr. Anônimo, posto que sem dúvida um grupo sem harmonia tende a, sob certo aspecto, atrapalhar o equilíbrio emocional dos integrantes. Mas também é importante sabermos que cada grupo tem suas particularidades e também suas individualidades, de modo que o amor fraterno e desinteressado, puro mesmo como Cristo nos ensinou, nos é quase que impossível de praticar, dada nossa condição de Espíritos imperfeitos. Portanto é de suma importância aprendermos a conviver com esta situação sem nos perturbarmos, sem que estas individualidades prejudiquem a harmonia do grupo.

    Não, não estou insinuando que não precisamos nos esforçar, mas estou dizendo que amar é um sentimento natural, não um dever imposto. Não amamos apenas porque pertencemos a um mesmo grupo. Mas como desenvolver este amor? Pelo desenvolvimento do objetivo comum e respeito ao próximo. Ou seja, a partir daqui, amar pode ser encarado como respeitar, e num ambiente onde as pessoas se respeitam, existe harmonia.

    Quanto a verdadeira finalidade das comunicações mediúnicas, apenas para comentar, seguem trechos de Kardec:

    “O fim providencial das manifestações é convencer os incrédulos de que tudo para o homem não se acaba com a vida terrestre, e dar aos crentes idéias mais justas sobre o futuro” (O Que É o Espitismo, cap II 50);

    “As reuniões espíritas oferecem grandíssimas vantagens, por permitirem que os que nelas tomam parte se esclareçam, mediante a permuta das idéias, pelas questões e observações que se façam, das quais todos aproveitam.” (Livro dos Médiuns, 2ª parte cap XXIX 324)

    Veja que aqui concluímos que a utilidade das comunicações reside no esclarecimento e numa nova visão das coisas, ou seja, é possibilitando o esclarecimento e a compreensão que estaremos oferecendo o consolo e o amparo aos desencarnados. Esta é a caridade que podemos praticar para com eles. E onde encontramos os subsídios para adquirirmos este conhecimento? No permanente estudo de todos os aspectos apresentados pelo conjunto da obra da Doutrina Espírita de Kardec.

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